04/11/20 01:27 - Atualizado há 4 anos
Por Kênio de Souza Pereira*
Parecem “flashbacks” as tragédias decorrentes da omissão e da negligência das prefeituras, pois as enchentes acontecem repetidamente, nos mesmos lugares e circunstâncias, gerando grandes prejuízos e sofrimentos com edifícios e casas sendo inundadas, carros submersos nas garagens ou sendo levados pelas chuva, além de lojas tendo seus estoques e mobiliários destruídos.
obras necessárias à prevenção, diminuição ou atenuação dos efeitos decorrentes das enchentesindenização por danos materiais e morais.
Conforme já decidido diversas vezes nos Tribunais de Justiça de todo do país, os municípios têm sido condenados quando as tragédias ocorreram por falta de obras de infraestrutura que deixaram de ser realizadas em administrações sucessivas.
A Constituição Federal é clara ao impor tal responsabilidade ao município, conforme o art. 37, § 6º, “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
O Poder Judiciário não tem aceito a alegação da prefeitura de caso fortuito (evento que não se pode prever e que não podemos evitar) ou força maior (fatos humanos ou naturais, que podem até ser previstos, mas da mesma maneira não podem ser impedidos, como ex: um furacão), para se livrar do dever de indenizar, podendo inclusive ser condenado a fazer determinada obra.
obras de saneamento e canalização que venham a suportar a maior chuva já registrada, sendo que os danos ocorridos na maioria dos lugares poderiam ser evitados se o município tivesse feito as obras que são prometidas há décadas.
Basta uma perícia para comprovar que grande parte dos danos não são decorrentes do enorme volume de águas registrado em janeiro de 2020.
Caso o edifício tenha menos de dez anos e fique evidenciado falha de projeto ou vício de construção, como a falta de escoamento de água que deveria seguir as normas da ABNT para aquele tipo de edificação, poderá o condomínio ou o condômino pleitear a reparação dos danos junto à construtora.
Entretanto, se a inundação decorreu de defeitos da bomba de drenagem, sendo tais problemas de conhecimento da administração que nada fez para consertá-los, o condomínio poderá vir a ser obrigado a assumir os prejuízos.
Independentemente da idade da edificação, sendo constatado que a inundação decorreu da falha da prestação de serviços do município, este poderá vir a ser responsabilizado.
Conforme o jurista Hely Lopes Meirelles, “Na teoria da culpa administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco administrativo exige-se, apenas, o fato do serviço. Naquela, a culpa é presumida da falta administrativa; nesta é inferida do fato lesivo da Administração”.
E prossegue o renomado jurista que é referência em Direito Administrativo no Brasil: “Aqui não se cogita a culpa da administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Tal teoria, como o nome está a indicar, baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar danos a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus suportado pelos demais. Para compensar essa desigualdade individual, criada pela própria administração, todos os outros componentes da coletividade devem concorrer para a reparação do dano, através do erário representado pela Fazenda Pública.”
Diante disso, fica evidente que o risco e a solidariedade social são os suportes desta doutrina que de forma objetiva partilha os encargos para promover uma perfeita justiça distributiva.
Não é justo que apenas alguns arquem com todos os prejuízos e sofrimentos decorrentes da gestão precária dos gestores públicos que se omitem ao deixar de implementar, manter, conservar e limpar os galerias pluviais e bueiros de maneira a gerar tranquilidade e evitar os repetitivos danos aos cidadãos.
Sabe-se que muitos políticos negligenciam as obras subterrâneas por não gerarem volume atraente de votos, como asfaltar ruas o que acaba aumentando a impermeabilidade do solo.
Cabe às vítimas buscarem seus direitos para amenizar suas perdas, pois tal ato poderá estimular o Poder Executivo a ser mais eficiente e prudente ao executar as obras necessárias à segurança e à saúde do munícipes.
(*) Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG. Contato: kenio@keniopereiraadvogados.com.br