05/03/13 03:31 - Atualizado há 2 anos
Quem escolhe morar em condomínio tem o dever de respeitar os direitos da vizinhança, colaborando para que o local tenha uma convivência pacífica e harmoniosa. É um estado de plenitude que todas as pessoas querem para a vida, não é verdade?
Porém, nem todos têm essa capacidade e é aqui que os moradores antissociais se enquadram, pois perturbam os vizinhos constantemente.
Nesta matéria, você vai conhecer a definição, quais práticas são consideradas como antissociais, além de aprender a agir extra e judicialmente para combater esse tipo de conduta no condomínio. Vamos lá?
Os artigos 1.335 e 1.336 do Código Civil tratam dos direitos e deveres dos condôminos, respectivamente. O destaque aqui se dá ao inciso IV do art. 1.336 que, em resumo, define que o morador não deve utilizar a unidade de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos demais usuários. Essa é a famosa trinca de “S” que os condôminos antissociais costumam infringir.
Ainda que breve, o artigo 1337 do Código Civil fala sobre o morador antissocial (proprietário ou inquilino) e como punir esse tipo de comportamento:
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.
Isso quer dizer que o condômino que comete infrações pontuais, como barulho em algumas ocasiões, ou cujo cachorro de vez em quando late, não pode ser considerado antissocial.
Para ser caracterizado dessa maneira, o morador precisa ter uma conduta de constante perturbação à vida condominial. Podemos citar algumas:
De acordo com o advogado especialista em condomínios Inaldo Dantas, para maior respaldo jurídico, seria conveniente que a convenção do condomínio estabelecesse quais os comportamentos considerados antissociais.
Prejuízos à qualidade de vida e à integridade física dos moradores
Sobrecarga do síndico ao intermediar conflitos de convivência
Desvalorização do imóvel
Com o clima hostil criado por um condômino antissocial, é possível que futuros moradores ou atuais ocupantes desistam de morar no condomínio e procurem outro lugar para viver.
Inadimplência
Muitos moradores antissociais podem discordar das multas aplicadas pelas constantes infrações e passam a não pagar a taxa do condomínio por completo.
Como aconteceu com um recente caso em São Paulo, em que um morador antissocial foi impedido de frequentar as áreas comuns do condomínio. Segundo o advogado da causa, Marcio Rachkorsky, “para ele tanto faz, ele sabe que, um dia, daqui 5 anos ou 10 anos, vai perder o imóvel”, comenta.
Dificuldades na contratação de funcionários
Condomínio vulnerável a ações trabalhistas por danos morais
Gastos com processos judiciais (custas, contratação de advogado, etc)
É muito importante que o síndico identifique um condômino antissocial e aja rapidamente para evitar que a situação tome grandes proporções.
Em um caso do advogado João Paulo Paschoal, o condomínio teve que lidar com as práticas de um morador antissocial por sete anos. Além das constantes intervenções da administração do condomínio e dos conflitos diários de perturbação aos vizinhos, ainda há o desgaste e a morosidade de um processo judicial.
Então, num ambiente em que a tensão é constante, a função do síndico é não deixar o conflito aumentar, não se envolvendo diretamente nele; e sim, tomando as atitudes necessárias para sua estabilização e, posteriormente, resolução.
Para Carlos Savoy, especialista em mediação de conflitos, é fundamental o gestor preservar a imparcialidade. “É difícil notar quando a coisa sai do controle. O síndico perde o controle quando se sente parte do conflito, e não quando é ameaçado, sofre pressão ou tem uma discussão. Ele começa a confundir sua função de elo com a de parte, uma vez que representa as pessoas que têm domicílio no local”, afirma.
