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Autismo em condomínios: informação, empatia e inclusão

A experiência de conviver com autismo em condomínios tem suas particularidades. Mas com conhecimento, tolerância e acolhimento, tem tudo para ser leve

Por Thais Matuzaki

24/03/23 12:30 - Atualizado há 1 ano


70 milhões de pessoas no mundo têm autismo, e no Brasil, são 2 milhõesparticularidades e polêmicas.

As histórias felizes, de paciência e acolhimento existem, porém, são chocantes os casos de discriminação e intolerância contra pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) - como também é chamado o autismo. 

Em um condomínio com morador autista, por exemplo, alguns episódios problemáticos podem ocorrer:

Dia 2 de abril é celebrado o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, por isso preparamos esta matéria trazendo situações reais de autismo em condomínio.

O intuito é conscientizar vizinhos, síndicos e funcionários sobre o TEA para que a boa convivência prevaleça no condomínio e, principalmente, sejam garantidos os direitos da pessoa autista. Venha com a gente!

O que é autismo?

Ao explicar o autismo, Sheila Marcondes, cofundadora e vice-presidente da ABRAAC (Associação Brasileira de Autismo Conexão), procura fugir dos conceitos clínicos, preferindo adotar uma linguagem mais prática com um público que, geralmente, é pouco familiarizado com o assunto.

é uma condição neurológica que faz o cérebro funcionar de uma forma diferente", ela sintetiza. 

O distúrbio acomete cerca de 1% a 2% da população mundial, com maior incidência no sexo masculino, sendo a genética apontada como principal causa, aliada a aspectos ambientais. 

Segundo Sheila, esse número vem aumentando com o passar dos anos, não somente por questões genéticas, mas, sobretudo, em função do aprimoramento do diagnóstico.

"Antigamente escutávamos comentários preconceituosos como 'tal pessoa é esquisita, estranha'. Hoje, apesar de incipiente, há mais informação disponível sobre o autismo, e os pais estão atentos aos sinais logo nos primeiros anos de vida da criança", argumenta.

Por fim, é importante ressaltar que o autismo não tem cura e uma pessoa com TEA é considerada pessoa com deficiência (PcD) perante a Lei. 

compartilhar informações sobre o autismo é o principal caminho para a boa convivência, pois é o desconhecimento que torna as pessoas intolerantes e faz com que elas provoquem situações negativas como as citadas no início desta matéria. 

"Como muitos autistas não aparentam deficiência, as pessoas não entendem, não sabem o que é. Não é por maldade, mas sim ignorância", pondera.

Para conhecer e visualizar um pouco mais sobre como o universo autista funciona, destacamos, a seguir, alguns pontos extremamente relevantes no quesito comportamental.

Áreas em que uma pessoa autista tem dificuldades

Vale lembra também que dificilmente o autismo vem sozinho. Outras condições podem acompanhar o TEA, como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), depressão, epilepsia, etc. 

O que pode incomodar um autista

O que geralmente agrada um autista

Alguns padrões de comportamento autísticos

Autismo em condomínio: da intolerância ao acolhimento

O Gabriel, filho de 11 anos da Sheila, não gosta de ficar com roupa molhada. Um dia, quando ele estava na piscina do prédio de uma amiga, tirou a sunga e uma mulher acompanhada pela filha esbravejou.

Ao pedir desculpas e explicar sobre o diagnóstico autista do filho, Sheila teve que ouvir "não me importa, não é porque ele tem essa condição que seremos obrigadas a passar por isso."

No elevador, Gabriel passou por uma época em que queria tocar nas pessoas, na barriga, no seio, e às vezes dava tapas. E ainda hoje, se alguém o cumprimenta com um "bom dia", ele não olha e nem responde.

"Vão julgá-lo como mal educado, mas as pessoas têm que entender que se eu ficar pressionando, vou irritá-lo e provocar uma crise", pontua a mãe.

Já Thayná Rodrigues compartilha um momento reconfortante, quando seu filho Rafael, de 6 anos, costumava sair correndo pela escada do condomínio e ia parar lá no térreo. 

"Se ele escapa de mim, sei que sempre terá alguém, porteiro ou vizinho, para brecá-la e impedir que ele saia do prédio", conta, feliz. "Sinto que a comunidade cuida dele, estão mais conscientes".

Os direitos das pessoas autistas: PcD e não discriminação

A Lei federal nº 12.764/12, também conhecida como Lei Berenice, institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

Abaixo em destaque, os artigos 3º e 4º que abordam as garantias da pessoa autista, bem como a questão dos maus-tratos e da discriminação:

Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:

I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;

II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;

III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde

não será submetida a tratamento desumano ou degradantediscriminação por motivo da deficiência.

