01/04/20 07:38 - Atualizado há 1 ano
Com exceção dos cientistas e roteiristas de filmes distópicos, quem imaginaria que um vírus causaria mudanças profundas em tantos aspectos da vida, dos negócios e até dos condomínios?
A recomendação é de se evitar qualquer tipo de aglomeração, já que o novo coronavírus - causador da doença covid-19 - é altamente contagioso e pode ser fatal para o grupo de risco.
Com isso, as assembleias presenciais em condomínios estão sendo massivamente canceladas e deixando muitos síndicos, condôminos e administradoras de cabelo em pé.
O novo coronavírus não poderia chegar em pior momento para os condomínios no Brasil. Os primeiros meses do ano são inundados pelas obrigatórias Assembleias Gerais Ordinárias, com pautas que passam pela aprovação de contas, novo rateio e também eleição de síndico e conselho.
Um recurso tecnológico que se apresenta como uma boa solução para o impasse é a Assembleia Digital.
Veja nessa matéria:
Este é um momento único e propício para os condomínios testarem o formato e, por que não?, inovarem em um dos atos mais tradicionais - e enfadonhos, diga-se de passagem - da administração condominial.
É claro, desde que não haja impedimento pelas regras internas do empreendimento, atenda a todos os atos que envolvem a assembleia e seja inclusiva, ou seja, acessível a todos os condôminos.
Assim como o ser humano e as empresas precisaram se adaptar rapidamente ao novo cenário, adotando novos hábitos de higiene pessoal, home office, isolamento social e mudanças no modelo de negócios, condomínios podem encarar essa crise como oportunidade.
"A alternativa de assembleias digitais é uma evolução natural do processo de decisão da vida em condomínio, independente deste fato inesperado que é a pandemia de coronavírus. Todas as coisas no mundo evoluem, e isso precisa e deve chegar na dinâmica dos condomínios. Quem não percebe e não faz isso acontecer, fica para trás", afirma Angelica Arbex, gerente de Marketing da administradora Lello.
Bruno Reimberg Menichetti, sócio fundador da startup ADC, que oferece um app para votos em assembleias, acredita que a maioria das pessoas sempre foi bem receptiva à ideia da assembleia a distância.
"As pessoas estavam confortáveis com o modelo de assembleia presencial e se acostumaram a ele. Acho que assembleia digital só vem a somar em todos os sentidos e, com toda certeza, é um caminho sem volta", afirma ele, que neste momento vem sendo procurado por vários condomínios, administradoras, empresas de capital aberto e associações, inclusive de Portugal.
Marcelo Mahtuk, diretor executivo da administradora Manager, também enxerga um avanço tecnológico. "Da mesma forma que as guerras trouxeram muito sofrimento, evolução tecnológica e mudança de comportamento, acredito que a covid-19 - que espero logo seja superada - trará resultados semelhantes."
Também chamada de assembleia virtual, a Assembleia Digital é uma reunião em que condôminos participam e deliberam em ambiente virtual, pela internet.
Pode ser realizada pelo site ou aplicativo do condomínio, por software ou app da administradora, ou por meio de ferramentas de vídeoconferência, como Zoom, Webex e Hangouts.
Todos os atos são seguidos à risca, conforme manda o figurino, só que em ambiente digital:
Depois há expedição, registro em cartório e distribuição da ata aos condôminos. Com um detalhe importante: a assembleia digital fica gravada.
Existem algumas modalidades de Assembleia Digital, que podem variar de uma administradora para outra ou ferramenta utilizada. Exemplos:
No caso da Lello, Angelica Arbex explica que cada assembleia digital é um "minisite seguro", que regula do edital até o encerramento, com várias tecnologias integradas: o app de videoconferência Zoom, um identificador de IP, uma ferramenta construída ancorada em banco de dados, token para autenticação entre outros recursos tecnológicos.
Já a administradora Manager, que oferece assembleias digitais há cerca de dez anos para toda a sua carteira de clientes, usa uma plataforma que disponibiliza modalidades variadas.
A empresa Kiper, de portaria remota, recentemente criou uma plataforma gratuita de assembleia virtual na modalidade digital e híbrida (aberta). Na modalidade digital, os condôminos acessam a plataforma, analisam as pautas, debatem e votam on-line. Na híbrida aberta, as deliberações definidas de forma on-line são levadas para a formalização oficial em uma assembleia presencial com apenas secretário e presidente. Assim, os condôminos que já votaram e participaram de forma on-line não precisam estar presentes.
