13/08/21 05:18 - Atualizado há 3 anos
Já não é de hoje que está saindo de cena aquele zelador das antigas que mora no condomínio. E, ao invés de deixar que o espaço fique ocioso, se deteriore ou vire depósito, muitos condomínios estão transformando a casa do zelador em uma unidade para locação, gerando receita para o caixa do empreendimento.
Para fazer essa alteração de destinação da casa do zelador, que é uma área comum do condomínio, é preciso estar atento a alguns cuidados, como aprovação em assembleia para atender à legislação e questões tributárias.
Explicamos todo o passo a passo nesta reportagem para que você avalie esta possibilidade para o seu condomínio.
Nesta matéria você vai ler:
Existem muitas casas de zelador, principalmente em prédios antigos, geralmente bem localizados em bairros nobres, espaçosas e bem equipadas, que estão desocupadas se deteriorando quando poderiam ter uma nova destinação: locação.
Foi o caso do condomínio onde Pablo de Arteaga Hill é síndico há quatro anos, no bairro nobre do Itaim Bibi, em São Paulo, cujo valor de locação é o 6º mais caro da cidade segundo o Índice de Aluguel QuintoAndar de julho.
"Fazia 19 anos que o condomínio não tinha zelador e a casa estava desocupada, se deteriorando e acumulando tralhas. Os condôminos apoiaram a ideia de alugar a unidade e a locação foi feita para uma arquiteta indicada por um dos moradores. Ela mesma fez a reforma, que foi abatida do valor do aluguel de alguns meses", relata Pablo.
Só para se ter uma ideia, o imóvel fica na cobertura do prédio com uma bela vista da cidade, a um quarteirão da avenida Faria Lima e poucas quadras da Avenida Europa. Com cerca de 40m2, o imóvel tem o preço de locação de R$ 2.000,00.
E Pablo não parou por aí. Identificou outro espaço ocioso, que ele suspeita nunca ter sido usado: vestiário para funcionários. Adivinha só? Repetiu a ideia. Desta vez, o condomínio contratou um arquiteto para fazer a reforma do espaço, custeada com o valor arrecadado com a locação da casa do zelador. Mais moderno e equipado, o antigo vestiário, agora um apartamento, está alugado há dois meses por R$ 2.500,00.
Com a receita advinda da locação da casa do zelador em quatro anos, foi feita também a reforma de um salão do condomínio que virou uma academia para os moradores.
"Quando um espaço não é usado, tudo se deteriora - canos, paredes, revestimentos, além de perder a oportunidade de gerar renda. Mesmo para manter fechado, é preciso fazer manutenção para conservar a área e evitar problemas futuros", comenta o síndico Pablo.
Para alterar a destinação de uma área comum, seja a casa do zelador ou qualquer outra, não basta querer. É preciso se atentar ao que diz a legislação.
Segundo o artigo 1.351 do Código Civil, "[...] a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos." Ou seja, missão quase impossível.
"Trata-se de direito de propriedade. A visão ortodoxa, e o caminho desejado, é o da aprovação por unanimidade porque afasta a possibilidade de questionamento, insegurança jurídica e ação judicial. Só que tem a parte prática: não dá pra esconder que a unanimidade é utópica, inalcançável. Quanto mais gente envolvida, mais difícil é o comparecimento na assembleia, quiçá a aprovação", diz João Paulo Rossi Paschoal, advogado especializado em condomínio.
a saída recomendada é o condomínio apostar a mudança de destinação com aprovação de 2/3 dos condôminos, o mesmo para alterar a convenção segundo o mesmo artigo 1.351 do Código Civil.É o que tem feito o síndico profissional Pedro Cunha. "Já conseguimos, com aprovação de 2/3, em quatro condomínios bem localizados, como Alto da Lapa, Jardins e Chácara Klabin. A renda extra dos aluguéis está sendo reservada para benfeitorias futuras."
Segundo João Paulo, há uma infinidade de casos decididos com 2/3 e não foram questionados e nem houve ação. "Quando mais passa o tempo, menos chance de reversão. Nem sempre o ambiente propicia a unanimidade, e os condôminos devem pesar na balança as vantagens e se vale a pena correr o risco."
Não que obter aprovação de 2/3 seja simples, por isso é importante haver uma boa comunicação junto aos condôminos para mobilizá-los a participar da assembleia e se alcance o exigido, lembrando que sempre há proprietários que moram fora ou podem estar viajando.