Como já comentado, o art. 1º dessa legislação, em seu § 2º, expõe que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.

vaga especial na garagem do condomínio. 

Além disso, é com base na LBI, em seu art. 88, que são definidas as penalizações a quem praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência, no caso, autistas: além de multa, reclusão de um a três anos, podendo ser majoradas a, no máximo, cinco anos.

Dessa maneira, além de proferir ofensas verbais, o síndico, vizinho ou funcionário que, por exemplo, proíbe uma criança autista de utilizar áreas comuns e de lazer do condomínio, está cometendo crime. 

ingressar diretamente com uma ação judicial ou acionar estes canais para fazer a denúncia:

Barulho: O maior conflito de convivência entre autistas e vizinhos

A maior parte das reclamações contra autistas em condomínio está relacionado ao excesso de barulho, principalmente em horários sensíveis, como à noite e de madrugada.

Thayná já passou por isso. Quando o Rafa era menor, as crises eram mais intensas, não sabia se comunicar verbalmente, e a forma com que ele conseguia se expressar era chorando, rindo ou jogando alguma coisa no chão. 

Certa vez, o morador do andar de baixo disse para o síndico que "parecia ter um boi mugindo dentro do apartamento" de Thayná. Nem o gestor e nenhum dos vizinhos sabiam do diagnóstico autista, por isso, ela pediu autorização para emitir um comunicado a todos os moradores explicando a situação, solicitando paciência e compreensão. 

Deu certo. Nunca mais recebeu reclamações e a reação sensível e atenciosa de um dos vizinhos surpreendeu Thayná.  "O Renato, que mora ao meu lado e eu não conhecia até então, é professor especialista em TEA. Além da resposta carinhosa, me deu um livro sobre autismo", ela relembra.

Na visão de Edson Caires, síndico do condomínio de Thayná, após conversar superficialmente com ela e tomar conhecimento da condição de Rafael, ele tratou de relatar à vizinha reclamante quem era a criança e porquê naquela unidade havia “barulhos” fora de hora.

Autismo em condomínio: dos julgamentos à empatia

Cristiane Bastos, mãe da Sophia de quatro anos, também sabe muito bem o que é receber reclamações de barulho do vizinho. Mas para ela, pior do que receber uma queixa, foi ter sido julgada de agredir a filha. 

Na ocasião, Sophia ainda não havia sido diagnosticada com autismo, portanto, sem tratamento direcionado, ela passava por um período de muitas crises, choros e gritos de "para mãe, não encosta em mim", todos os dias, durante um mês inteiro.

"Tentava acalmá-la, mas era complicado. Ouvindo tudo isso, se eu estivesse no lugar do meu vizinho, também ia ficar preocupada", ela defende, mas acredita que faria diferente.

Talvez vir falar comigo antes ou mesmo sondar a questão com a síndica". 

No dia seguinte, Cristiane quis esclarecer o incidente decidindo conversar amigavelmente com a vizinha, que reagiu com constrangimento e pedidos de desculpas. 

Se está difícil para mim, deve estar muito pior para você”.

Lei do silêncio x Direitos do autista

lei de proteção ao autista se sobrepõe à questão do silêncio.

Isso porque alguns comportamentos são característicos da condição do autista, já vistos anteriormente, como falar mais alto, jogar as coisas no chão, etc, e assim o fazem não intencionalmente e não geram ato nocivo capaz de ser penalizado pelo condomínio, com notificações ou multas. 

"No Direito, nós aprendemos o seguinte: Devemos tratar os iguais na medida de sua igualdade, e os desiguais na medida de sua desigualdade", diz a advogada, em referência à expressão de Aristóteles. 

coletivo tem que se adequar, criando condições de lidar com as situações sem incorrer em ato discriminatório. É preciso mais tolerância, humanidade e flexibilidade. 

"Como o TEA não tem cura, é um ciclo sem fim. Terão fases mais difíceis, que depois passam, mas crises sempre vão existir. Nós, e quem estiver ao redor, precisam se adaptar", sinaliza Sheila.

Assim sendo, ainda que o Código Civil expresse o dever de cada condômino em utilizar as partes do condomínio sem prejuízo ao sossego, segurança, e salubridade dos demais possuidores, o autismo é exceção

Isso quer dizer que a pessoa autista pode fazer o que quiser?

Não necessariamente. É importante que o responsável pela pessoa autista demonstre que está se esforçando para resolver ou minimizar os problemas.

O filho de Thayná, por exemplo, além das medicações, cumpre uma agenda de terapias, tais como ABA (terapia comportamental), música, ozonioterapia e TO (terapia ocupacional). 

