10/02/21 03:06 - Atualizado há 3 anos
Home office, aulas online, solidão, crianças trancadas. Some-se isso aos triviais barulhos cotidianos, reformas, mudanças e manutenções. Pronto! Temos a atual dinâmica de morar em condomínio na pandemia (e por que não pós-pandemia?), desafiando a boa convivência entre vizinhos.
Pensando em "dar uma mãozinha" para o síndico que se vê às voltas gerenciando conflitos entre moradores e uma enorme carga de novas demandas, o SíndicoNet entrevistou especialistas e elaborou 8 ideias para desarmar essa bomba-relógio e melhorar os relacionamentos e a vida no seu condomínio.
A proposta é enxergar a pandemia como uma oportunidade para fortalecer o espírito de comunidade e a coletividade existente em todo condomínio. Confira!
Você vai ler nesta matéria:
A Cadeia de Conflitos Condominiais é um procedimento desenvolvido pelo advogado, professor e mediador de conflitos Alessander Mendes, que visa a solucionar situações de conflitos entre vizinhos. Para ser aplicado, o processo deve ser aprovado em assembleia, incluído no Regulamento Interno, divulgado e explicado aos condôminos e moradores.
Como funciona na prática:
Ao seguir o protocolo, o síndico age de forma isenta, descartando-se qualquer pessoalidade do caso.
"Forma-se um histórico de ocorrências do morador conflituoso, onde constarão todas elas, das micro às macro. De posse disso, o síndico desconstrói a argumentação deste morador, que, ao perceber que há monitoramento de suas ações, tende a diminuir as infrações e os conflitos", explica Alessander Mendes.
O especialista explica em detalhes o procedimento em seu livro “Conflitos condominiais: um depoimento durante a caminhada”, lançado em 10 de outubro.
É importante haver uma definição clara de disponibilidade do síndico para atender condôminos e moradores com divulgação dessa agenda: dias, horários e forma de atendimento (presencial, videoconferência, telefone).
"Sem essa publicidade dos horário de atendimento do síndico pode incorrer na situação de um condômino procurá-lo, não encontrá-lo e dizer por aí que ele nunca está disponível", alerta Alessander Mendes.
A síndica profissional Tania Goldkorn estabeleceu em seus condomínios o “Fale com o síndico”, plantão presencial de 2 horas, uma vez por mês, incluído no contrato de prestação de serviço.
"Divulgo a data com antecedência para quem quiser, nem precisa agendar. Pode não ir ninguém, mas eu estou lá para ouvir as pessoas sempre de forma acolhedora. Esse contato é fundamental", diz Tania, que também tem feito atendimentos por videoconferência e telefone.
Tempo para ouvir os moradores é um desafio para os síndicos, que muitas vezes alegam ser insuficiente e, por isso, tentam fazer interações produtivas, eficazes, o mais breve possível.
"Mas o que se vê é o efeito contrário. Por nem sempre ficarem satisfeitas com as respostas, as pessoas ficam voltando ao assunto ou fazendo fofocas, conversas paralelas, aumentando muitas vezes o conflito", aponta a psicóloga e facilitadora Fabiana Maia, cofundadora do Instituto Terra Luminous em São Paulo.
A sugestão dela é que o síndico ofereça um tempo de qualidade exclusivamente para escuta empática, ou seja, ouvir moradores sem a obrigação de solucionar problemas, deixando claro que a solução será tratada posteriormente.
"Separar os momentos de escuta dos momentos de tomada de decisão é bem salubre. Quando uma pessoa traz a sua demanda, necessidade ou qualquer outra coisa, a carga emocional se manifesta. É essa invasão do campo emocional que prejudica a racionalidade da tomada de decisão", explica Fabiana Maia.
Exemplo clássico é a assembleia de condomínio. "As pessoas chegam para a reunião transbordando emoções: com raiva, porque tem problemas na garagem, preocupada porque a cota pode aumentar, triste porque o projeto de playground está engavetado, com medo de não ser ouvida", ilustra a facilitadora, entusiasta da Comunicação Não-Violenta.
Como praticar a escuta empática? De acordo com Fabiana Maia, é validar as falas do morador, com foco nas necessidades e não nas ações e estratégias que serão endereçadas.
"Precisamos decantar um pouco mais esse caldeirão em ebulição emocional, obviamente expandido pela quarentena, para que se possa chegar e olhar para as decisões a partir de um lugar mais centrado", avalia.
Ela é a favor de se fazer a escuta coletivamente, apesar do receio que as pessoas têm de abrir a 'tampa da panela' e a coisa 'desandar'. "Ter um mediador profissional pode ajudar a ter essa escuta mais amplificada para os conflitos e endereçar os encaminhamentos", recomenda a psicóloga.