Assim como a Manager, outra empresa pioneira em assembleias virtuais é a Superlógica, que fornece o serviço acoplado ao seu sistema de gestão e ERP para Administradoras.
O sistema utiliza o formato híbrido. A administradora, junto ao síndico, disponibiliza as pautas e opções de voto para que os moradores realizem um debate e manifestem suas opiniões. Eles podem participar através do app ou do site Área do Condômino.
O voto é feito por proxy voting, ou seja, por procuração. Através do aplicativo, o morador seleciona se é a favor ou contra determinada pauta. Para ter validade legal, os votos são impressos e entregues a um procurador para sejam contabilizados. Isso evita distorções no resultado e garante a integridade da assembleia.
Embora as assembleias digitais ou virtuais já sejam praticadas em condomínios no Brasil há cerca de dez anos, são poucos os que já adotaram a modalidade. Esta inovação voltou a pautar os debates do setor em meados de 2019, com o Projeto de Lei do Voto Eletrônico, da senadora, Soraya Thronicke, o qual foi sancionado em março de 2022 (Lei 14.309).
Como é um tema que desperta diversas dúvidas em nossos leitores, buscamos respostas junto a especialistas para as principais delas. Confira:
1) Como um condomínio pode se amparar legalmente para realizar assembleia digital? Precisa constar na convenção ou regimento interno?
2) Como se garante a idoneidade de uma assembleia virtual?
3) Como garantir a identidade do condômino na assembleia digital?
4) Como é feito o uso de procuração em assembleia digital?
5) Como são feitos os debates?
6) Como é feita a ata?
7) Todos os cartórios aceitam registrar ata de assembleia virtual?
8) Existe perfil de condomínio para realizar assembleia digital?
9) Há restrição de temas a tratar em assembleia digital?
10) Como atender pessoas com alguma deficiência física, avessas à tecnologia, idosos etc?
11) É mais caro realizar uma assembleia virtual do que a presencial?
Eu, Catarina Anderáos, editora-chefe do SíndicoNet, também sou síndica do meu condomínio e estava com uma assembleia presencial agendada para dia 25 de março, quando ficou mais forte a recomendação para permanecer em casa e evitar aglomerações.
O que fazer? Conversei com minha administradora, o conselho e alguns condôminos idosos sobre a possibilidade de fazermos uma assembleia on-line. E no dia marcado aconteceu o nosso debut no mundo digital!
A administradora já é bem experiente no formato e usamos a ferramenta de vídeoconferência Zoom para fazer uma assembleia on-line. Tivemos tempo de avisar e convocar a todos os condôminos, que receberam os acessos e explicações de uso.
O quórum esteve na média das presenciais e, para minha surpresa, três condôminos que raramente aparecem nas assembleias físicas, marcaram presença. A todos que quiseram falar, foi franqueado o microfone e a reunião transcorreu tranquilamente.
A reunião está gravada, a ata já foi expedida para assinatura da presidente e agora aguardamos apenas o registro em cartório. Certamente vamos repetir a experiência, de tão prática que foi!
As opiniões se dividem quanto aos condomínios que nunca realizaram uma assembleia digital adotar o modelo justamente agora, em um momento crítico, devido à pandemia.
A síndica profissional Taula Armentano acredita que em momentos de crise surgem oportunidades para mudanças de mentalidade.
"Isso define quem avança e quem fica pelo caminho. Vejo agora muitas pessoas correndo atrás da assembleia virtual, enquanto outras já estavam preparadas e podem colocar imediatamente em pratica. Ótimo momento para provocar uma mudança e testar as ferramentas", afirma a síndica.
Na opinião dela, é uma excelente ferramenta e, embora não substitua a assembleia presencial, pode, sim, ser útil em muitos casos para poder discutir e votar assuntos inadiáveis, não parando o condomínio.
"Se a Convenção do condomínio for omissa quanto à obrigatoriedade da assembleia ser presencial, deixando em aberto o assunto, entendo que a assembleia eletrônica pode ser realizada", diz Taula, cuja carteira de condomínios que atende apenas um ainda não adota o formato digital de assembleia.