Esses tratamentos melhoram a funcionalidade social e as habilidades de comunicação, além de reduzirem comportamentos negativos e não-funcionais, afirma Roberto Piernikarz, diretor da administradora BBZ, que já atendeu um criança especial em um dos prédios de sua carteira.

"As terapias contribuem significativamente para a qualidade de vida das pessoas com TEA, familiares, cuidadores e de quem mais conviva com elas, como em um condomínio", ressalta.

Medidas práticas para amenizar o barulho da unidade com morador autista 

revestimento acústico no apartamento inteiro utilizando aqueles tatames de luta emborrachados, para impedir que os pulos de alegria do filho não incomodassem a vizinhança, e surtiu efeito: sem mais reclamações.

"Eu sei que meu filho tem direitos, mas os outros também têm. Tenho que fazer o máximo possível para criar um ambiente que não atrapalhe tanto meu vizinho”, comenta.

O poder da comunicação quando se trata de autismo em condomínios

à medida que os vizinhos tiveram conhecimento do transtorno autista de seus filhos, a postura deles mudou, demonstrando mais condescendência e até oferecendo algum suporte.

"Mesmo que a pessoa não entenda a forma de lidar corretamente, só o fato dela estar disposta a ajudar de alguma forma já é muito legal. Mostra que não estou sozinha. E, na verdade, todo mundo tem algum um B.O. em casa, desentendimentos, filhos adolescentes....não somos os únicos", afirma Cristiane. 

deixe ciente sobre a condição, pelo menos, os moradores mais próximos e a gestão.

se tem conhecimento, o cuidado com certeza se torna maior", salienta a advogada Vanessa Ponciano.

vai facilitar e muito a vida deles".

Cristiane acrescenta: "Eu gosto, traz um conforto que preciso dentro da minha casa. Sei que quanto mais pessoas ao redor souberem, mais compreendidas vamos ser".

Instalar na porta do apartamento placas com o texto "Aqui mora um autista", contribuem bastante para isso, por mais que apenas pessoas do mesmo andar possam ter conhecimento. 

Conselho Tutelar visitá-las", expõe Sheila.

Autismo em condomínios: O que o síndico pode fazer para manter a boa convivência

1. Não aplicar notificações e multas

Além do risco de processo por discriminação, soam agressivas e pouco amigáveis, o que pode acentuar o estresse e a pressão sob os tutores. 

2. Propor diálogo, mediação e conciliação entre as partes

O SíndicoNet tem um conteúdo completo sobre mediação e arbitragem em condomínios que você pode ler neste link.

3. Divulgar comunicados informativos sobre autismo

Crie campanhas para conscientização e sensibilização, mas sem citar nomes e desde que haja consentimento dos responsáveis.

Vale tratar o assunto em assembleia também, porém, sempre de maneira genérica e tomando cuidado com o tom da mensagem, para não carregá-la de pena. 

Exemplo de abordagem:

“Aqui em nosso condomínio moram pessoas autistas, que têm um jeito diferente de ser. São extremamente inteligentes, alegres, capazes e cheias de energia, possuem alguns comportamentos que podem ser considerados inadequados e podem passar por algumas crises.

Mas não precise se assustar! Caso você se depare com qualquer situação que julgue ser inapropriada, pedimos um pouco de tolerância e qualquer dúvida pode procurar a síndica,"

Vale compor, quem sabe, uma tabela com uma relação do que agrada e incomoda um autista, assim como alguns dos padrões comportamentais. 

4. Exceções

Até podem ser criadas exceções para pessoas autistas, mas é importante ter a comprovação médica do TEA, para não gerar insatisfação dos demais moradores.

5. Treinar os funcionários, sobretudo os porteiros

Como eles podem ser os primeiros a serem acionados em caso de reclamação, é válido que os porteiros tenham conhecimento sobre o comportamento autista, saber socorrer, agir com discrição, bem como explicar delicadamente a situação ao responder a queixa do vizinho.

Aqui, sim, é extremamente relevante compartilhar com a portaria quem é o morador autista, sua unidade e os responsáveis. 

Agora que você já sabe como lidar com situações relacionadas ao autismo em condomínios, que tal compartilhar sua opinião e histórias sobre o assunto com a nossa comunidade Conviver? Esse espaço traz informações e interações valiosas, bem como serviços que melhoram a experiência de morar. Junte-se!

Fontes consultadas: Sheila Marcondes (cofundadora e vice-presidente da ABRAAC - Associação Brasileira de Autismo Conexão); Thayná Rodrigues (moradora de condomínio); Vanessa Ponciano (advogada do escritório Stankievicz, Ponciano & Rachkorsky); Cristiane Bastos (moradora de condomínio); Edson Caires (síndico do condomínio de Thayná) e Roberto Piernikarz (diretor da administradora BBZ).