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Tudo sobre assédio e importunação sexual em condomínios

Crimes de assédio e importunação sexual em condomínios podem levar à destituição de síndicos, demissões por justa causa de funcionários, indenizações e prisão

Por Thais Matuzaki

23/06/23 10:57 - Atualizado há 1 ano


Assim como pingam inúmeros casos de assédio e importunação sexual em escolas, transportes públicos e empresas, os condomínios também não saem ilesos

Em se tratando de pessoas, qualquer um pode se tornar vítima e qualquer um pode ser o agressor no condomínio, sejam moradores, funcionários, prestadores de serviço, vizinho do prédio ao lado, síndico, visitantes, etc. 

Nesta matéria, o SíndicoNet explica o que é assédio e importunação sexual em condomínios, o que consta na lei, quais são as diferenças entre elas, quais práticas são consideradas criminosas, como coibi-las, quais penalidades podem ser aplicadas aos infratores e como orientar as vítimas do condomínio. Confira!

O que a lei diz sobre assédio sexual

A Lei nº 10.224, de 2001, altera o Código Penal (Decreto-Lei no 2.848/40), acrescentando o Art. 216-A ao capítulo “Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual" e definindo o crime de assédio sexual como o de:

"constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função". 

Nas palavras da advogada especialista em condomínios Vanessa Ponciano, o assédio sexual se caracteriza através de ações e comportamentos intimidadores provocados por alguém que ocupa condição superior no trabalho em face de outra pessoa em cargo inferior. Ou seja, ambos, agente e vítima – trabalham no mesmo emprego.

Com o objetivo de obter vantagens sexuais, o superior pode prometer ao subordinado benefícios profissionais e materiais ou simplesmente fazer ameaças, como a perda do emprego.

Pena para crime de assédio sexual

O que diz a lei sobre importunação sexual

Foi apenas em 2018 que o crime de importunação sexual foi inserido na legislação brasileira por meio da Lei nº 13.718. Esse dispositivo também alterou o Código Penal ao adicionar o Art. 215-A que tipifica os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro:

"Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro."

Em resumo, a importunação sexual é o ato de satisfazer o próprio prazer ou de outras pessoas sem o consentimento da vítima.

Além disso, são práticas que acontecem tanto em lugares públicos quantos nos privados, não há emprego de violência física ou grave ameaça e, não terá, necessariamente – contato físico (em alguns casos sim). 

Pena para crime de importunação sexual

Semelhanças e diferenças entre assédio e importunação sexual

É importante reforçar que tanto o assédio sexual quanto a importunação sexual são crimes contra a liberdade sexual de alguém e as condutas criminosas podem ser as mesmas.

Inclusive, são processados pelo judiciário da mesma forma. Isso porque, desde setembro de 2018, quando entrou em vigor a Lei 13.718 que incluiu o crime de importunação ao Código Penal, todos esses crimes sexuais saíram da esfera privada e passaram a ser processados mediante Ação Penal Pública incondicionada.

Ou seja, independe da manifestação da vítima, nem de ninguém. Basta que o Ministério Público tenha conhecimento dos fatos para dar início à denúncia através da abertura de um processo criminal.

O que difere esses dois crimes é que o assédio sexual exige que o criminoso, estando no ambiente de trabalho da vítima, se aproveite do seu cargo hierárquico superior com o objetivo de constranger o empregado a lhe conceder alguma vantagem sexual.

Para a advogada e síndica profissional Amanda Accioli, são atitudes e falas que procuram constranger, humilhar e amedrontar uma pessoa por meio de manifestações de poder e intimidação. 

A segunda diferença entre assédio e importunação sexual é em relação à pena. Conforme descrito acima, a importunação sexual é considerada um crime mais grave e, portanto, com pena mais severa (1 a 5 anos de reclusão).

Registros de nudez

Vale a lembrança, também, ao Art. 218-C do Código Penal, que cita o compartilhamento de imagens de nudez sem consentimento da pessoa retratada - prática que sempre está em pauta para quem vive em condomínios, como veremos mais à frente.

Na íntegra:

"Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia."

Práticas que configuram assédio e importunação sexual

As condutas que caracterizam o assédio e a importunação sexual podem ser de quatro tipos: físicas, verbais, não-verbais explícitas e não-verbais implícitas:

Condutas físicas

Condutas verbais

Condutas não-verbais explícitas

Condutas não-verbais implícitas

Podendo ou não haver contato físico, o assédio e a importunação sexual se tratam de abordagens grosseiras, ofensivas e inadequadas de conotação sexual, as quais não foram consentidas pela vítima.