Caso a Convenção determine que a assembleia deve ser presencial, é preciso alterá-la e, para isso, é necessário quórum específico de 2/3 dos condôminos.
Angelica Arbex, da Lello, lembra que a grande maioria das convenções de condomínios foi escrita em um tempo onde não havia internet, por isso é preciso recriar e repactuar regras da vida em comum.
"Como toda inovação, nós iremos, aos poucos, nos relacionando com o judiciário, trocando ideias sobre o entendimento do processo e criando a jurisprudência. O fundamental é que a assembleia digital garanta e preserve todos os elementos da presencial, com a integração de todos os condôminos. Isso ajuda a todos e assegura uma participação maior nas decisões do condomínio", diz a gerente de Marketing da administradora.
O advogado André Junqueira é favorável à assembleia digital, mas faz um alerta pela adoção da ferramenta neste momento.
"Para se ter a segurança jurídica adequada, a assembleia digital deveria ser melhor planejada pelo condomínio, pelo setor de tecnologia e por sua assessoria jurídica. E, embora haja necessidade clara de se realizar assembleias não presenciais neste momento, essa pode não ser a melhor hora para tal inovação. Como ainda existem muitas pessoas contrárias à ferramenta, pode ser visto como 'oportunismo' no momento", alerta Junqueira.
PARECER DA AABIC
A Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC) é cautelosa quanto aos condomínios testarem um novo sistema, o que pode os expor a discussões judiciais.
A entidade encaminhou um parecer jurídico a síndicos, gerentes e representantes da área condominial a respeito dos riscos legais que a implantação da assembleia virtual sem a devida preparação possa acarretar.
No documento, a AABIC defende que o voto virtual só pode ser considerado caso o condomínio explicite essa possibilidade na Convenção.
As ressalvas também são quanto à inclusão, já que nenhum condômino pode ser impedido de votar por razões técnicas, como dificuldade de acesso à internet. "Embora não seja impraticável, ainda existem barreiras tecnológicas, legais e de costumes a serem superadas", diz a associação no documento.
Por coincidência, a Assembleia Digital da Lello entrou no ar em março deste ano. Três meses antes, a administradora realizou mais de 200 assembleias no ambiente de teste para ajustar todos os pontos de segurança, controle de acesso e experiência do usuário.
Desde a homologação, em paralelo ao isolamento social devido à covid-19, cerca de 20 reuniões digitais foram realizadas - com adesão de 35% a mais - em condomínios da Grande São Paulo, litoral e interior paulista e Maceió. Para abril, há cerca de 50 editais expedidos. Da carteira de 3 mil clientes, Angelica Arbex estima que no primeiro ano 30% queiram utilizar.
A gerente de marketing comenta que nos condomínios onde a administradora já realizou assembleias, os idosos têm dado um "show" de tecnologia e habilidade digital. "Em nossa primeira assembleia digital, tivemos um condômino de 86 anos participando ativamente, fazendo perguntas."
A administradora Manager, pioneira em assembleia digital, afirma grande aceitação da ferramenta pelos seus condôminos e, em uma década, afirma nunca ter tido uma impugnação, pois segue todos os ritos legais. "Não houve nenhum caso de morador que se negou a aderir. Fui surpreendido, pois todos são receptivos e participativos. A tecnologia integra as pessoas", afirma Marcelo Mahtuk, diretor executivo.
Ele comenta que a realização de Assembleias Digitais nos últimos dias aumentou em sua carteira de clientes, bem como consultas do mercado para compreender o assunto e seu respaldo jurídico. "Compartilhamos com prazer esse conhecimento, afinal a troca entre nós permite servir melhor nosso cliente e a valorização do nosso mercado", afirma Mahtuk.
Os especialistas citam que dentre as principais vantagens do formato digital está a melhor condução e organização da assembleia.
"O presidente tem mais poder de controlar a participação dos condôminos e do tempo da assembleia, lembrando que qualquer abuso por ele praticado pode ser objeto de impugnação na hora da assembleia e judicialmente", afirma o advogado André Junqueira.
Fontes consultadas: AABIC, André Junqueira (advogado), Angelica Arbex (Lello), Bruno Reimberg Menichetti (startup ADC), Marcelo Mahtuk (Manager), Taula Armentano (síndica profissional), André Baldini (Superlógica), Odirley Rocha (Kiper)