27/09/18 05:03 - Atualizado há 3 anos
O advogado especialista em condomínios Rodrigo Karpat responde as dúvidas dos nossos leitores sobre vida em condomínio.
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Pergunta 1, de Rosane Bravo
Moro em um condomínio de 200 casas em Salvador.
Vários moradores são protetores de animais e os alimentam nas áreas comuns do condomínio e do lado externo da portaria.
Os animais se proliferam , invadem nossas casas, tiram telhas do lugar, fazem muito ruído quando estão no cio,arranham os carros, roubam comida, sujam ruas e jardins com fezes.
Pedi a administração que na pauta da próxima reunião coloquem em votação para aprovar/proibir a alimentação desses animais dentro do condomínio.
Você sugere mais alguma coisa para resolver essa questão ?
RESPOSTA DO ESPECIALISTA
Inicialmente cumpre esclarecer que a manutenção de animais domésticos em condomínios é legal. A título de curiosidade os humanos convivem especialmente com cães há cerca de 30 mil anos. Estes protegiam os humanos de invasões de outras tribos, ajudavam na caça, faziam companhia, entre outros.
Isso não quer dizer que os condôminos podem, nem devem, abusar desse direito de manter um animal em sua unidade. Devem ser respeitados os limites de convivência.
As áreas comuns de um condomínio têm regras e alimentar animais nestas áreas, deixá-los soltos ou circular com animais sem guia, ou trazer animais de rua para dentro do condomínio foge da destinação dessas áreas e afronta leis de convivência Art. 1.336, IV do Código Civil).
O direito a manutenção de animais de estimação dentro de unidades é garantido pela Constituição Federal Art. 5º, XXII e pelo Artigo 1.228 do Código Civil, ambos inerentes ao exercício regular do direito de propriedade.
Além dos artigos acima, encontramos no artigo 1.335 do Código Civil, que dentre os direitos dos condôminos elencados de forma não exaustiva no artigo, está o direito de usufruir e dispor livremente de sua unidade, o que inclui o direito de manter um animal de estimação no interior dela.
Porém, a manutenção dos animais não é absoluta, encontra limitantes no Art. 1.336, IV do Código Civil, que impõe aos Condôminos o direito de usar da sua unidade de forma a não prejudicar o sossego, saúde e segurança dos demais condôminos. Temos ainda limitadores no mesmo sentido previstos no direito de vizinhança Art. 1.277 do Código Civil.
Neste sentido, o Desembargador Paulo Eduardo Razuk asseverou que “Quando se trata de animais domésticos não prejudiciais, não se justifica a proibição constante do Regulamento ou da Convenção de condomínio, que não podem, nem devem, contrariar a tendência inata no homem de domesticar alguns animais e de com eles conviver.” Apelação 2385004800 (de 02/06/2009), julgada pela TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) na 1ª Câmera de Direito Privado, Des. Relator Paulo Eduardo Razuk.
Não obstante a legalidade de se criar animais domésticos em residências, a manutenção dos mesmos em áreas comuns, a circulação dos mesmos sem guia ou coleira não é legal.
Assim, o assunto deve ser debatido pelo Corpo Diretivo, que deve manter as proibições de se alimentar, criar, circular com animais soltos em áreas comuns, com base na Convenção, Regimento Interno e Código Civil. O que pode ser feito, em função da solidariedade da situação é a tolerância de se alimentar os animais na rua, na frente do condomínio desde aprovado em Assembleia.
Pergunta 2, de Anderson Figueiredo
O condomínio emitiu um nada consta de débitos condominiais referente a uma unidade, e entregou ao morador. Porém após certo tempo, algo em torno de 5 meses após isso, foi descoberto que ocorreu um erro por parte da administradora, e que alguns débitos dessa unidade do período de 2015, 2016 e 2017 ainda não tinha sido pagos.
Minha dúvida é a seguinte, tendo em vista que o morador já recebeu esse documento de nada consta, não sendo cobrado anteriormente devidamente, qual deve ser o procedimento do condomínio para corrigir esse problema.
O morador deseja que seja abonado os débitos, senão entrará na justiça contra o condomínio por cobrança indevida e por danos morais.
Qual seria a melhor forma de conduzir isso?
RESPOSTA DO ESPECIALISTA
De forma simplificada, a responsabilidade civil nasce quando alguém diante uma ação ou omissão causa um dano a terceiro, e nesse caso, na esfera cível, quem causou o dano terá a obrigação de repará-lo, assumindo assim, as consequências que este dano tenha causado seja ela material ou simplesmente moral.