Assédio e importunação sexual em condomínios: responsáveis caso a caso

Seja qual for o estrato da sociedade, o criminoso que assedia ou importuna sexualmente uma pessoa pode vir de todos os lados. Nos condomínios também é assim. Moradores, funcionários, síndicos, vizinhos, prestadores de serviço, etc podem ser vítimas ou réus

A seguir, destacamos as principais figuras dentro do condomínio, indicando quais as sanções a que os responsáveis estão submetidos em caso de assédio e importunação sexual. Confira:

Funcionário do condomínio

De acordo com Vanessa Ponciano, a conduta do condomínio em relação a um colaborador vai depender muito da gravidade do caso, bem como das provas disponíveis. Por isso, é importante apurar muito bem os fatos, preferencialmente com o apoio jurídico de advogados trabalhistas.

Nesse sentido, cabe advertência, suspensão, transferência e até demissão por justa causa

Logo que saiu a Lei do Stalking, há 2 anos, o SíndicoNet preparou uma matéria sobre as suas implicações nos condomínios.

O então síndico profissional Pedro Cunha relatou que em dos condomínios administrados por ele na época, um zelador perseguia com viés sexual as funcionárias, fazendo convites para motel, constrangendo-as. "Elas começaram a reclamar para as moradoras, que me reportaram e ele acabou demitido."

Em uma outra situação, desta vez em um condomínio comercial, um funcionário se apaixonou por uma condômina e começou a persegui-la.

"Ele sabia os horários em que ela chegava ao prédio, ia ao carro para abordá-la. Como tinha acesso às informações cadastrais dela, mandava mensagens no Whatsapp se declarando. Ela e o marido entraram em contato com a gerência e o funcionário foi transferido", contou Pedro Cunha na época.

No final do ano passado, a influencer Gabriella Camello compartilhou nas redes sociais que, por volta de 7h da manhã, estava dormindo no quarto quando abriu os olhos e se deparou com o zelador do condomínio se masturbando em sua frente. 

“[...] Há três jeitos de entrar na minha casa: biometria, senha ou chave. Todos os moradores ainda tinham a chave embaixo, na portaria, no armário. [...] ele poderia entrar no meu apartamento, mas com autorização prévia”, declarou.

A princípio, Gabriella se dirigiu à Delegacia de Atendimento a Mulher (DEAM) mais próxima de sua casa, mas decepcionada com o atendimento, foi à 13ª DP, em Copacabana, onde registrou um boletim de ocorrência. Mesmo após obter uma medida cautelar contra o zelador, ela conta que o funcionário seguiu trabalhando no condomínio por mais algumas semanas até ser demitido

Quando um funcionário do condomínio assedia ou importuna sexualmente alguém, recomenda-se que a vítima comunique o síndico imediatamente.

Fatalmente o condomínio será envolvido nesse tipo de caso, afinal, se trata de uma relação trabalhista. Já na ação criminal, a questão restringe-se entre vítima e agressor.

Morador do condomínio

Independente de quem seja a vítima, o morador acusado de assédio ou importunação sexual deve ser multado e dado início ao procedimento para caracterizá-lo como condômino antissocial, debatendo o assunto em assembleia.

Foi o que ocorreu em caso recentemente julgado pela 3ª vara Cível de Praia Grande/SP, que acarretou na expulsão do morador infrator - um idoso aposentado de 70 anos.

De acordo com autos, ele

"[...] importuna sexualmente vizinhas, espionando-as nos banheiros, cujas janelas dão para o corredor de passagem, por se tratar de prédio antigo; fica nu em frente a porta da sua unidade mostrando suas genitálias para as mulheres; xinga pessoas com termos depreciativos, racistas e homofóbicos, tais como "sapatona" e profere ameaças de estuprá-las [...]".

Vanessa Ponciano se deparou com esse tipo de situação por volta de 2017, em um condomínio de alto padrão em Curitiba.

Um condômino fazia insinuações e enviava mensagens de conotação sexual para uma das funcionárias, o que acabou acarretando na condenação do condomínio

Síndico 

Com o apoio de conselheiros e da administradora, moradores devem forçar a renúncia do gestor, e caso isso não aconteça, se organizarem para destitui-lo

Em 2022, por exemplo, a influenciadora Bruna Nery foi repreendida via WhatApp pela síndica por chegar de um bloco de Carnaval e entrar no prédio, localizado em Uberlândia (MG), usando um maiô, que era parte de sua fantasia.

