Síndico profissional

CNAE do síndico profissional: impasse na Receita Federal

O CNAE usado por síndicos profissionais pode estar por trás das dificuldades para atualizar o cadastro na Receita Federal e renovar certificado digital do condomínio, gerando burocracia, gastos e até notificação do Creci

Por Thais Matuzaki

17/12/21 03:24 - Atualizado há 1 ano


Recentemente, o SíndicoNet tomou conhecimento de uma situação que pode estar afetando muitos síndicos profissionais por aí: ao assumir um condomínio e atualizar o cadastro junto à Receita Federal para emissão do certificado digital, o órgão indeferiu o pedido de uma síndica do Rio de Janeiro, indicando que a representante não tinha poderes para exercer o cargo. 

Impasse com a Receita pode estar relacionado ao CNAE do síndico profissional

O caso em questão foi vivido pela síndica profissional Karine Prisco, que conta ter perdurado seis meses e envolvido três empresas de contabilidade para resolver o entrave. 

"Dei entrada na documentação logo após tomar posse do condomínio, em abril de 2021, e consegui regularizar somente no final de outubro daquele ano. Na primeira tentativa, estranhei a demora na devolutiva e imaginava que era por conta da pandemia, mas estava enganada", relembra. 

A gestora afirma que, a princípio, a Receita Federal não apontava nenhuma justificativa para o indeferimento, mas que tinha sido alertada pela administradora do condomínio de que o problema poderia estar relacionado ao seu CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas).

Segundo informações da empresa, outros síndicos atendidos por eles também passaram pela mesma situação, e quando alteraram o código, a atualização foi rapidamente processada. 

Ao acionar uma segunda empresa de contabilidade, a nova negativa da Receita Federal desta vez confirmava a suspeita inicial, especificando que Karine estaria inapta para assumir o cargo, pois não exercia atividades de gestão e administração da propriedade imobiliária.

Segundo a Concla (Comissão Nacional de Classificação), órgão do IBGE coordenado pela Secretaria da Receita Federal e responsável por classificar as atividades econômicas de uma empresa, tal ocupação refere-se ao CNAE 6822-6/00, cuja entidade responsável é o CRECI (Conselho Regional de Corretores de Imóveis). 

O que muita gente ainda não sabe é que este código específico também passou a englobar a atividade de síndico profissional.

"A informação sobre a utilização desse CNAE me pegou de surpresa. Não sei precisar quando ela foi oficializada, mas até a metade de 2020, a sindicatura não era citada em nenhum lugar", afirma Gilcimar Conceição, Contador e Professor e membro da Comissão de Contabilidade Condominial do CRC RJ."

Quando questionado se a Receita Federal teria o poder de indicar um CNAE específico para o síndico profissional, Gilcimar frisa que a classificação, de competência do IBGE, serve como base para a RF realizar o enquadramento tributável correto, por isso, não há como dissociar uma coisa da outra.

CNAE do síndico profissional e atuação dos conselhos profissionais

À época do impasse, a síndica profissional Karine Prisco utilizava o CNAE 82.11-3-00 (serviços combinados de escritório e apoio administrativo), por sua vez vinculado ao CRA (Conselho Regional de Administração), e conta ter se recusado a alterar seu código por alguns receios.

"Não achava justo ter que fazer essa mudança. Como sou associada a outro conselho (CRA), já pago anuidade. Além disso, se eu atendesse à exigência da Receita Federal para atualização do meu cadastro, correria o risco de ser notificada pelo Creci, ser obrigada a me inscrever e fazer a atualização do meu contrato social. Entendo que minha atividade não tem semelhança alguma a de um corretor de imóveis", defende.

O advogado condominial André Junqueira tem o mesmo entendimento. Para ele, como a atividade de síndico profissional ainda não é regulamentada, a interpretação de um CNAE específico não pode ser rígida, porque não existe uma lei que determine um ou outro.

"Na minha interpretação, podem ser aceitos diversos CNAE's, como os ligados à administração, gestão imobiliária e contabilidade, porque a atividade do síndico é multidisciplinar, não precisa estar necessariamente ligada à de gestão imobiliária como indicou a Receita Federal nesse caso", argumenta o advogado.

Já para Gilcimar Conceição, a não regulamentação da profissão de síndico não tem relevância para classificação. "Na área condominial, temos vários serviços contratados sem profissão regulamentada, como pintura, alvenaria, limpeza, conservação, etc, e nem por isso deixam de ter códigos específicos".

André Junqueira critica ainda o fato de que, apesar dos CNAE's não terem definição específica de vinculação aos conselhos profissionais, é o que acaba acontecendo na prática. "Ao se registrar com um determinado código de atividade, um conselho profissional localiza seu contrato social e pode notificá-lo caso não possua o registro específico daquele grupo", pontua.

Aos seus clientes, o contador Gilcimar tem orientado os síndicos profissionais a alterarem o CNAE para o 6822-6/00, pois entende que a classificação do Concla/IBGE deve ser respeitada. Para ele, o síndico profissional que mantiver um código de atividade diferente deste, não está apto para exercer a função. 

Ele afirma ainda que o gestor pode ser sim notificado pelo Creci, mas basta realizar a defesa, explicando que a atividade se trata exclusivamente de serviços de sindicatura e nada tem a ver com atividade imobiliária.