Alessander Mendes orienta que para um atendimento coletivo produtivo deve haver regras e ser explicado aos participantes que falas que agridam a ética e os bons costumes não cabem na conversa.
Outra sugestão de Alessander Mendes para auxiliar síndicos na identificação de demandas dos moradores é aplicar pesquisas com perguntas simples e objetivas, trimestralmente. Exemplos:
"As pessoas ficam felizes em participar porque dá voz aos que estão insatisfeitos. Para otimizar seu tempo, o síndico precisa obter informações. Essas respostas vão guiar a sua gestão, que será baseada em demandas concretas. Saber as reais necessidades dos moradores evita o desperdício de energia em algo que as pessoas não se importam", explica o mediador de conflitos.
Neste formulário também pode ser divulgado o horário de plantão do síndico.
Sabe essa velha história de descarregar reclamações, problemas e desabafos no síndico, grupo gestor e administradora e transferir para eles a responsabilidade de resolver tudo e tirar da cartola soluções mágicas? Esse tradicional e ineficiente modus operandi do condomínio começa a perder espaço para a cocriação.
A ideia é envolver condôminos, moradores e funcionários - ou seja, os atores do ecossistema condominial - para juntos elaborar soluções para os problemas apontados por eles próprios, tirando-os da zona de conforto e colocando-os para agir.
"Sem dúvida, a cocriação de soluções com moradores pode ser uma excelente medida para envolver a comunidade na resolução de problemas e conflitos, que muitas vezes parecem ser isolados, mas, seguramente, têm um efeito sistêmico, uma consequência que atinge a muitos", diz Fabiana Maia, estudiosa de tecnologias sociais.
E um recurso transformador para a vida coletiva e a cocriação apontado por ela é a sociocracia. Segundo Fabiana, este método de governança pressupõe que o poder é distribuído e a tomada de decisão é por consentimento e não por maioria. E o barulho, o conflito, geralmente vem de quem não foi contemplado, o famoso “voto vencido”.
"A sociocracia visa a aumentar o engajamento, o ganha-ganha. A proposta é que as pessoas se vejam contempladas com aquelas soluções, saindo de um modelo tradicional de processo de tomada de decisão por maioria, com pessoas atendidas e outras não atendidas" , diz a facilitadora.
Ela acredita que existem, sim, possibilidades em que todos possam estar contemplados. "Isso depende de um olhar da facilitação, em que se equilibra eficácia e equivalência o tempo todo. Todas as vozes precisam ser escutadas e, ao mesmo tempo, não podemos levar meses para tomar uma decisão, é preciso dar andamento."
Ela acredita que um modelo como a sociocracia implantando em condomínio pode gerar benefício extraordinário, das pessoas se olharem como uma comunidade e elementos - condôminos, moradores, colaboradores - de uma inteligência coletiva.
"Ao invés de tomar decisões pensando no que é melhor para si, elas começam a olhar para o sistema, para o organismo coletivo e passam a tomar decisões que são boas para esse sistema. É um caminho disruptivo, uma mudança grande e nada cosmética, para sair desse lugar cheio de estresse, conflitos e desafios que só mudam de endereço", diz a Fabiana Maia.
Segundo a facilitadora, para que o modelo sociocrático seja implantado em um condomínio, é preciso:
Ela explica que é preciso ao menos um ano para testar, pois há um tempo de adaptação.
"É um modelo autogestionado, mantém o síndico, mas o peso de tomada de decisão, que acaba ficando muito concentrado na figura dele, começa a ser diluído porque é distribuído e tem mais pessoas compartilhando esse poder com mais autorresponsabilidade."
Uma outra ferramenta para cocriação de soluções coletivas em condomínios é o Coaching em grupo.
Na perspectiva de Káritas Ribas, coach e fundadora do Appana Território de Aprendizagem, muitas vezes os conflitos em condomínios nascem quando as pessoas julgam e sentem que estão sendo prejudicadas e/ou injustiçadas de alguma forma.
"E a pandemia só agravou essa sensação, pois quando temos nossas liberdades restringidas, temos dificuldade de olhar e de nos colocar no lugar das outras pessoas."
Assim como na sociocracia, o coaching pode ajudar os moradores de condomínio a olhar para a situação de forma ampla e ter empatia com as necessidades individuais para estabelecer acordos coletivos de qualidade onde todos cedem e todos se beneficiam.
"Esta atitude provoca uma sensação de que todos estão ganhando e, com isso, gera-se um senso de comunidade em que todos são responsáveis."
Segundo ela, a potência do coaching em grupo é a construção coletiva de soluções para as questões.
"Quando os envolvidos são e se sentem parte das decisões e propostas, a qualidade do engajamento na atuação do dia a dia é deslocado de um comportamento de passividade (reclamações), para um comportamento de responsabilidade, em que reclamações também acompanham proposições e ações", explica Káritas Ribas.