Nos primeiros indícios do comportamento antissocial de um morador, é importante o síndico acionar uma assessoria jurídica de advogados para conduzir o processo de maneira segura e extrajudicial, tais como:
Propor um diálogo amigável com o morador
Contratação de serviços de Mediação ou Arbitragem
Advertências e multas por descumprimento das normas internas
Esta etapa segue o mesmo trâmite de uma infração pontual, independente de ser um condômino antissocial ou não, e deve respeitar o que consta na convenção ou regimento interno de cada condomínio. Na maioria das vezes, são enviadas advertências por escrito e, caso elas não surtam efeito, impõe-se a multa.
Tal punição deve ser aplicada somente em último caso e sempre com muito cuidado, principalmente no que diz respeito aos seus trâmites legais.
Quanto ao valor da multa por infração, as regras internas do condomínio devem respeitar o que consta nos artigos 1.336 e 1.337 do Código Civil: não poderá ser superior a 5 vezes a taxa condominial. Se a convenção for omissa quanto ao assunto, uma assembleia deverá ser convocada para aprovação de 2/3 dos condôminos restantes:
Artigo 1.336 do Código Civil:
§ 2o. O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.
Se mesmo após essas medidas ainda houver reincidência, configura-se o comportamento reiterado, ou seja, o antissocial.
Conforme o parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil (citado no começo da matéria), a multa para o morador antissocial não deverá ser maior que 10 vezes o valor da taxa condominial e somente pode ser aplicada após aprovação de ¾ dos demais condôminos em assembleia.
No entanto, as multas a condôminos antissociais podem agravar a situação, já que assim, podem passar a agir mais vezes agora por pirraça.
“O mau condômino pode ser também um devedor. E, para um inadimplente, uma dívida a mais pouco importa”, observa Rachkorsky.
A exemplo, um morador antissocial de MS ficou inadimplente com 37 multas por perturbação de sossego. Numa das festas que costumava realizar, foi preso em flagrante por poluição sonora, desacato e desobediência civil, e multado em R$ 15 mil pela PMA (Polícia Militar Ambiental). No mesmo dia de sua prisão, o infrator pagou fiança de R$ 200 mil e voltou a incomodar os vizinhos com novas farras.
Isso confirma o pior: mexer no bolso de um morador antissocial muitas vezes não soluciona o mal comportamento.
Infelizmente há casos raros em que o condômino é considerado tão antissocial que a convivência passa a ser insuportável. Dessa forma, a única saída que resta é entrar com uma ação judicial, solicitando a remoção do morador do convívio social.
Como o Código Civil ainda não dispõe sobre a expulsão do condômino antissocial, prevalecia o Direito de Propriedade, e por isso, os condomínios tinham grande receio em protocolar o pedido.
Nos últimos anos, porém, a jurisprudência tem mudado esse entendimento, preservando o bem estar coletivo em detrimento do individual (Direito de Propriedade).
Hoje, os juízes compreendem que remover o condômino antissocial do condomínio não tira o direito de propriedade dele, mas apenas limita seu direito de usar, gozar e fruir do imóvel.
Sendo proprietário, o antissocial continuará dono do imóvel, podendo alugar ou vendê-lo para terceiros, mas perderá o direito de conviver naquele ambiente.
“O morador não pode perder a propriedade, não é obrigado a vender ou ter a unidade vendida por um leilão judicial. Mas pode ser privado o direito de uso dele, sendo obrigado a locar ou emprestar o bem, e não mais residir nele. Torna-se, assim, uma privação da posse, e não do direito de propriedade. A posse é usar, emprestar, usar diretamente alguma propriedade. Já o Direito de Propriedade é ser o dono, proprietário do bem”, esclarece o advogado especialista em condomínio Rodrigo Karpat.
Quando se trata de inquilino antissocial, o condomínio pode solicitar intervenção junto ao proprietário, cabendo a este decidir qual providência será tomada, seja para rescindir o contrato de locação ou realizar o despejo.
Busque apoio da comunidade
Tanto os vizinhos quanto o condomínio podem ajuizar a ação, uma vez que ela mantém como pilares o Direito de Vizinhança e o próprio artigo 1.336 inciso IV do Código Civil. Mas o lema “juntos somos mais fortes” faz toda a diferença.
