11/03/19 11:38 - Atualizado há 4 anos
Por Gabriel Karpat*
O recente Projeto de Lei nº 548 de 2019, da senadora Soraya Thronicke, que propõe autorizar a coleta de voto eletrônico, de forma a também contabilizar os votos dos ausentes, reabriu a discussão acerca dessa possibilidade para a tomada de deliberação nos casos de necessidade de quórum qualificado.
A proposta traz ao debate os reais benefícios dessa forma de participação, que poderia ser válida inclusive nas assembleias condominiais.
Para formar uma opinião sobre o tema dentro do universo condominial, é essencial aprofundar o entendimento. É verdade que esse artifício permitiria maior agilidade nas decisões cuja legislação estabelece presença maior dos envolvidos.
Isso é exigido, por exemplo, nos casos de alteração da fachada ou da própria convenção, em que o quórum qualificado é formado com pelo menos 2/3 dos condôminos.
Vale, contudo, ressaltar que nos casos em que existe a necessidade de averbação no Registro de Imóveis, continuará a determinação de se comprovar a titularidade do condômino votante para a efetivação do registro.
Ainda que a votação eletrônica garantisse mais agilidade nas decisões em um condomínio, a sua permissão influenciaria diretamente no espírito que move o “mundo condominial”: a convivência, justamente. Ela é a grande essência, o principal objetivo da vida comunitária.
É disso que constitui-se um condomínio. Trata-se de pequenas comunidades que dividem espaços comuns, buscam o convívio nas áreas de lazer e a utilização dos mais diferentes equipamentos.
Nos mais diferentes portes das edificações, cada proprietário tem o seu quinhão de patrimônio. Saliente-se que a valorização ou desvalorização desse bem está diretamente ligada à gestão que se implementa no condomínio.
Além de impactar na convivência esperada numa vida comunitária, a permissão do voto à distância, através de coleta eletrônica, seja por internet ou por aplicativo também pode trazer impactos negativos na gestão.
Isso porque uma pequena parcela dos condôminos continuará a participar das discussões de tomada de decisões presencialmente. Uma parte maior de condôminos aproveitará a validade da votação eletrônica para se ausentar dos debates e apenas votará, sem ouvir as diferentes argumentações, ponderar e decidir com base no máximo possível de informações.
É preciso diferenciar quantidade de qualidade. Se por um lado, a votação eletrônica, nas chamadas assembleias virtuais, atenderia tecnicamente a quantidade de votos para as diferentes deliberações, por outro, a tomada de decisões “frias”, sem avaliação, traz consigo o risco da falta da melhor escolha e as consequências que a mesma trará para o rumo de uma administração.
Obviamente, não podemos ignorar a força das redes sociais que mobilizam moradores e os trazem à maior participação no dia a dia da governança do condomínio. Entretanto, devemos fazer desses canais um instrumento de ação para comparecimento nas reuniões, mobilizando um número cada vez maior de pessoas.
O tema merece reflexão. Será mesmo necessário implementar esse modelo de votação, que pode afastar ainda mais o morador de contribuir e participar na tomada de decisões que muitas vezes alteram a sua rotina e interferem diretamente no valor de seu patrimônio? Como alternativa à ausência já existe a possibilidade de, por procuração, permitir que um vizinho o represente.
A convivência entre moradores deve ser sempre promovida. Convivência significa “viver com” próximos, compartilhando agruras e alegrias. Se procuramos a conciliação entre condôminos nas questões diárias, estimulando o diálogo e o entendimento, a permissão da votação eletrônica não provoca o efeito contrário, qual seja o distanciamento?
Enquanto a dúvida que se coloca é atender as exigências legais, alcançando o desejado “quórum”, ou estimular a convivência entre as pessoas que compartilham um espaço, uma citação de Krishnamurti, pensador indiano contemporâneo, merece ser destacada:
“O homem vive procurando novas formas de governo, novas leis sociais, supondo que a reforma das fórmulas externas lhe resolverá os problemas, esquecendo-se, todavia, de que ele é que deverá reformar-se, sendo mais humano, mais compreensivo e mais leal. Quando ele se reformar, não precisará das leis ou de suas reformas.”
Fonte: (*) Gabriel Karpat é diretor da GK Administração de Bens e coordenador do curso de síndicos profissionais da Gabor RH.