Para que se caracterize a responsabilidade civil é imprescindível que exista: a) uma ação ou omissão, b) um resultado, c) uma relação entre essa ação ou omissão.
O condomínio responde diretamente pelos danos/ prejuízos que venha a causar aos seus condôminos, moradores ou visitantes. Desde que se prove a culpa do condomínio, é claro.
Ademais, se o síndico agiu com excesso, não observando a lei ou causando prejuízo direto a terceiros, extrapolando os poderes de gestão, poderá inclusive responder pessoalmente pelos danos causados.
Lembramos que o síndico com base na lei Art. 1.348 do CC, e, mediante aprovação da assembleia poderá delegar a terceiros as funções administrativas da gestão Art. 1348 do CC §2
Quanto ao caso relatado, o fato da CND (Certidão Negativa de Débitos) ter sido emitida de forma errônea não imputa a quitação automática ao devedor.
Verificado o erro, e se possível a reversão do caso, ou seja, por mais que exista o erro, o devedor sabedor de seu débito, uma vez que sabe que deve pagar mensalmente o condomínio, não poderá se esquivar de quitar o valor em aberto, mesmo com a CND emitida, sob pena de enriquecimento ilícito sem causa.
Já a administradora deverá documentar de forma imediata que a CND foi emitida de forma errônea, e arcar com os prejuízos de tais erros, tais como; os juros e correção monetária do período posterior que a CND foi solicitada (responsabilidade civil).
Sobre erros da adminsitradora o TJSP se manifestou:
CIVIL – PROCESSO CIVIL – ADMINISTRADORA DE CONDOMÍNIO – DANOS MATERIAIS E MORAIS – DÉBITO QUITADO – LEGITIMIDADE PASSIVA DA ADMINISTRADORA – INDENIZAÇÃO CABÍVEL – Administradora de condomínio responsável pela emissão das cobranças e pelos seus recebimentos – Legitimidade passiva configurada – Ré que não se desincumbiu de seu ônus probatório, comprovando a regularidade da cobrança efetuada, diante do pagamento efetuado pela autora – Inteligência do art. 333, II, do CPC/73 – Cobrança indevida – Autora considerada inadimplente perante o Condomínio, o que a impediu de exercer o seu direito de voto em Assembleia – Danos morais – Indenização mantida em R$ 3.000,00 (três mil reais), observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade – Recurso desprovido.
(TJ-SP - APL: 10257799820148260114 SP 1025779-98.2014.8.26.0114, Relator: Carlos von Adamek, Data de Julgamento: 17/05/2017, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/05/2017)
Porém, se por exemplo: a CND foi emitida para efeitos de venda da unidade, e se o erro na emissão da CND foi comprovadamente da administradora, esta deverá arcar com os prejuízos diretos decorrentes da sua má gestão/erro e depois buscar o ressarcimento perante o vendedor.
Nesse caso o comprador/novo adquirente não deve arcar com o prejuizo face a falha da administradora. Situação diferente da relatada pelo leitor, quando o proprietario da unidade continua na propriedade do imóvel.
Pergunta 3, de Ed Tomaz Tomaz
O condomímio tem uma diarista (colaboradora) que há mais de 8 anos vem uma vez por semana ao depósito de resíduos recicláveis e não recicláveis do condomínio realizar a manutenção (lavagem). Como trata-se de uma catadora de resíduos, em comum acordo, é a única beneficiária de todo o resíduo reciclável que é produzido no condomínio . Ela é remunerada logo após o término do serviço semanal, que não ultrapassa 2 horas.
Pergunto-lhe: essa tarefa semanal, que tratamos como serviço prestado por diarista, a luz da legislação trabalhista, pode ser considerada um trabalho repetitivo e trazer no futuro algum problema judicial como obrigação de pagamento de indenização?
RESPOSTA DO ESPECIALISTA
O fato da diarista estar no condomínio de uma a duas vezes na semana, não conota automaticamente vínculo empregatício, uma vez que não estão presentes os requisitos da legislação trabalhista para tanto artigos 2º e 3º da CLT: São requisitos para o vínculo: Não eventualidade, subordinação, onerosidade, pessoalidade e alteridade.
Nesse sentido:
TRABALHO EVENTUAL. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. A prestação de serviço eventual não autoriza o reconhecimento do vínculo empregatício, nos termos do artigo 3º da CLT. Recurso desprovido.
