07/01/14 01:06 - Atualizado há 11 anos
Por Alexandre Marques (*)
Em 07 de novembro último, mais uma vez, ela, Ministra Nancy Andrighi da 3ª Turma Julgadora do Superior Tribunal de Justiça em Brasília, no julgamento do REsp 1401815, mandou um condomínio do Espírito Santo, indenizar em R$ 10 mil por danos morais uma condômina devedora que, por decisão em assembleia, viu seu direito de utilizar-se do elevador restringido.
No caso em tela a verba condominial era de R$ 3 mil mensais e, a moradora, estava devendo dois meses. O síndico do condomínio cumpriu decisão tomada por assembleia (artigo 1.348, IV do Código Civil), para que se “desprogramasse” a parada do elevador no andar da moradora, obrigando-a, já com certa idade e aos filhos e netos que se utilizassem das escadas para subir e descer oito lances de escada.
A Ministra entendeu por abusiva a medida coercitiva para pagamento das cotas condominiais em atraso, além de gravosa em relação a dignidade da pessoa humana, face a possibilidade que o condomínio tem de cobrar o débito pela via judicial, inclusive com a penhora do imóvel e, sendo o caso, posterior hasta pública.
Mandou liminarmente reprogramar o elevador, além da indenização.
Sendo a Ementa do Acórdão:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.401.815 - ES (2013/0296424-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MARIA HELENA XIBLE SALLES RAMOS
ADVOGADOS : FERNANDO CÉSAR BORGES PEIXOTO
NATHALIA XIBLE SALLES RAMOS E OUTRO(S)
RECORRIDO : CONDOMÍNIO EDIFÍCIO CHOPIN
ADVOGADO : PAULA ALMEIDA RAMOS
EMENTA
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM PEDIDO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INADIMPLEMENTO DE TAXAS CONDOMINIAIS. DESPROGRAMAÇÃO DOS ELEVADORES. SUSPENSÃO DE SERVIÇOS ESSENCIAIS. IMPOSSIBILIDADE. EXPOSIÇÃO INDEVIDA DA SITUAÇÃO DE INADIMPLÊNCIA. VIOLAÇÃO DE DIREITOS DA PERSONALIDADE. DANOS MORAIS. CARACTERIZAÇÃO.
1. Ação declaratória distribuída em 22.03.2011, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 26.09.2013.
2. Cinge-se a controvérsia, além de apreciar a existência de omissão no acórdão recorrido, a definir se é possível impor restrição ao condômino inadimplente quanto à utilização dos elevadores e, caso verificada a ilegalidade da medida, se a restrição enseja compensação por danos morais.
3. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.
4. O inadimplemento de taxas condominiais não autoriza a suspensão, por determinação da assembleia geral de condôminos, quanto ao uso de serviços essenciais, em clara afronta ao direito de propriedade e sua função social e à dignidade da pessoa humana, em detrimento da utilização de meios expressamente previstos em lei para a cobrança da dívida condominial.
5. Não sendo o elevador um mero conforto em se tratando de edifício de diversos pavimentos, com apenas um apartamento por andar, localizando-se o apartamento da recorrente no oitavo pavimento, o equipamento passa a ter status de essencial à própria utilização da propriedade exclusiva.
6. O corte do serviço dos elevadores gerou dano moral, tanto do ponto de vista subjetivo, analisando as peculiaridades da situação concreta, em que a condição de inadimplente restou ostensivamente exposta, como haveria, também, tal dano in re ipsa, pela mera violação de um direito da personalidade.
7. Recurso especial provido
Ora, nada mais acertada a decisão que, aliás, somente referenda o entendimento majoritário de nossos Tribunais estaduais, mesmo o de São Paulo.