"Infelizmente incluíram a atividade de síndico profissional ao código de gestão e administração da propriedade imobiliária. Mas o que percebi até o momento é que o Creci tem acatado a defesa dos gestores, sem exigir qualquer inscrição no conselho ou pagamento de anuidade", pondera Gilcimar.

Síndica profissional resolveu trocar de CNAE

Lá em 2021, Karine Prisco havia decidido, então, manter o CNAE 82.11-3-00. Após abrir uma petição dentro da Receita Federal, explicando e comprovando sua atividade como síndica profissional, seu pedido foi deferido pelo órgão, e assim, conseguiu reunir todos os documentos necessários para renovar o certificado digital do referido condomínio.

Acontece que todas as atualizações junto à Receita Federal que eram necessárias para assumir um novo condomínio passaram a ser igualmente trabalhosas e caras. De acordo com ela, o órgão sempre dava negativas que a obrigavam a entrar com um processo administrativo.

"O que antes custava R$ 400, virou R$ 800. Os moradores passaram a cobrar, e para evitar mais chateações, comecei a pagar essa diferença do meu bolso", lamenta.

Diante desse cenário, em 2022, por orientação do advogado André Junqueira, Karine Prisco optou por incorporar o CNAE 6822-6/00 como atividade secundária, mantendo seu CNAE principal 82.11-3-0.

Mesmo desembolsando em torno de R$ 2 mil para adotar os mesmos procedimentos de abertura de uma empresa, como mudar o contrato social e emitir novo alvará, ela afirma que a mudança foi positiva, mas segue atenta.

"Prefiro ter problemas com o Creci do que com a Receita Federal. Desde então, o processo foi normalizado, está simples e rápido como era antes, porém, sinto que a qualquer momento posso ser notificada pelo Creci", se preocupa Karine.

Infelizmente o receio dela se materializou com um de seus colegas, o síndico profissional Fernando Maia. Há alguns anos utilizando o CNAE 6822-6/00 sem nenhuma objeção do Creci-RJ, o gestor foi surpreendido com uma notificação da entidade.

O orgão alega que a empresa de Fernando, portando o respectivo CNAE, exercia, sim, a atividade de corretagem de imóveis e, por isso, deveria estar inscrita no Creci-RJ.

Atualmente, ele segue fazendo sua defesa, tendo que comprovar que presta serviços única e exclusivamente de sindicatura profissional, e aguardando o retorno do seu pedido.

Cordialmente, Fernando cedeu a contranotificação que apresentou ao Creci-RJ, a qual serviu como base para o modelo produzido pelo SíndicoNet e que poderá auxiliar você, síndico, que passa pelo mesmo entrave.

Riscos de não renovar o certificado digital do condomínio

O certificado digital é uma assinatura eletrônica obrigatória que serve para que o síndico, ou a administradora, possa utilizar o canal “Conectividade Social”, da Caixa Econômica Federal, e transmitir informações sobre FGTS, INSS, RAIS, RPAs (recibo de pagamento para autônomos), Imposto de Renda, entre outras obrigações.

Dessa forma, quando um novo síndico assume um condomínio, é preciso entregar uma série de documentos para proceder com a atualização do representante junto à Receita Federal (veja abaixo).

Caso a nova certificação digital não seja emitida e/ou atualizada, pode haver consequências como:

Passos para atualizar o cadastro do novo síndico na Receita Federal

  1. Verificar se a ata da eleição está completa, com dados do condomínio e com o nome do síndico grafado corretamente, como está no CPF – caso seja uma pessoa física a responsável pelo condomínio. Se for uma empresa, na ata deve constar seu nome completo, CNPJ e CPF do representante;
  2. Recomendável colocar na ata nome e CPF dos sócios para o caso de precisar trocar de certificado e responsável, o nome já está na ata;
  3. Preencher o formulário online da Receita Federal;
  4. Imprimir o formulário DBE da RF, com firma reconhecida do novo síndico;
  5. Entregar os documentos (ata e formulário) em um posto de coleta da Receita Federal;
  6. Checar o andamento do processo no site da RF;
  7. Quando o cadastro estiver atualizado, imprimir o cartão do CNPJ do condomínio.

Lista de documentos necessário para renovar o certificado digital do condomínio*

(*) Documentos originais e suas cópias simples

O que diz a Receita Federal

O SíndicoNet pediu esclarecimentos à Receita Federal, novamente em dezembro de 2022, por meio do e-mail repassado pela própria assessoria de imprensa do órgão (imprensa@rfb.gov.br), mas segue sem retorno. Caso ocorra alguma manifestação, esta matéria será devidamente atualizada. 

O que diz o Creci-RJ

O CRECI-RJ também foi procurado pela reportagem do SíndicoNet, e desde o dia 30 de novembro mantém contato com a assessoria de imprensa, mas até o fechamento da atualização desta matéria ainda não deu esclarecimentos. Assim que tivermos retorno do órgão, o conteúdo será atualizado. 

Fontes consultadas: Karine Prisco (síndica profissional); André Junqueira (advogado); Gilcimar Conceição (contador); AABIC e Fernando Maia (síndico profissional)