27/03/19 03:39 - Atualizado há 5 anos
Por Jaques Bushatsky*
Dentre os deveres do condômino, elencados no artigo 1.336, do Código Civil, existe um intrigante: o de “não as utilizar [as suas partes no condomínio] de maneira prejudicial aos bons costumes”.
É razoavelmente fácil caracterizar a utilização como sendo “prejudicial ao sossego, salubridade e segurança”. Mas, como definir o que seja – ou não – atentatório aos bons costumes, quando se tratar de ação de condômino que não se insira (pois não imaginaríamos haver redundância no texto legal) entre as afrontas ao sossego, à salubridade e à segurança?
É preciso, então, entender a expressão “bons costumes”. Buscando no Dicionário Antônio Houaiss, costume é hábito, prática frequente, regular. Pode ser definido como o que corresponde plenamente ao que é exigido, desejado ou esperado, o que é moralmente correto, de acordo com quem julga; o que for adequado às circunstâncias, ideal e apropriado.
Então, mesmo sem afrontar a tranquilidade, a saúde, a segurança dos demais condôminos, o condômino deve agir regularmente de modo correto (de acordo com quem julga) ou adequadamente. E agir adequadamente sempre.
Vale lembrar do Padre Antonio Vieira, para quem “a pior coisa que têm os maus costumes é serem costumes, ainda é pior que serem maus”. Como se vê, nessa lógica do agir costumeiramente mal, desenha-se a possibilidade da punição do comportamento inadequado do condômino.
Mas, o que seria “bom”? Parafraseando recente proclamação de excelentíssima ministra, indagamos: menino vestir rosa e menina vestir azul seria ruim? E se a indumentária fosse repetida ao longo de meses, estaríamos diante de um “mau costume”? E mais: quem julgaria?
O corpo diretivo do condomínio tem atribuições um tanto circunscritas – naturalmente, dado o objetivo de sua atuação. Via de regra, as exceções provarão que ele não terá legitimidade e autoridade para a classificação dos atos como “bons” ou “maus” costumes.
É nesse momento que se passa a exigir, no singelo ambiente condominial, a exata compreensão do contexto (determinado prédio, com comunidades que agem de determinadas maneiras; os limites legais; o senso comum). E a solução prática decorrerá do exercício diário da conversa, para que antes de se cogitar acerca de acusações, se alcance o entendimento, a compreensão, a aceitação e a convivência com a diversidade. Todos crescerão, é certo.
Afinal, ser condômino (ou síndico) não significa ser um “julgador”, um “regrador”, um “disciplinador”. Significa, tão somente, partilhar um espaço com pessoas que têm algo em comum (a escolha daquele espaço) e podem ter, hão de ter, preferências diferentes (escola, clube, marcas, vestir azul ou rosa).
(*)Jaques Bushatsky é advogado, sócio da Advocacia Bushatsky. Integrante do Conselho Jurídico da Presidência do Secovi-SP. É especialista nas áreas de condomínios, locação, compra e venda de imóveis.