04/11/19 04:11 - Atualizado há 5 anos
Fim de ano chegando... todo síndico que se preza já está mirando na previsão orçamentária do condomínio para o próximo exercício.
O documento, que vai determinar o valor da cota condominial, contempla o que o empreendimento deve gastar nos próximos 12 meses, separado por grupos de contas (veja tabela).
Normalmente, a previsão é ajustada pela inflação, acordo coletivo da categoria dos colaboradores e aumentos anunciados ou estimados. Considera-se também provisionamento do fundo de reserva e de obras.
Para um ano, a previsão orçamentária cumpre bem o seu papel quando calculada de forma realista, analisando cada item de forma individual, e prevendo inadimplência.
No entanto, um condomínio merece um planejamento financeiro que faça juz ao seu valor patrimonial. Há empreendimentos que, somados os valores de todas as unidades autônomas, valem dezenas de milhões de reais.
Segundo o educador financeiro Rafael Szabó, a diferença principal da previsão orçamentária para o planejamento financeiro é a questão do prazo. “No planejamento financeiro estamos falando de um projeto de 5 anos, ou até mais, com objetivos diferenciados que agreguem mais aos condôminos e, possivelmente, reduzam o valor da cota condominial”, explica.
“Não ter um planejamento financeiro é viver para pagar boleto. O condomínio que faz um bom planejamento financeiro vai além de pagar as contas em dia. Ele tem a visão da possibilidade de realização de projetos que, de fato, vão fazer a diferença na vida das pessoas”, afirma Rafael Szabó, que presta consultoria para síndicos profissionais no Rio de Janeiro.
Boa prática do mundo empresarial, o planejamento financeiro vem sendo considerado pelo universo condominial principalmente por iniciativa de síndicos profissionais, como Taula Armentano e Pedro Cunha.
Essa boa prática é uma das partes do plano diretor, que por sua vez está dentro do planejamento estratégico do condomínio, lembra Taula. Ela refere-se aos conceitos que englobam políticas de desenvolvimento e organização do crescimento e funcionamento do condomínio, estabelecendo as prioridades de investimentos.
“Como o condomínio não tem fins lucrativos, planejamento financeiro não está na pauta dos empreendimentos. É um desafio trazer as boas práticas do mercado de forma segura para o meio condominial. Implica em mudança no olhar sobre o comportamento das finanças do condomínio e como trabalhá-las melhor”, comenta Taula Armentano.
Na visão de Pedro Cunha, cada condomínio é como se fosse uma miniempresa para a qual o síndico, como administrador, tem que fazer um planejamento financeiro de 5 anos ou mais. Uma das barreiras para a adoção dessa boa prática está relacionada ao mandato do síndico, que dura, em média, dois anos.
Uma calibragem anual, junto com a previsão orçamentária, é uma boa medida a ser tomada também. 5 razões para qualquer síndico elaborar um planejamento financeiro para o seu condomínio. Vamos a elas!“Não há uma mentalidade de planejar para longo prazo devido à rotatividade de quem ocupa os cargos de gestão e até dos moradores. As coisas vão mudando conforme as pessoas que ali moram. É complexo fazer planejamento financeiro para o longo prazo com esse cenário”, pondera o síndico profissional.
Qualquer edificação tem um tempo de vida útil. E, para se atingir essa vida útil e até mesmo ultrapassá-la, deve-se cuidar muito bem dela, de forma programada com planejamento financeiro adequado. Caso contrário, a falta de manutenção levará o imóvel a perder de 20% a 25% do seu valor, afirma Gabriel Karpat, diretor da GK Administração de Bens.
“Um condomínio envelhece e adoece. Se não trabalharmos em um projeto global de médio e longo prazo, que privilegie a manutenção preventiva, considerando a depreciação natural do empreendimento, haverá uma desvalorização do patrimônio. O que vale mais: gastar 5% a mais para atualizar o seu bem ou perder 20%?”, indaga Karpat. “O segredo é não deixar deteriorar.”Para ele, a programação financeira vai desde manter equipamentos em condições de uso até questões intangíveis, como conforto, bem-estar e segurança dos moradores.
Um condomínio que tem a possibilidade e se planejar financeiramente para investir em novas tecnologias e sistemas, como energia solar ou captação da água de chuva, além de se valorizar pela atualização na infraestrutura, em retorno, obterá economias no longo prazo. “Quem tem visão de curto prazo não enxerga isso e acaba, por vezes, não implementando projetos como esses e deixa de colher bons resultados”, opina Szabó.
“Quem pensa no longo prazo tem caixa para fazer essas adequações.”
Há dois tipos de condôminos: o morador e o investidor. Enquanto o primeiro tem maior preocupação com o valor da cota condominial, o segundo preocupa-se com a valorização do patrimônio. “É difícil passar essa visão para os condôminos moradores de que ele vai investir hoje para usufruir daqui cinco anos, com mais segurança e usabilidade do imóvel. É um trabalho de formiguinha”, comenta Pedro Cunha.
O educador financeiro Rafael Szabó lembra que administração pública e condominial são muito semelhantes no aspecto político. Em ambos os cenários, periodicamente são eleitos os “representantes do povo” que deveriam defender e aplicar boas práticas na gestão para servir (e bem) à população.
Mas como não há um planejamento estratégico (que inclui o financeiro) de longo prazo que seja para o Brasil (ou condomínio), independente de qual seja o partido do poder, a cada troca de gestão, é implementada uma nova forma de pensar.
Com isso, perde-se a visão de longo prazo, que dá lugar ao imediatismo e à vaidade de quem assume o executivo e quer deixar a sua marca, não importando, muitas vezes, as medidas positivas das gestões anteriores, descontinuando as boas políticas.