Para viabilizar o quórum, a assembleia virtual é uma grande aliada, já que os condôminos acessam de onde estiverem, com praticidade e segurança. A modalidade venceu barreiras, ganhou força e a confiança de síndicos e condôminos durante a pandemia.
Mesmo com a mudança de destinação de casa do zelador para unidade para locação, o espaço continua sendo uma área comum dos condôminos. "Cada proprietário tem uma fração, uma participação em áreas comuns", explica o advogado João Paulo Rossi Paschoal.
Áreas comuns do condomínio não têm IPTU. O IPTU é da unidade autônoma que é possuidora de uma fração das áreas comuns. Se casa do zelador for alugada, uma saída seria fazer uma compensação embutindo no valor do aluguel o que seria equivalente ao IPTU.
Da mesma maneira que não existe IPTU, também não há formalmente uma cota condominial, pois trata-se de uma área comum do condomínio. Pode-se fazer um comparativo com unidade de porte condizente e estipular um valor equivalente.
O síndico profissional Pedro Cunha faz um preço fechado de aluguel, considerando o aluguel, o equivalente ao IPTU, cota condominial, gás, luz e água. "O valor deve ser atraente para viabilizar a locação", assinala.
No condomínio onde Pablo de Arteaga Hill é síndico estipularam um valor inferior aos dos demais condôminos, levando em consideração o tamanho das unidades e o fato de que não há vaga de garagem e é necessário subir um lance de escadas, já que o elevador não chega à cobertura, onde ficam tanto a casa de zelador quanto o antigo vestiário.
O condomínio pode usar os mesmos critérios praticados no mercado imobiliário de locação: localização, condições do imóvel - conservação, equipamentos, mobiliário, vaga de garagem, tabela de preços praticada no bairro etc. Veja o índice que fornece dados precisos sobre o mercado imobiliário.
Não, segue o mesmo padrão e formalidade de contrato de locação, que deve ser fundamentado na Lei do Inquilinato, por escrito e assinado. O advogado João Paulo Rossi Paschoal recomenda que na assembleia em que for aprovada a mudança da destinação da casa do zelador também se aprove - para que o síndico tenha segurança - a estrutura e aspectos básicos do contrato e demais pontos, como:
Aplica-se o que diz a lei: descumpriu o contrato - seja por falta de pagamento ou quebra de cláusula - é motivo de ação de despejo.
O locatário responde pelo desgaste normal pelo uso, como pintura, quebra de alguma peça pelo uso etc. Havendo necessidade de modernização, manutenção estrutural ou uma reforma é competência do proprietário, no caso, o condomínio e deve ser resolvido em assembleia: o que será feito, quanto vai custar etc.
Como o condomínio não aufere renda, a receita vinda do aluguel é um rendimento dos condôminos e, de acordo com o advogado tributarista Vinicius Raymundo, o correto seria distribuir os valores entre eles.
"Se o condomínio estiver convicto de que alugará algum espaço, como casa do zelador, topo para antena, mercado - e, assim, auferir renda, o 'mais garantido' em relação ao síndico seria uma aprovação em assembleia", orienta o advogado.
Caso a decisão seja por distribuir os valores aos condôminos, o condomínio deve entregar um Informe de Rendimentos para cada um para fins de declaração de Imposto de Renda.
Se o valor for para custear despesas do condomínio, a dica dos síndicos Pedro Cunha e Pablo de Arteaga Hill é destinar para Fundo de Benfeitorias para obras futuras.
Conforme o advogado João Paulo Rossi Paschoal, há o risco de reversão pela insatisfação de algum proprietário, caso a aprovação não seja por unanimidade.
Na visão de Paschoal, é juridicamente inviável vender a casa do zelador.
"As áreas comuns, em que se inclui a casa do zelador, são inalienáveis e indivisíveis porque estão no computo da fração ideal dos condôminos. A cessão do uso exclusivo para terceiros, em se tratando da destinação, fica a mercê do trâmite e da votação em assembleia", explica o advogado.
Fontes consultadas: João Paulo Rossi Paschoal (advogado), Pablo de Arteaga Hill (síndico), Pedro Cunha (síndico profissional), Vinicius Raymundo (advogado).