“Como o condomínio fala em nome do coletivo, muito provavelmente o empreendimento terá mais condições de coletar provas com o apoio de mais de um condômino”, aponta André Junqueira.
Convoque uma assembleia extraordinária
Além de contar com a assessoria jurídica de um advogado, é válido informar os moradores em assembleia sobre a condução do processo de expulsão de morador antissocial do condomínio.
Isso é uma precaução para que não ocorra uma decisão judicial como a de 2020 sobre um caso de morador antissocial no Distrito Federal. A 4ª Turma Cível do TJDFT determinou que o acusado não poderia ser expulso do prédio sem que houvesse uma assembleia para esse fim.
De toda forma, debater o assunto em assembleia é mais uma atitude que vai fortalecer a união da comunidade.
Reúna provas materiais
O condomínio pode resgatar imagens do CFTV e também contar com a contribuição dos demais moradores.
Além de testemunhas oculares, vizinhos podem:
O deferimento do pedido de expulsão dependerá desse leque de provas materiais. Mas ainda assim, o condomínio também deve comprovar que adotou procedimentos técnicos tentando prevenir, alertar e cessar as condutas antissociais do morador, tais como os mencionados no intertítulo desta matéria “Como coibir práticas antissociais no condomínio”.
Como ficam os familiares do condômino antissocial expulso?
De acordo com André Junqueira, o foco da ação judicial é pessoal, ou seja, contra a pessoa que está causando o conflito.
“É natural que essa medida traga alguma consequência para o dia a dia dos demais integrantes, mas isso não os afetaria diretamente no condomínio. Eles poderão permanecer no imóvel, a não ser que todos os membros sejam antissociais”, reforça.
O pagamento das despesas condominiais é prejudicado quando o morador é expulso?
Com a remoção de condômino antissocial (aqui falemos de proprietário), o que existe é a perda temporária do direito de uso do imóvel. Sendo assim, a responsabilidade pelo pagamento das cotas mensais continua intacta.
“Mesmo impedido de morar no condomínio, ele continua como proprietário do imóvel, podendo alugar ou vendê-lo. Enquanto isso, tem a obrigação de manter a cota condominial em dia conforme o artigo 1.336 inciso I do Código Civil”, enfatiza André Junqueira.
Qual a duração da pena de exclusão de um condômino antissocial?
Essa é a grande dúvida que perdura sobre o assunto. Mas, independentemente do que se peça na ação, é o juiz da causa que vai avaliar se cabe exclusão, e se assim for, por quanto tempo ela é válida.
Na opinião de André Junqueira, o prazo pode ser estabelecido em caráter definitivo. “O ato jurisdicional de excluir um ocupante não é uma pena ao indivíduo, e sim, a única opção plausível e eficiente para que cesse a perturbação ao coletivo”, destaca.
Inadimplente contumaz pode ser considerado antissocial?
Ainda não existe consenso entre especialistas e Judiciário.
Em uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça em 2015, um condômino inadimplente por mais de dois anos não pôde ser enquadrado como antissocial.
O relator Luis Felipe Salomão entendeu que, para tanto, o condomínio precisaria comprovar o comportamento reiterado e os prejuízos coletivos advindos da falta de pagamento, além de deliberar em assembleia por três quartos dos condôminos restantes e permitir a ampla defesa do condômino.
Se houver um motivo forte para a inadimplência, por exemplo, a perda do emprego, dificilmente o condomínio conseguirá comprovar que o morador é antissocial.
Fontes: Rosely Schwartz (especialista em condomínios e professora na Escola Paulista de Direito), Daphnis Citti de Lauro (advogado especialista na área condominial e colunista SíndicoNet), Rodrigo Karpat (advogado especialista na área condominial e colunista SíndicoNet); André Junqueira (advogado); Marcio Rachkorsky (advogado); João Paulo Paschoal (advogado); Inaldo Dantas (advogado especialista em condomínios) e Carlos Savoy (especialista em Mediação de Conflitos).