Tal abordagem pode se enquadrar como assédio moral (e não sexual), pois a síndica se valeu do cargo para constranger, pressionar e desqualificar a mulher, no entanto, sem procurar obter alguma vantagem sexual como aconteceu com uma ascensorista de um condomínio também de Minas Gerais.

Segundo a denúncia, o síndico, frequentemente, olhava a ascensorista de maneira “estranha”, sendo que, um dia, ficou encarando a “parte de baixo do corpo dela”.

Uma das testemunhas disse que o gestor “perseguia” a ascensorista no elevador, posicionando-se bem próximo a ela. Numa oportunidade, foi flagrado passando a mão nos cabelos da empregada, além de sempre lhe pedir que levasse/buscasse coisas à sua sala. Isso era apenas um pretexto para pedir que ela largasse o marido que ele “lhe daria tudo”.

Também ficou constatado que a ascensorista era tratada pelo síndico como “se fosse a melhor funcionária do condomínio”, mas após resistir às investidas, ela passou a ser tratada pelo gestor de forma rude e grosseira. Ele chegou, inclusive, a recusar atestados médicos dela quando não eram emitidos pelo médico do condomínio.

Por não conter os ímpetos de seu preposto, o condomínio também foi condenado pelo TRT-MG a indenizar a ex-funcionária por assédio moral e sexual no valor R$ 10 mil, assim como a condenação pelo pagamento das verbas rescisórias decorrentes da rescisão indireta do contrato de trabalho.

Prestador de serviço

Nesse caso, o síndico deve reportar à empresa empregadora para que sejam tomadas as devidas providências contra o agressor, exigindo que, no mínimo, tal colaborador não mais frequente o condomínio

Além disso, é importante o síndico orientar a vítima a denunciar o caso às autoridades policiais, com possível ação na justiça. 

Vale, ainda, considerar a rescisão imediata do contrato com a empresa prestadora de serviço do condomínio.

Na notificação de rescisão, é possível constitui-lo em mora dos atos praticados pelo funcionário da empresa e da possibilidade de ação regressiva (reaver o que foi pago em uma ação de uma pessoa cujo dano foi por ela, individualmente, causado) caso de o condomínio sofra alguma condenação.

Em 2021, por exemplo, uma faxineira foi atacada por um homem que trabalhava em uma obra no condomínio que fica em Minas Gerais. O agressor puxou a vítima pelo braço, a trancou no banheiro e começou a beijá-la, tentando tirar as roupas da mulher e esfregando o órgão genital nela. Ela conseguiu escapar após ameaçar gritar e o homem até então não foi encontrado.

Visitante

Em 2021, em Salvador, o gerente de uma casa de eventos infantis, que não era morador do condomínio, foi flagrado capturando imagens de condôminos em momentos íntimos com auxílio de um drone. No equipamento foram encontradas cerca de 1.800 imagens dos moradores.

Para Vanessa Ponciano, é possível multar a unidade que convidou o visitante, bem como enviar notificação para o acusado e também constitui-lo em mora dos atos praticados por ele e da possibilidade de ação regressiva no caso de o condomínio sofrer alguma condenação. 

Morador de prédio vizinho

Nesse caso, não se configura assédio sexual, pois não há relação de trabalho, enquadrando-se, portanto, como importunação sexual

Em 2021, por exemplo, Thaiane Santos lembra que o vizinho do prédio ao lado do seu condomínio sempre a espiava quando ela aparecia na varanda, até que um dia ele tirou a roupa.

Ela explica que, por conta da diferença de altura entre os andares, ficava difícil ver o rosto do vizinho, então a solução foi restringir sua própria liberdade: evitar de utilizar a própria varanda ou sair correndo quando percebia a presença do espião.

"Não cheguei a denunciar para a administração do prédio porque não tinha provas. Tentei filmar, mas, com o nervosismo, não ficou nítido. E tinha medo. Ele sabia onde eu morava, que horas eu saía. Tinha medo que ele fizesse algo comigo", desabafa Thaiane.

Em outro caso ocorrido durante o período mais crítico da pandemia do coronavírus, vizinhos de um condomínio em São Paulo tiravam fotos dos moradores do prédio ao lado, inclusive, uma mulher que costumava tomar banho de sol dentro de casa. Imagens dela, com roupas íntima e nua, circulavam por grupos de WhatsApp

A vítima, que teve a identidade preservada, somente teve conhecimento da história quando o zelador dos vizinhos infratores cobrou os funcionários do prédio de Thaiane para que ela fosse punida por "provocar" essa situação.

