10/08/23 01:09 - Atualizado há 1 ano
Quando pesquisamos no Google "convivência em condomínio", a primeira página da busca mostra dois tipos de resultados: regras e brigas. Isso representa a visão que, de fato, a maioria das pessoas tem quando falamos desse assunto.
Parece que uma coisa acarreta outra, afinal, se mesmo com tantas normas, inclusive leis, ainda assim existem muitos conflitos. Então, o que está faltando para sabermos conviver e desfrutarmos de uma vida saudável em comunidade?
Aproveitando que neste mês comemora-se o Dia do Vizinho (20/08), esta matéria do SíndicoNet pretende trazer um outro ponto de vista sobre a vida em condomínio, mais inspirador e positivo, com cases de vizinhança que demonstram os inúmeros benefícios de viver bem em coletividade, que transcende as paredes dos apartamentos.
Embora muitos moradores de condomínio não percebam, uma convivência saudável com nossos vizinhos impacta diretamente na qualidade de vida de cada indivíduo. Quer ver como? Acompanhe a seguir!
Todos os dias nos deparamos com notícias sobre a difícil convivência em condomínio, com relatos de brigas motivadas por diversas situações: barulho, animais de estimação, mal uso das áreas comuns, vaga de garagem, vazamentos, etc. Alguns desses conflitos acabam terminando em tragédia.
O advogado, professor e mediador de conflitos Alessander Mendes conta que em um dos condomínios que prestou serviço de mediação, um vizinho foi morto por outro em frente à porta do apartamento, com um disparo de arma de fogo. A motivação? Som alto.
Mas esse tipo de atitude extrema e violenta, não é exclusiva da vida condominial, e sim, um mal que acomete toda a sociedade. No final das contas, a impressão que se tem é que ninguém mais sabe viver em coletividade.
Em uma conversa com o SíndicoNet, Filipe Cassapo, diretor do Lellolab, explicou um pouco porque esse comportamento intolerante e individualista das pessoas se agravou de uns tempos para cá.
De acordo com ele, as cidades cresceram muito a ponto de impactar na modificação da configuração dos espaços - agora estão mais verticalizadas com a construção cada vez mais acelerada de edifícios.
Assim, a esfera local de convivência foi se perdendo e enfraquecendo as redes da vizinhança, tão típica 50 anos atrás e que ainda vemos, em menor escala, em cidades do interior.
"Prédios reproduzem o paradigma da segregação, com tantos muros, grades, guaritas, cancelas, etc.", assim Cassapo sintetiza a ideia de que, dentro de seus apartamentos, as pessoas entraram em uma bolha.
Alessander concorda, complementando que os conflitos em condomínios tomam dimensões muito maiores quando comparados ao meio social, tais como vizinhos de casas.
"Estas são isoladas, muros 'medievais' as separam e dão a entender que cada 'território medieval' tem um dono podendo fazer o que quiser ali. Mas no condomínio, estamos todos dentro de um mesmo muro".
Dessa maneira, fica muito difícil impor regras, pois todos se sentem donos do condomínio. Ainda segundo Alessander, outro ponto que dificulta a convivência em condomínio é a forma com que as pessoas foram educadas, no sentido de que a nossa casa é um local inviolável - nela ninguém penetra.
"Isso cria um sentimento de que a casa é um abrigo que segue os meus princípios. Ao andar por uma rua que estiver tocando uma música que eu não gosto, simplesmente saio dali. Agora, se o meu vizinho faz isso, reajo de outra maneira", explica Alessander.
Além disso, as pessoas dentro dos condomínios se expressam e agem como realmente são, afinal, ali é a morada delas. Diferente de um ambiente de trabalho, do qual você não é dono e precisa lidar com algumas restrições morais, de direito, etc., sem contar os sentimentos peculiares, como o medo de perder o emprego.
