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Zulmar Koerich

Contratação de serviços e o aval da assembleia de condomínio

Artigo destaca dois pontos de vista em relação à contratação de serviços pelo síndico para o condomínio: do contratante e do contratado. Gestor pode ser responsabilizado pessoalmente

27/04/23 02:55 - Atualizado há 1 ano
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Dois homens dão as mãos ao fecharem acordo para contratação de serviços para condomínios
Não são todos os atos que prescindem de autorização assemblear, senão os de administração extraordinária
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É cediço que o síndico, agindo na condição de representante/mandatário da coletividade dos condôminos, tem por obrigação submeter a assembleia dos condôminos a aprovação de contratação de diversos serviços, muito embora possa realizar tantos outros dentro de sua competência e limite de poder de administração em geral. 

De acordo com a inteligência do artigo 1.348 do Código Civil, o síndico é investido apenas de poderes ordinários de administração e não pode, sem o respaldo do órgão condominial competente, celebrar contratos alheios à gestão cotidiana do condomínio, salvo nas hipóteses de extrema emergencialidade

Assim, surge a pergunta: o síndico que, sem autorização da assembleia, em sendo necessária essa, contrata terceiro para a realização de determinado serviço, obriga o condomínio a arcar com as despesas com os serviços prestados?

Dois conceitos sobre contratar serviços para o condomínio sem anuência da assembleia

Aqui, temos basicamente duas correntes que procuram dar uma solução equânime, de forma a conciliar os diversos interesses envolvidos, mas principalmente o do prestador de serviços e o dos condôminos que não autorizaram expressamente a contratação.

De qualquer forma, a solução guarda resposta aplicando-se o princípio da boa-fé objetiva e alguns de seus subprincípios: teoria da aparência, proibição do enriquecimento ilícito e do comportamento contraditório, ou venire contra factum proprium.

Teoria da aparência

A primeira teoria, que podemos chamar de teoria finalística, informa que devemos distinguir as contratações conforme o objeto encontrar-se dentro da finalidade da entidade condominial ou não.

Isso porque “Em se tratando de ato ou fato inteiramente alheio à finalidade da entidade condominial ou à sua administração ordinária, cabe ao interessado em contratar com o condomínio se certificar previamente sobre a outorga de poderes ao síndico para a realização do negócio jurídico”.

Nesta toada, a lição de J. NASCIMENTO F. NISKE GONDO “Não são todos os atos que prescindem de autorização assemblear, senão os de administração especial ou extraordinária, que ‘só se validam mediante prévia outorga de poderes especiais e expressos da assembleia geral ou quando são por ela ratificados ‘a posterior’’ (Condomínio em Edifícios’, 5ª Ed., RT, p. 250).

Tratando-se de serviços que se encontram dentro do poder geral de administração, basta que a parte contratada tenha se certificado que aquele que se apresenta como síndico de fato o seja.

Constatada a identidade, os contratos celebrados com o condomínio vinculam este último, presumindo-se a boa-fé do contratante.

A título de exemplo temos a contratação de empregados, de seguro, de serviços de manutenção e reforma predial, de instalação de câmeras de segurança, quanto a estes dois últimos desde que em valores não excessivos.

Por outro lado, tratando-se de contratos que sabidamente demandam a aprovação da assembleia, como:

  • Contrato de crédito garantido;
  • Contratação de empresas terceirizadas de portaria, zeladoria e limpeza;
  • Realização de serviços de lavação, pintura e recuperação de fachada de valor expressivo.

Nesses casos, deve o contratante averiguar a existência de autorização pela assembleia, solicitando a ata em que consta a aprovação, sob pena destes contratos serem considerados ineficazes em relação ao condomínio, sem prejuízo de posterior ratificação pela assembleia.   

Neste sentido é o que dispõe o art. 662 do Código Civil:

“Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar”. 

Nestes casos, o condomínio não estará vinculado ao contrato, mas somente o síndico de forma pessoal, conforme o entendimento a seguir:

"É parte legitimada passiva o síndico - quando age por si só, com abuso ou excesso de poder -, e não o condomínio, apesar de representá-lo em juízo [...]" (REsp 224.429/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/05/2001. 

Deve-se ressaltar que a empresa contratada não necessita realizar uma investigação de todos os aspectos formais da assembleia (como observação de quórum específico, regularidade do edital de convocação, validade dos votos apurados, etc.,), sendo bastante a aparência de regularidade que se dá mediante apresentação da ata

Tomando estes cuidados, ainda que a assembleia seja anulada, por quaisquer motivos (salvo conluio entre síndico e empresa contratada), o contrato vinculará o condomínio e, em caso de rescisão imotivada do contrato, fará o contratado jus a percepção da remuneração pelos serviços até então realizados, bem como ao recebimento do correspondente à multa (cláusula penal) fixada.