Crimes sexuais contra menores de idade

Conforme reforça Amanda Accioli com base em decisão do STJ em 2022, um ato libidinoso contra menores de 14 anos será tratado como estupro de vulnerável.

Em março de 2023, por exemplo, um morador de um condomínio de luxo de Vitória (ES) foi preso suspeito de abusar de duas crianças entre seis e dez anos de idade enquanto elas estavam na piscina.

Segundo Thaís Cruz, delegada do caso, o homem "mergulhava e passava as mãos nos órgãos genitais e na bunda das crianças. Além disso, ele as chamava para a sauna. Ficava chamando as adolescentes de 'gostosas'", descreve.

Em caso semelhante, desta vez em Pato de Minas (MG), um morador de 42 anos estaria se aproximando das crianças em diversas ocasiões, sobretudo na piscina do condomínio. Os menores relataram alguns contatos físicos com as mãos e brincadeiras com as quais o suspeito as segurava pelas pernas e as jogava na água. 

A mãe de uma das adolescentes confirmou, inclusive, que o acusado havia trocado algumas mensagens com a filha via aplicativo WhatsApp a elogiando.

O condomínio acionou a polícia e o Conselho Tutelar para averiguar as denúncias e a síndica foi orientada a registrar detalhadamente em livro de ocorrências todos os fatos narrados pelos pais. 

Síndico: o que fazer em caso de denúncia de assédio ou importunação sexual em condomínios

Na opinião de Vanessa Ponciano, assim que o síndico toma conhecimento de alguma denúncia de assédio ou importunação sexual no condomínio, é importante acolher e ouvir a vítima.

Além disso, deve apurar detalhadamente os fatos, se há provas materiais ou testemunhas, bem como verificar as medidas de punição administrativas cabíveis ao infrator. 

Em todo caso, o gestor precisa estar preparado para orientar a vítima a não ficar em silêncio, pois ela precisa se proteger. Ponciano indica alguns meios para dar andamento à denúncia, de preferência, com o auxílio de um advogado:

Leia também: O que caracteriza danos morais em condomínios

(*) No caso de vítimas mulheres, procurar a Delegacia da Mulher mais próxima, ou ligar nos Disque 100 ou Disque 180

A depender da gravidade do caso, o próprio síndico pode fazer a denúncia ao Ministério Público, afinal, crimes sexuais como os de assédio e importunação sexual são processados mediante Ação Penal Pública incondicionada. 

Como o síndico pode coibir assédio e importunação sexual em condomínios?

Como exemplificado ao longo da matéria, o condomínio pode ser responsabilizado em casos de assédio e importunação sexual ocorridas no local.

O risco é alto, especialmente em situações diretas, envolvendo, por exemplo, o comportamento do síndico, outros membros eletivos e funcionários. 

Abaixo, as advogadas Vanessa Ponciano e Amanda Accioli listam algumas alternativas para coibir essas práticas criminosas no condomínio:

Baixe:

Para refletir: Cultura do machismo

No levantamento feito pela reportagem do SíndicoNet sobre os casos de assédio e importunação sexual em condomínios ocorridos nos últimos cinco anos (alguns deles citados nesta matéria), identificamos um certo padrão: as vítimas são mulheres, às vezes crianças, e os agressores são homens. A violência sexual precisa ser vista como uma violência de gênero. 

Para Vanessa Ponciano, a cultura do machismo com certeza antecede aos crimes aqui mencionados, e Amanda Accioli concorda:

"Em pleno século XXI, as mulheres ainda são estigmatizadas, uma vez que o histórico patriarcal e machista define sua posição na sociedade. A relação do estigma com a violência sexual é uma realidade presente e pouco debatida, pois está enraizado na cultura brasileira. Fazem com que as próprias vítimas aceitem a posição e o julgamento que lhes foram atribuídos", pontua Accioli.

Vanessa Ponciano complementa: 

"Precisamos evoluir em princípios e valores que levantem a bandeira do respeito, do amor, da ordem, do pertencimento. É urgente que sejam realizadas ações eficazes para transformação do pensamento, e logo do comportamento humano, que gere a diminuição ou, quiçá, a extinção do ciclo machista e da violência oriunda deste ciclo", finaliza.

Fontes consultadas: Amanda Accioli (advogada e síndica profissional) e Vanessa Ponciano (advogada especialista em condomínios).