29/05/19 02:52 - Atualizado há 5 anos
Por Gabriel Huberman Tyles
Recentemente, mais especificamente no dia 31/03/2019, noticiou-se no programa Fantástico, da Rede Globo, um triste e chocante acidente ocorrido no Rio de Janeiro.
De acordo com a notícia veiculada: “uma placa de granito se desprendeu da fachada de um edifício, num bairro nobre do Rio de Janeiro, e atingiu em cheio a cabeça de uma jovem na calçada*.”
Segundo a notícia, Larissa, de 20 anos de idade, aguardava seus amigos em frente a um condomínio quando um pedaço de granito medindo 90x55 cm se descolou da fachada do edifício e caiu sobre ela*.
Frise-se: a vítima não estava sequer dentro do condomínio; estava na calçada aguardando seus amigos no lado de fora do edifício.
Larissa sofreu gravíssimos ferimentos, motivo pelo qual foi levada ao hospital sob risco de morte.
Com efeito, sob o aspecto jurídico criminal, extrai-se da triste notícia acima, algumas indagações:
A respeito da primeira indagação, é bom que se diga que a responsabilidade criminal é muito diferente da responsabilidade civil.
Inicialmente, cumpre mencionar que a responsabilidade civil tem por escopo a indenização patrimonial. Já a atribuição de responsabilidade criminal tem o objetivo de punição por meio de pena restritiva de liberdade, isto é, prisão.
Em regra, a responsabilidade civil por acidente ocorrido em condomínio edilício é chamada de “responsabilidade objetiva”.
Ou seja, para que haja a atribuição da responsabilidade civil em face do condomínio, basta a comprovação do dano e do nexo de causalidade, não havendo a necessidade de comprovação da “culpa”.
Nesse sentido, o artigo 937 do Código Civil afirma que, “o dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta”.
A esse respeito, “a jurisprudência tem interpretado a expressão ‘ruína’ com bastante elasticidade, abrangendo revestimentos que se desprendem das paredes do edifício**”.
Desta forma, para que se afaste a “responsabilidade objetiva” é mister a comprovação de culpa exclusiva da vítima ou a ocorrência de caso fortuito ou força maior.
No que se refere à responsabilidade criminal, tecnicamente, para que seja possível a atribuição de um crime a alguém, o fato praticado deve ser típico (estar descrito na lei como crime) e ilícito (não estar abarcado por legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do direito ou outra causa que tenha o condão de excluir a ilicitude).
Além disso, é importante lembrar que, dentro do tipo penal estão as figuras do “dolo” e da “culpa”, que muito se ouve comentar nos jornais, quando se diz que o “crime foi “culposo” ou “doloso”.
Com efeito, a culpa pode ser entendida como o fato de “não desejar o resultado, mas tê-lo por previsível e continuar a desenvolver o comportamento descuidado”.
Já, o dolo, é o “querer atingir o resultado ou assumir o risco de produzi-lo***.”
Nos crimes culposos, quando o agente não deseja o resultado, mas, continua a se comportar de maneira descuidada, ele pode perpetrar o crime por “negligência”, “imprudência” ou “imperícia”.
A pessoa negligente é aquela que deixa de agir, de tomar as cautelas necessárias, como, por exemplo, o agente que não coloca uma placa de aviso sobre a área escorregadia ou, então, que deixa de solicitar uma vistoria predial necessária, sendo possível cogitar vários outros exemplos.
Assim, por exemplo, um acidente automobilístico com vítima, pode ensejar a responsabilidade civil pelo dever de indenizar patrimonialmente a vítima pelos danos sofridos e, também, a responsabilidade criminal pelo fato de a conduta estar descrita como crime. O mesmo raciocínio pode ser utilizado para a queda de objetos de um edifício, isto é, pode ensejar responsabilidade civil e criminal.
Assim, considerando a triste notícia, já se pode responder a primeira indagação, ou seja, as responsabilidades são apuradas de formas diversas, mas, elas podem coexistir, ou seja, uma mesma pessoa pode ser processada nas duas esferas, cível e criminal, pois, são independentes.