Dentro de casa, ninguém quer se limitar a nada, no entanto, quem decide morar em condomínio precisa lembrar que isso implica em restrições e, principalmente, em decisões coletivas. É possível conciliar bem as duas coisas.
Durante a pandemia, por exemplo, em meio a tantas restrições impostas pelo vírus, foi evidente como o pensamento coletivo, solidário e tolerante tomou conta das pessoas. Nesse momento, o mundo inteiro estava no mesmo barco e a comoção pelas mortes uniu a todos.
Mas à medida que a COVID-19 foi definitivamente controlada, a convivência em condomínio se tornou ainda mais complexa e conturbada.
"No isolamento, o barulho do vizinho era tolerável, afinal, estávamos todos trabalhando, comendo, se exercitando, fazendo tudo dentro de casa. Mas hoje sinto que as pessoas, especificamente os moradores de condomínio, estão cada vez mais resistentes em saber viver em comunidade", opina Raphael Mattoso, síndico profissional e sócio na Informma Síndicos.
São inúmeros os benefícios da boa convivência em condomínio, que impactam diretamente na qualidade de vida de cada um e também no próprio empreendimento em si, tais como:
Como se vê, o convívio educado e respeitoso dentro do condomínio já é uma grande vantagem, mas quatro vizinhas de um condomínio localizado na zona norte de São Paulo revelam que estreitar o laço é ainda mais potente.
Marli Regina, Zenilda, Creusa e Karen se conheceram na inauguração do prédio em 2012, e logo começaram a participar das atividades do grupo de ginástica. Após a pandemia, enquanto muita gente voltava ao pé de guerra pelos condomínios afora, elas seguiram o caminho contrário, construindo uma amizade ainda mais fortalecida.
"Naquele período, levávamos o lixo uma das outras lá para baixo, deixava a chave do meu apartamento com a Creusa para ela dar comida para o meu gato e ia à farmácia comprar medicamentos quando a Karen foi infectada. Essa rede de apoio nos deixou ainda mais unidas", conta Zenilda.
Hoje em dia, os encontros se estenderam para além do "bom dia", "boa tarde" e "boa noite" no elevador, com caminhadas pelo condomínio e idas a restaurantes, cinema, exposições, sempre regadas a muito bom humor e parceria.
Mesmo após as atividades de ginástica do prédio serem descontinuadas e a mudança temporária de uma delas para outro país, a amizade das quatro vizinhas permanecia firme e forte.
No grupo de WhatsApp "Meninas Villa Verdi" que elas mantêm, por exemplo, trocam mensagens quase todos os dias, seja para jogar papo furado, desabafar, marcar novos passeios ou mesmo para comer um bolinho ou fondue no apartamento de alguma delas.
"É um apoio social, sentimos mais a necessidade de estarmos juntas, visitar a outra, conversar. Como todo grupo, temos pontos de discordância, mas existe muito respeito em relação ao pensamento de cada uma. Isso ajuda muito, temos essa força", afirma Marli.
Para elas, poder contar com uma pessoa de confiança, que tenha intimidade e mora no mesmo espaço que você, realmente faz a diferença no dia a dia.
Quando questionadas como seria viver no condomínio sem a amizade entre elas, a resposta foi unânime: "Seria chato, estranho". Elas se tornaram amigas da vida e a convivência em condomínio foi a mola propulsora disso.
Marli, Zenilda, Creusa e Karen acreditam que o laço criado entre elas deu muito certo por questões de afinidade, atual fase da vida e também uma configuração familiar mais livre.
Há quem considere sorte, mas encontrar pontos em comum entre as pessoas não é tão difícil assim, além disso, é um trunfo poderoso em condomínios.
No prédio das "Meninas Villa Verdi", que conta com três torres, 270 unidades e cerca de 750 moradores, apesar do porte, a convivência no geral sempre foi pacífica, e até existem outros grupos reunidos por afinidade, como o dos casais e dos casais com filhos pequenos.
