29/04/20 12:50 - Atualizado há 4 anos
(*) Por Giovanna **
“Pronto! O coronavírus ficou lá fora! Daqui ninguém mais sai! Estamos salvos!”
Mas Deus tinha outros planos. Logo no primeiro dia de confinamento, acordei com forte dor de cabeça, tosse, fadiga geral e estava ofegante. Pensei que era estresse! Mas um sinal acendeu em mim ao ler a mensagem de uma amiga com a qual eu havia passado os últimos três dias em reuniões. Ela dizia que estava com febre, dor de cabeça e tosse!
avisei a síndica da minha suspeita de estar com a COVID-19 e coloquei máscara para ficar dentro de casa. Após três dias, eu estava pior, desesperada e com medo. Senti que deveria ir para o hospital.Seguindo as orientações que a administração do condomínio havia nos encaminhado por meio de vídeos, manual de procedimento e circulares, lá fui eu de máscara e um pano embebido em álcool, desinfetando todos os lugares por onde passava.
Mesmo passando o dia todo no hospital e com pedido médico, não consegui realizar o teste, pois só estavam liberados para casos mais graves.
Se as pessoas soubessem que eu estava no hospital, logo iria começar o falatório.
Em um condomínio grande como o meu, com nove torres e eu sendo uma figurinha conhecida, estava certa de que em pouco tempo todos saberiam que eu estava internada, aguardando o resultado do teste e em recuperação.
positivo para COVID-19.
Mas prontamente comuniquei minha síndica que, com muita eficiência, organizou a equipe de segurança e deixou um plantonista da limpeza para fazer a desinfecção do elevador quando eu chegasse.
Taula então me comunicou que informaria aos condôminos quanto ao primeiro caso de Covid-19 confirmado em nosso condomínio.
Houve respeito e carinho ao se preocupar até com a forma de comunicação.
No vídeo em que comunicava aos condôminos, pedia apoio, respeito e informou como tudo seria tratado daquele momento em diante com a unidade e os condôminos em geral.
Ver que já tinha uma programação pensada e estruturada para apoio à família e segurança dos condôminos para conter a propagação do vírus tranquilizou os moradores.No entanto, com a tecnologia atual e o medo da doença altamente contagiosa, não demorou a começarem os comentários nos grupos de Facebook e WhatsApp. A partir dali, eu era a POSITIVA! Ninguém queria ver o infectado nem de longe!
"...eu vi na TV que o condomínio tem que falar qual é a torre! Temos o direito de saber!"As pessoas só “esquecem” que a POSITIVA é condômina também e que, portanto, fatalmente ela ou alguém de sua família irá ler as mensagens. E lá estava eu, lendo tudo. Ainda do hospital, pois minha alta demorou a sair.
E o comunicado já estava “bombando” no condomínio.
tudo parecia uma rejeição pessoal. Eu queria gritar pra todo mundo que havia já um sistema todo montado para a minha chegada.
Mesmo que a síndica já tivesse dito isso, e tivesse pedido acolhimento, algumas pessoas só perceberam o risco que estavam correndo com a chegada do infectado. No caso, eu.
Até um vídeo animado com as precauções para o condômino positivo que ficaria em reclusão, sua família em quarentena e como seria toda estrutura do condomínio, não foi suficiente para estas pessoas.
Mas a maioria dos comentários eram de medo do contágio e de preservação de si.
Como citei acima, a alta demorou muito e cheguei 0h30 no condomínio. O plantonista da limpeza teve que ir embora e a síndica, que estava o tempo todo comigo ao telefone, solicitou à empresa de manutenção do elevador que orientasse o líder da segurança para desligar o elevador após meu uso. E assim foi feito.
faz muita diferença a postura de uma síndica realmente humana, que me acolheu, me consolou, falou comigo no telefone pedindo que eu não chorasse, pois não permitiria que ninguém me julgasse e que eu tivesse calma, pois estava cuidando de tudo e ninguém correria riscos.O elevador só foi liberado após a desinfecção especial realizada pela equipe de limpeza, a qual utilizava todos os equipamentos de proteção necessários.
Obrigada, minha síndica, por ser um porto seguro naquela hora. Mesmo já em casa, eu estava triste e totalmente sozinha e isolada.
Eu mesma fui no grupo de WhatsApp do condomínio e me identifiquei. Contei toda a história e todo o plano de contingência executado pelo condomínio!
O plano consiste em:
Fiz um “textão” e disse que, com toda a atuação do condomínio, certamente as pessoas estavam correndo mais riscos com quem não estava confirmado do que comigo, que passei por todos os procedimentos e agora estava isolada.
revelar a minha identidade foi a melhor coisa que fiz. Veio uma onda gigante de amor, solidariedade, preocupação comigo, com meus filhos e marido. Todos oferecendo ajuda, orando por mim, elogiando meu posicionamento, me encorajando a passar por essa fase difícil.
Meus vizinhos me encheram de comidinhas maravilhosas! Muitos me mandavam mensagens todos os dias para saber como estava. Estou recebendo tanto carinho, tanto apoio! O clima mudou! Inverteu! Aquela que ninguém queria por perto agora é alvo de orações, pensamentos e ajuda efetiva!
O que será que mudou? Penso que quando personificamos, damos nome, tudo faz sentido. É muito difícil ter empatia por alguém que você não sabe quem é.Quase ninguém pensou que poderia ser aquele vizinho querido, algum amigo, alguém que você gosta. Mas quando o infectado ganhou nome, ele ganhou o amor, respeito e o carinho de todos. Isso é viver em condomínio. Eu preciso muito dos meus vizinhos. Muito!
O isolamento exige que o amor apareça! Que bom é morar em um lugar com pessoas tão preocupadas com o outro e com uma equipe de gestão tão comprometida com o nosso bem. Mais uma vez, obrigada, Taula!
(*) Giovanna ** é moradora de um condomínio-clube na cidade de São Paulo. Não revelamos seu sobrenome para preservar sua identidade.