Nas palavras da especialista, Coaching é um método que utiliza o diálogo qualificado para expandir as perspectivas para novas possibilidades de reflexão e ação do indivíduo, grupo e/ou organizações. Parte-se das condições e circunstâncias atuais, visando a uma condição nova, que se pactua na forma de um objetivo prévio.
No caso de demandas condominiais, além do já citado coaching em grupo, focado na construção de confiança e de cooperação por meio de trabalhos grupais, o coaching também pode ser aplicado na formação dos síndicos em ferramentas de coaching para o auxílio na gestão das relações.
"As duas formas de atuação podem auxiliar o síndico em suas funções, pois trabalham e desenvolvem competências conversacionais que são ferramentas para o diálogo na ação. Esse diálogo é fundamentado em uma escuta qualificada, em uma fala refletida e em ações consensuais, e é exatamente nesses fundamentos que todo grupo de pessoas constrói confiança e, consequentemente, uma boa convivência", explica Káritas Ribas, especialista em processos grupais.
A coletividade é algo central em um condomínio, mas muitas vezes existe uma falta de habilidade para este convívio, diz. "O coaching em grupo trabalha o sentido comum como base de convivência e isso é incrível, pois é possível aprender a conviver", explica.
A quem se aplica?
O coaching em grupo pode e é recomendado para todos os envolvidos no ecossistema condominial: síndicos, condôminos, moradores, funcionários e prestadores de serviço.
Como aplicar coaching em grupo no condomínio?
O processo é construído da seguinte forma:
Quem pode aplicar o processo de coaching em grupo no condomínio?
O síndico pode conduzir o processo de coaching em grupo em sua comunidade desde que tenha sido devidamente formado para isso. Mas Káritas alerta que nem sempre isso é possível.
"No caso do síndico, o processo pode ganhar um nível de dificuldade, pois os juízos sobre as questões podem estar viciados e isso restringe a interação com o grupo para achar soluções novas para problemas antigos", explica.
Da mesma forma, os condôminos e moradores podem ser influenciados com os juízos que já fazem do síndico. Na prática, diz Káritas, isso pode criar um ambiente de resistência e desconfiança, paralisando ou até mesmo agravando a situação.
Para ela, um coach externo traz a vantagem de estar “isento” de pré-julgamentos e de poder construir uma relação do zero com as pessoas para auxiliar na regeneração das relações já postas entre os atores participantes.
"Uma possibilidade que podemos explorar é uma solução híbrida, em que o coach externo trabalha com o grupo e cocria (no processo) possibilidades para que o síndico possa dar continuidade como um facilitador de processos que podem se abrir posteriormente. Porém, ainda assim, o síndico terá que passar por algum tipo de formação para isso", conclui.
Uma maneira da comunidade se unir e se apoiar em situações de contágio por covid-19, grupo de risco, solitários precisando conversar, mães e pais solteiros trabalhando em home office com crianças em casa é formando uma rede de apoio emocional.
A psicóloga Fabiana Maia explica que isso pode ser feito de maneira muito simples:
Na contramão do temido "caderno de ocorrência" ou "caderno de reclamações", a síndica profissional Tania Goldkorn implantou o Caderno da Gentileza, onde os moradores registram elogios aos funcionários, síndico, outros vizinhos, prestadores de serviço, escrevem frase de incentivo e fica disponível para todos.
A ideia é estimular as pessoas da comunidade a desenvolverem uma perspectiva positiva sobre as pessoas e os acontecimentos no condomínio, saindo do lugar comum da crítica e da reclamação.
"O propósito é ser um 'abraço virtual', levar conforto, apoio, se colocar ao lado das pessoas. Que esse seja o espírito do condomínio, o lugar que se escolheu morar e que se deve cuidar", diz Tania.
O síndico pode disponibilizar um mural físico ou uma plataforma (grupo de whatsapp, facebook, aplicativo ou site) para os moradores escreverem o que oferecem e o que precisam, um tipo de classificados para trocas, vendas e prestação de serviços.
No lugar do isolamento das pessoas em suas próprias unidades e o desconhecimento dos seus vizinhos, a psicóloga Fabiana Maia enxerga nos condomínios uma grande potência de colaboração e troca.
"A partir do momento em que as pessoas vão se familiarizando umas com as outras, criando espaços dinâmicos onde as trocas podem acontecer, há chances de aumentar o grau de colaboração e o espírito de comunidade começa a ser criado", explica.
Fontes consultadas: Alessander Mendes (mediador de conflitos), Fabiana Maia (psicóloga), Káritas Ribas (coach) e Tania Goldkorn (síndica profissional).