“Acredito que o desafio no condomínio seja elaborar um bom planejamento justamente para que o projeto seja perene e sustentável do ponto de vista financeiro, social, ambiental etc”, diz Szabó.
Taula Armentano afirma que é completamente possível um síndico elaborar um plano diretor alicerçado por um bom planejamento financeiro, aprová-lo em assembleia, haver troca de síndico e o mesmo plano continuar sendo seguido pelo novo ocupante do cargo. “Ele terá liberdade para alterar o plano estratégico, ou seja, a maneira de chegar nos objetivos almejados e traçados para o condomínio. E é claro que o plano diretor poderá ser modificado em outra assembleia, se assim os condôminos desejarem”, esclarece.
Para Gabriel Karpat, deve-se fazer o que é melhor para o condomínio, trabalhando dentro da sua capacidade financeira. “A programação financeira, às vezes, extrapola o mandato do síndico e não vejo problema nenhum nisso.”
Pedro Cunha concorda com ele. “Um condomínio pode começar uma arrecadação hoje, mesmo que seja para a realização de uma benfeitoria a ser executada por outro síndico, passando por cima das questões políticas, de quem vai entregar a obra. Os condôminos vêem com bons olhos essa iniciativa.”
A visão imediatista de integrantes do corpo diretivo também costuma atrapalhar, segundo Gabriel Karpat. “Há conselhos de condomínios que não ajudam, que enxergam apenas no curto prazo, preocupando-se com um valor de cota condominial menor”, lamenta.
Um planejamento financeiro de longo prazo é essencial para prever aquelas obras inevitáveis pelas quais todo condomínio tem que passar, como as listadas abaixo por Pedro Cunha:
Os condomínios devem ter planejamento financeiro para itens como esses, para obras futuras que são mandatórias, retrofit. São itens que demandam arrecadação prévia para que sejam executados na época certa sem pesar no bolso do condômino.
“No cenário atual dos condomínios, só se consegue trabalhar com o dia a dia e de forma reativa, fazendo manutenções corretivas e não preventivas. O esforço financeiro mensal é muito menos impactante quando se faz planejamento financeiro com mais antecedência”, orienta o síndico profissional.Na interpretação de Pedro Cunha, o planejamento das manutenções começou a ser feito pelas incorporadoras, que entregam aos condomínios novos manuais do proprietário e de área comuns, com cronograma e especificação das manutenções obrigatórias. “Até por causa das garantias que elas próprias devem se resguardar”, complementa.
Para ele, deveria haver um plano mais estruturado dentro da convenção do condomínio que obrigasse a quem está no cargo de síndico a cumprir com o planejamento estipulado. “Sou síndico de um condomínio que consta na convenção a obrigatoriedade de manutenção da fachada a cada cinco anos, além de outros itens, como sistema de incêndio. Isso previne problemas futuros, já que obriga tanto os bons síndicos com visão, quanto aqueles oportunistas”, exemplifica.
Para os condomínios antigos, é viável fazer planejamento financeiro. “Deve-se priorizar no planejamento itens mais sérios e obrigatórios, deixando para depois itens que visem melhorar as condições e a valorização do condomínio”, sugere Cunha.
Com um planejamento financeiro de longo prazo, o montante arrecadado para compor os fundos é mais baixo, pois será feito por mais tempo e, na época certa de fazer a obra, o poder de negociação com dinheiro em caixa é muito maior junto aos fornecedores e prestadores de serviço. O condomínio certamente terá ganho significativo na negociação.
Ao se arrecadar com certa antecedência, é possível fazer um investimento financeiro melhor, com rentabilidade superior, visto que o dinheiro - recolhido para um fim específico, com data certa de uso - ficará aplicado por um período de tempo maior, sem necessidade de liquidez imediata.
Síndicos e administradoras conseguem negociar com bancos taxas melhores quando o investimento é de mais longo prazo.
“O condomínio deve investir sempre em aplicações conservadoras, em produtos que sejam efetivamente seguros que ofereçam rentabilidade de, pelo menos, a correção para manter a capacidade de compra. Os bancos estão interessados e se ‘mexem’ para oferece produtos que antes eram inacessíveis, com taxas melhores”, explica Rene Vavassori, gestor do Núcleo Gerencial do Grupo Graiche.
Os especialistas consultados são unânimes em afirmar que uma das razões para se ter planejamento financeiro no condomínio é praticamente acabar com os temidos rateios extras. “O condômino tem mais tranquilidade para acompanhar a gestão com transparência e ter previsibilidade de gastos do seu orçamento doméstico”, justifica Rene Vavassori, do Grupo Graiche.
Para Rafael Szabó, assim como empresas e pessoas, condomínios que estão planejados podem passar por imprevistos ou até por emergências, mas sempre estarão mais protegidos e amparados.
“O caminho do planejamento financeiro é o jeito mais barato e seguro de se atingir objetivos e ter previsibilidade sobre as contas, como a própria cota condominial”, complementa.
Quando surgir uma nova norma que obrigue o condomínio a fazer adequações em um prazo curto, surgir uma situação emergencial como incêndio, ou até a necessidade de demissão de um colaborador, com um planejamento financeiro haverá reserva para contornar a situação imediatamente sem pegar o condômino de surpresa com uma inesperada arrecadação emergencial.
Fontes consultadas: Gabriel Karpat (administradora GK), Pedro Cunha (síndico profissional), Rafael Szabó (educador financeiro), Rene Vavassori (Grupo Graiche), Taula Armentano (síndica profissional)