(TRT-13 - RO: 105248 PB 00817.2008.005.13.00-4, Relator: ANA MARIA FERREIRA MADRUGA, Data de Julgamento: 17/03/2009, Primeira Turma, Data de Publicação: 17/04/2009)
TRABALHO DOMÉSTICO EVENTUAL. DIARISTA. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O conjunto probatório inclina-se pela veracidade da tese defendida pela demandada de inexistência de vínculo empregatício entre as litigantes, haja vista a jurisprudência do C. TST apontar no sentido de não considerar contínuo o labor doméstico prestado em apenas dois ou três dias da semana. Inteligência dos artigos 2º e 3º da CLT c/c o artigo 1º da Lei nº. 5.859/72. Recurso improvido. (Processo: ROPS - 0000981-39.2014.5.06.0101, Redator: Ivan de Souza Valenca Alves, Data de julgamento: 29/01/2015, Primeira Turma, Data da assinatura: 03/02/2015)
(TRT-6 - RO: 00009813920145060101, Data de Julgamento: 29/01/2015, Primeira Turma)
As diaristas prestam serviços eventualmente na mesma residência/empresa/condomínio e, por isso, não estabelecem vínculo empregatício.
Por esse motivo, a legislação previdenciária não considera a diarista como empregada doméstica e, sim, como contribuinte autônoma o que não requer que a mesma seja registrada.
“As trabalhadoras que prestam serviços domésticos de forma eventual não são consideradas empregadas domésticas perante a legislação previdenciária mas, sim, contribuintes individuais (autônomas). Elas não têm os mesmos direitos das mensalistas e o patrão não é obrigado a fazer o registro em Carteira, recolher as contribuições mensais para a Previdência Social nem pagar outros encargos previstos na legislação da doméstica. Isso porque as diaristas geralmente prestam serviço em várias residências, não estabelecendo vínculo com nenhuma delas.
Segundo a legislação, para que seja configurado vínculo de emprego são necessários, cumulativamente, os requisitos da pessoalidade (somente ela presta o serviço), onerosidade (recebe pela execução do serviço), continuidade (o serviço é prestado de forma não eventual) e subordinação (o empregador dirige a realização do serviço, determinando, por exemplo, o horário). Em geral, no caso das diaristas, todos os requisitos estão presentes, com exceção da continuidade.
Contribuinte individual – Para que fique caracterizada sua situação de autônoma, a diarista deve estar inscrita na Previdência Social como contribuinte individual e efetuar o recolhimento da contribuição previdenciária, mês a mês, de acordo com seus rendimentos. A inscrição como contribuinte individual deve ser feita pela diarista pelo telefone 135 ou no site www.previdencia.gov.br.
A diarista também pode se inscrever como microempreendedor individual (MEI), contribuindo para a Previdência Social com a alíquota reduzida de 5% do salário mínimo. O microempreendedor é a pessoa que trabalha por conta própria e que se legaliza como pequeno empresário. Para poder contribuir nessa categoria, as diaristas precisam fazer seu cadastro no Portal do Empreendedor (www.portaldoempreendedor.gov.br) e se formalizarem como MEI. Após a formalização, a diarista receberá o Certificado da Condição de Microempreendedor Individual, com o devido número de CNPJ.
Para pagar suas contribuições mensais à Previdência, a diarista inscrita como empreendedor individual deverá imprimir seu carnê de recolhimento mensal, chamado DAS-MEI, pelo Portal Simples Nacional, usando seu CNPJ. O pagamento também pode ser feito por meio do “Carnê da Cidadania”, que é enviado pela Secretaria da Micro e Pequena Empresa (SPME) para a residência das pessoas cadastradas. (ACS/SP)”
Sendo a diarista pessoa física, poderá emitir recibo simples de autônomo de prestação de serviços (RPA), o qual deverá sofrer as retenções legais. São elas: a) 11% de INSS b) imposto de renda com base na tabela do IR Pessoa Física. Ainda, o condomínio deverá recolher 20% de INSS sobre o valor bruto do serviço prestado.
Lembrando que em 05/12/2014, o Comitê Gestor do Simples Nacional – CGSN autorizou através da Resolução 117 em seu artigo 8º. O enquadramento da Diarista como Micro Empreendedora Individual – MEI, permitindo assim, contribuição do INSS pelo prestador com a alíquota de 5% (cinco por cento).
(*) Rodrigo Karpat é advogado de Direito Imobiliário e sócio do escritório Karpat Sociedade de Advogados.