Na opinião do advogado e síndico profissional Maicon Guedes, o síndico deve apostar na identificação dessas tribos para permitir que as pessoas se conheçam e desenvolvam um lado mais empático.
"Reúna aqueles que têm animais de estimação, mães de crianças pequenas, a dos solteiros que gostam de festa, enfim, sempre temos algo em comum com alguém", sugere.
Cassapo partilha do mesmo entendimento. Segundo ele: "Por trás de tantas diferenças, as pessoas podem ter habilidades, necessidades e sonhos em comum. Precisamos redescobrir nossa vizinhança, pois essa é uma forma de reatar laços fraternos de comunidade e apoio mútuo - valores que foram deixados pelo caminho".
Alessander sugere que o condomínio crie um organograma familiar, no qual os moradores preenchem um documento com informações básicas, como nome, profissão, idade, estado civil, filhos e até pets.
Isso faz com que o gestor entenda quem mora em cada apartamento. São dados valiosos, inclusive, para apaziguar desentendimentos em que os moradores estão com atritos.
Diante do conflito do apartamento x com o y, o síndico pode consultar esse documento e antes de abordar o problema em si, ele adota uma abordagem mais sentimental, como 'Dona Fátima, como está o seu cachorro Plutus?'.
*Aqui cabe uma ressalva em relação à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD): como alguns desses dados são adicionais (profissão, idade, estado civil, por exemplo), fica a critério do morador fornecer ou não essas informações. Se decidir compartilhar, importante que esteja expresso o consentimento ao condomínio para uso.
De acordo com Alessander, essa técnica é utilizada na mediação para desarmar os envolvidos, e está embasada na Neurociência.
"Quando uma pessoa está nervosa, fazer uma pergunta a um ente que ela gosta, tira-se 30% de sua raiva, pois você dispara um sentimento de prazer, alegria e amor. Toda vez que faço isso, sinto a mudança de postura", garante.
De maneira geral, moradores de condomínio encaram a assembleia como um momento de luta e confronto de egos. Para Alessander, é a ocasião em que a comunidade está reunida e os microconflitos, que até então se camuflavam nos andares, se afloram, transformando-se em grandes conflitos.
Por isso é preciso se preparar para a assembleia, modificando esse parâmetro de batalha que muitas reuniões, realmente, acabam se tornando.
A primeira ação para isso é definir previamente as pautas que serão tratadas na assembleia, em reuniões informais com os moradores. Maicon e Raphael adotam isso em vários condomínios administrados por eles, e tem dado muito certo.
"Nos reunimos com os moradores em um final de semana, servindo queijos e vinhos, perguntando a eles o que estão precisando, quais são suas necessidades. Num clima prazeroso e amistoso, em que todos estão de guarda baixa, fazemos um levantamento disso e definimos a pauta com aquilo que os moradores têm interesse", descreve Maicon Guedes.
Assim, completa ele, evita-se uma assembleia cansativa, com mais de dez assuntos, vários itens para a aprovação, muitos dos quais podem ser insignificantes e surpreender negativamente os condôminos.
Sendo assim, as assembleias se prestam mais para chancelar aquilo que foi discutido previamente, com comida e bebida à mesa e interação entre os vizinhos.
No dia da assembleia, Maicon Guedes e Raphael Mattoso contam que as pessoas ficam muito mais atentas aos assuntos e extremamente à vontade, até porque, enquanto a reunião transcorre, é servido um churrasco. E assim criaram o "churrasbleia".
"A ideia surgiu quando estávamos decidindo a data da assembleia. Alguém propôs em uma sexta-feira e outro morador contestou 'ah, mas aí é dia de estar fazendo um churrasco em casa, né?'. Daí pensamos, por que não?", lembra Raphael Mattoso.
Durante a assembleia, um churrasqueiro oficial é eleito, enquanto os vizinhos se misturam nas mesas. "Não deixamos panelinhas, para que quem não se conhece ainda possa, pela primeira vez, ter a oportunidade de conversar com uma pessoa que só via no elevador", se anima Maicon Guedes. Cria-se, assim, uma oportunidade de convivência em condomínio.