Francisco Eduardo Loureiro, em nossa opinião um dos Desembargadores paulistas mais atualizados em direito condominial, chama essa medida de “sanção paralela”, visto que atinge o comunheiro em seu direito real, relativizado à unidade, ele ensina:
“As sanções ao condômino inadimplente à obrigação de pagar a contribuição condominial são previstas em lei,de natureza estritamente pecuniária. Fere os direitos fundamentais dos condôminos a aplicação de sanção diversa, ainda eu prevista na Convenção, especialmente aquelas que vedam a utilização de áreas e equipamentos comuns, como elevadores, piscina e sauna.” (Código Civil Comentado, Ed. 4ª, Editora Manole, pp. 1.359, Comentários Francisco Eduardo Loureiro).
Nessa esteira de entendimento ainda o saudoso mestre de todos os condominialistas J. Nascimento Franco em sua magistral obra “Condomínio”, Editora RT, 5ª Edição (Atualizada com o novo Código Civil), fls. 62/63, já dizia:
“Ademais, segundo alguns autores, tais disposições são nulas, porque as infrações condominiais encontram sanção nas cominações de natureza pecuniária estabelecidas pela lei, principalmente a multa fixada na própria Convenção ou no Regimento Interno. Roberto Barcelos de Magalhães escreve, à respeito , o seguinte: “”Além das penas pecuniárias previstas, nenhuma outra que importe em privação de direitos condominiais pode ser estabelecida em Convenção ou aplicada pelo condomínio ao faltoso. Não será lícito, assim, impor-se-lhe a privação de uso e gozo da coisa comum, como a supressão do fornecimento de água, gás e luz, ou de outros direitos, como o de voto nas Assembleias Gerais, já que os meios de coerção ao cumprimento da obrigação de pagar são estritamente aqueles que a lei faculta à Convenção cominar. Os limites encontram-se definidos legalmente, não podendo os condôminos excedê-los.””
Num caso em que o síndico havia proibido o acesso ao salão de festas à piscina a condômino devedor e seus familiares a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul considerou a medida ilegal, porque, a seu ver, o débito poderia dar margem a uma execução real, ou seja, incidente sobre a unidade autônoma propriamente dita, nunca, porém, podendo refletir-se sobre a pessoa do devedor.”
Logo, como se vê a decisão da Ministra não poderia ser outra, senão, acompanhar a larga e pacífica doutrina de nosso país, além do entendimento majoritário dos Tribunais Estaduais.
Não se está aqui, defendendo o devedor em detrimento do condomínio, afinal, se a lei impõe limites aos abusos eventuais por parte do condomínio, da mesma forma, tem como primeira determinação a obrigação no pagamento da cota condominial em atraso, apenas e tão somente, relativizasse o direito da massa condominial de restringir o direito de uso das áreas e bens comuns do condomínio, com o direito de propriedade e a dignidade da pessoa humana. Uma tendência irrefreável de nossos tribunais, como não poderia deixar de se observar.
Ademais a lei já prevê a mais grave sanção ao devedor que é a possibilidade de perda do imóvel pelo débito condominial através da ação judicial própria, tendo em sua fase sincrética da execução a possibilidade de penhora e hasta pública do bem. Lembrando, sem impor para tanto um determinado valor.
Ou seja, se o imóvel for o único bem do devedor, não restando uma opção menos gravosa do devedor, pode, a massa condominial requerer a penhora e avaliação de imóvel para posterior expropriação do bem, pelo valor da dívida, ainda que esta seja “irrisória” face ao valor do bem. Imagine-se alguém devendo R$ 6 mil de condomínio, tendo seu único imóvel avaliado em R$ 1 milhão, sendo levada a hasta pública por conta daquele valor que, representa 0,006% do valor do bem.
De modo que o determinado pelo Código Processo Civil de que a execução se faça da forma menos gravosa ao devedor, inclui uma interpretação mais ampla, no sentido de não restringir seus direitos fundamentais tutelados pela Constituição Federal da República.
No caso em comento fica mais evidente ainda a desproporção da pena quando se lê do acórdão do STJ e se depreende que a devedora nunca havia atrasado antes o pagamento das cotas condominiais, estando devendo à época dos fatos apenas duas cotas.
Mais uma vez, prevalece o que sempre comentamos nesse espaço, gerir um condomínio, ser síndico, conselheiro e mesmo morador é ter como primazia o “bom senso”, aliás, como em tudo.