Venire contra factum proprium

Agora imaginemos que, uma vez iniciado os serviços sem autorização da assembleia, esses se desenvolvam sem oposição dos condôminos, que assistem a realização das obras sem nada opor.

Neste caso, temos presente a aceitação tácita, diante da aplicação do princípio da proibição do comportamento contraditório, o venire contra factum proprium, que encontra respaldo nas situações em que uma pessoa, por um certo período, comporta-se de determinada maneira, gerando expectativas em outra de que seu comportamento permanecerá inalterado. Nesse sentido, vale colacionar os ensinamentos de Aldemiro Rezende Dantas Júnior:

A expressão venire contra factum proprium poderia ser vertida para o vernáculo em tradução que se apresentaria em algo do tipo "vir contra seus próprios atos" ou "comportar-se contra seus próprios atos", pode ser apontada, em uma primeira aproximação, como sendo abrangente das hipóteses nas quais uma mesma pessoa, em momentos distintos, adota dois comportamentos, sendo que o segundo deles surpreende o outro sujeito, por ser completamente diferente daquilo que se poderia razoavelmente esperar, em virtude do primeiro.

Ou seja, se os condôminos, acompanhando o desenvolvimento das obras nada oporem, fazem presumir que sua vontade está em sintonia com a do síndico signatário do negócio.

Também, em última análise, temos por aplicável o art. 884 do Código Civil, que impõe a todo aquele que se enriquecer sem causa jurídica o dever de indenizar a pessoa, a cuja custa ocorreu o enriquecimento. "Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Nesta situação em concreto, o condomínio deverá promover o pagamento dos serviços contratados pelo síndico sem qualquer direito de regresso em desfavor desse último. 

Entretanto, uma vez realizada a contratação, antes de iniciado ou concluído os serviços, caso o contratado seja comunicado de decisão da assembleia dos condôminos pela não autorização da contratação, encerra-se a presunção de boa-fé do contratado, não sendo mais devida qualquer remuneração a partir de então. 

Segundo corrente relacionada à teoria da aparência

Uma segunda corrente, aplicando a teoria da aparência, privilegia o terceiro que contrata de boa-fé, sendo-lhe bastante que comprove a aparência da existência de poderes por parte daquele que contrata em nome do condomínio, ainda que realizada por terceiro que não seja o síndico, mas atuando em nome dele.

Para esta teoria, se presume que o síndico é dotado dos poderes de representação suficientes para contratar, tratando a necessidade de aprovação pela assembleia como questão interna, inoponível ao terceiro contratado, que não tem obrigação alguma de conhecer as regras previstas em convenção, regimento interno, bem como deliberações em assembleia.

Assim, se o síndico contratou, independentemente do objeto do contrato, o condomínio está vinculado, devendo arcar com as obrigações estabelecidas no contrato. 

Nesta toada, terceiros de boa-fé não podem ser prejudicados pelos atos daquele que tudo indicava estar autorizado a agir em nome do condomínio, devendo este responder pelos atos praticados por aquele que se apresenta como seu mandatário.

"Pelo princípio de proteção à boa-fé, reputar-se-á válido o ato e vinculado ao terceiro o pretenso mandante. Se, pois, este, por ato que lhe pode ser imputado, ou por sua conduta, permite supor a existência de uma representação regular, o ato praticado lhe é oponível. O fundamento da eficácia reside na aparência do mandato, sem necessidade de apurar a causa do erro" (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, vol. III, Forense, 1981, p. 365).

Neste caso, a aparência cria direitos, não havendo necessidade do contratado buscar informações ou solicitar provas de que houve aprovação pela assembleia para que haja a contratação.   

De fato, não cabe ao contratado suportar o ônus dos problemas relacionados à existência ou não de autorização da assembleia para a contratação. Cuida-se, portanto, de matéria interna corporis. Se o serviço foi prestado, o prestador deve ser remunerado.

A propósito, ressalta J. Nascimento Franco que "o condomínio responde pelo prejuízo causado a terceiros por ação ou omissão do síndico (cf. art. 932, III, do CC)" ("Condomínio", 5ª ed., São Paulo: RT, 2005, pág. 73).

Neste caso, uma vez tenha o condomínio remunerado o terceiro contratado, poderá, exercendo seu direito de regresso, buscar ressarcimento junto a pessoa do síndico. 

(*) Zulmar Koerich é advogado especialista em condomínios que atua em Santa Catarina; autor de três livros “Condomínio Edilício - Aspectos Práticos e Teóricos”, “Manual para Síndicos, Membros de Conselho e Administradores em 323 perguntas e respostas”, e “Danos Morais nos Tribunais”; pós-graduado em Direito Civil e Empresarial.

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