O mediador Alessander também é entusiasta em transformar a assembleia num evento festivo, com comes e bebes à vontade, e um adicional: celebrando aos aniversariantes do mês. Se não havia nenhum, realocavam uma pessoa do mês seguinte. O importante era comemorar o aniversário de alguém para instaurar um clima de alegria.
"A pessoa pode até estar zangada, mas se ela viu que o condomínio está comemorando o aniversário dela, terá como retribuição a gratidão. Então, quem estava na defensiva, pode se desarmar com um simples cantar de parabéns. Ninguém faz isso para agredir o outro, é para socializar e compartilhar alegria", enfatiza Alessander.
Além disso, é fundamental que esses encontros ofereçam alimentação, pois, nesse momento, cria-se um sentimento natural de compartilhamento.
"É a hora em que você está se servindo, aguardando outro se servir, sentados juntos na mesa. Historicamente, a alimentação que começa nas famílias e comunidades é uma das melhores técnicas para que as pessoas se sintam bem onde elas estão", sinaliza Alessander.
Como vimos até aqui, o distanciamento dos moradores faz tudo ficar muito formal e gera antipatia. Assim, o segredo para um bom convívio em condomínios é fazer com que as pessoas desçam dos apartamentos para se conhecerem.
Na opinião de Maicon Guedes, a construção dessa coletividade, com base em eventos e encontros informais, desconstroem barreiras.
"Se eu não conheço a Maria, e ela produz um barulho, reclamo para o síndico. Mas se eu a conheço lá da churrasbleia, sou muito mais tolerante e tenho uma liberdade diferente ao enviar uma mensagem de aviso diretamente no WhatsApp dela", exemplifica.
E utilizar as áreas comuns do condomínio para promover esses encontros e eventos, faz a diferença. Maicon e Raphael Mattoso destacam que até as lojas de conveniência cumprem um papel importante na convivência em condomínio entre os vizinhos, que vai além da comodidade e praticidades das compras.
"Nosso entendimento é de que esses encontros, em que os vizinhos usufruem do condomínio, promovem as relações humanas entre eles. Com os minimercados, as pessoas começaram a descer para fazer compras e passaram a se encontrar", comemoram os sócios da Informma Síndicos.
Já os eventos maiores, como Páscoa, Festa Junina e Halloween, são capazes de criar uma aproximação ainda maior entre os vizinhos. Segundo Maicon Guedes, os que mais chamam a atenção das pessoas são os que envolvem crianças, portanto, invista na Tarde da Mágica ou em gincanas, por exemplo.
Para o síndico garantir o sucesso dessas festas, permita que os moradores participem do processo de organização, pois simplesmente "ordenar" pode soar um pouco impositivo e certamente terá baixa adesão.
"Há 6 anos, quando começamos a planejar o Halloween nos condomínios, fizemos assim e o resultado foi pequeno. Mas a partir do momento em que nos colocamos apenas como agentes promotores da ideia e começamos a buscar as mães líderes, a adesão aumentou bastante", recorda Maicon Guedes.
Agora que você já sabe que é possível ter uma convivência em condomínio respeitosa e até criar laços de amizade com seus vizinhos, confira os conteúdos do SíndicoNet sobre outras formas de fazer a gestão de conflitos, utilizando-se de técnicas como comunicação não-violenta e mediação, além de conhecer alternativas jurídicas para solucionar casos mais graves.
Fontes consultadas: Filipe Cassapo (diretor do Lellolab); Alessander Mendes (advogado, professor e mediador de conflitos); Marli Regina, Zenilda Miranda, Creusa Leme e Karen Miguita (moradoras e amigas de condomínio em São Paulo); Maicon Guedes (advogado e síndico profissional) e Raphael Mattoso (síndico profissional e sócio na Informma Síndicos).