Com relação à segunda indagação, há sim reponsabilidade criminal pela falta de manutenção pois, efetivamente, tal fato pode configurar “omissão”, isto é, um “deixar de fazer” que, segundo o artigo 13, §2º, do Código Penal, tem relevância para a configuração de crime.
Assim, a conduta de omitir-se em relação à necessária manutenção predial recai, inicialmente, na pessoa do síndico do condomínio que, como se sabe, é o responsável pela “vida” do edifício.
Desta forma, pode-se afirmar que, o síndico pode ser apontado como o agente responsável no âmbito criminal por eventual acidente ocorrido, o que já responde a terceira indagação.
É bem verdade que o síndico até pode não ser o verdadeiro “responsável” pela ocorrência do acidente, contudo, a princípio, é ele a pessoa que será objeto de diversas indagações acerca dos fatos, das medidas de segurança tomadas pera evitar acidentes, dos contratos de manutenção predial, dentre outros questionamentos.
Será ele, pois, como representante do condomínio, a primeira pessoa investigada nos autos de eventual Inquérito Policial.
Ou seja, a princípio, no âmbito condominial, não há como escapar da pessoa do síndico como alguém responsável por um acidente causado por “omissão”.
Diz-se, “a princípio” pois, ao longo das investigações, poder-se-á encontrar elementos que indiquem que o síndico tomou as cautelas necessárias, ou seja, que o acidente foi causado pela inobservância de um serviço prestado por uma empresa de engenharia, por exemplo.
Assim, a pessoa do síndico, a empresa responsável pela manutenção, a administradora do condomínio e, enfim, todas as pessoas responsáveis por medidas que deveriam, mas não foram adotadas para evitar o acidente, poderão ser objeto de responsabilidade criminal.
Especificamente no caso noticiado acima e tomado como exemplo para o desenvolvimento do presente artigo, lamentavelmente, após diversas buscas, não foi encontrada nenhuma lei que obrigue que as placas de granito sejam colocadas com parafusos metálicos, o que poderia evitar acidentes.
De toda forma, a inexistência de lei específica não se traduz em ausência de responsabilidade criminal pois, é certo, as investigações poderão desvendar a necessidade de manutenção que deveria ser realizada, mas, não o foi.
O laudo pericial, portanto, a despeito de regra específica para fachadas de granitos, será o fio condutor para a revelação de responsabilidade criminal, dentre outros elementos a serem apurados durante as investigações.
Assim, com relação à última indagação, pode-se afirmar que o crime cometido por aquele que se omitiu e deixou de efetuar as manutenções necessárias para evitar o acidente ocorrido, poderá, a depender do resultado, ser aquele previsto como lesão corporal culposa (pena de 2 meses a 1 ano) ou dolosa (pena de 3 meses a 01 ano ou, então, pena de 1 a 5 anos se a lesão for grave) ou, ainda, homicídio doloso (pena de 6 a 20 anos) ou culposo (pena de 02 meses a 1 ano).
Por fim, é importante mencionar que, basta um olhar observador para se perceber que, diversos edifícios possuem fachadas revestidas de granito e, assim, deve-se ter muita cautela para que acidentes como este ocorrido com a Larissa, sejam evitados pois, longe de penalizar alguém por algum crime, o mais importante é evitar acidentes.
*https://g1.globo.com/fantastico**Conforme trecho da Apelação Cível 1013412-87.2014.8.26.0002; de relatoria do Des. Kioitsi Chicuta, da 32ª Câmara de Direito Privado, do TJSP, julgado em 29/09/2016).
***NUCCI, Guilherme de Souza. Comentários ao Código Penal. Forense. 18ª edição. p. 219.
Gabriel Huberman Tyles é advogado criminalista; especialista e mestre em Direito Penal e Processo Penal pela PUC/SP e sócio do escritório Euro Filho e Tyles Advogados Associados.