ESPECIAL - Covid 19

"Decidi contar para meus vizinhos que estava com COVID-19"

Confira o depoimento emocionante de uma moradora de um condomínio-clube, seus cuidados, medos, receios e a coragem para revelar sua identidade para a comunidade

Por Catarina Anderáos

29/04/20 12:50 - Atualizado há 4 anos


(*) Por Giovanna **

“Pronto! O coronavírus ficou lá fora! Daqui ninguém mais sai! Estamos salvos!” 

Mas Deus tinha outros planos. Logo no primeiro dia de confinamento, acordei com forte dor de cabeça, tosse, fadiga geral e estava ofegante. Pensei que era estresse! Mas um sinal acendeu em mim ao ler a mensagem de uma amiga com a qual eu havia passado os últimos três dias em reuniões. Ela dizia que estava com febre, dor de cabeça e tosse!

avisei a síndica da minha suspeita de estar com a COVID-19 e coloquei máscara para ficar dentro de casa. Após três dias, eu estava pior, desesperada e com medo. Senti que deveria ir para o hospital.

Seguindo as orientações que a administração do condomínio havia nos encaminhado por meio de vídeos, manual de procedimento e circulares, lá fui eu de máscara e um pano embebido em álcool,  desinfetando todos os lugares por onde passava.

Mesmo passando o dia todo no hospital e com pedido médico, não consegui realizar o teste, pois só estavam liberados para casos mais graves. 

Cuidados na circulação no condomínio e o resultado positivo para COVID-19

morrendo de medo de encontrar alguém que já viesse especular. Dois dias depois, com piora do quadro respiratório, fui para outro hospital com máscara e pano com álcool . 

Se as pessoas soubessem que eu estava no hospital, logo iria começar o falatório. 

Em um condomínio grande como o meu, com nove torres e eu sendo uma figurinha conhecida, estava certa de que em pouco tempo todos saberiam que eu estava internada, aguardando o resultado do teste e em recuperação. 

positivo para COVID-19.

Síndica foi avisada para preparar o condomínio e os condôminos

olharem torto para os meus filhos.

Mas prontamente comuniquei minha síndica que, com muita eficiência, organizou a equipe de segurança e deixou um plantonista da limpeza para fazer a desinfecção do elevador quando eu chegasse

Taula então me comunicou que informaria aos condôminos quanto ao primeiro caso de Covid-19 confirmado em nosso condomínio.

Houve respeito e carinho ao se preocupar até com a forma de comunicação. 

No vídeo em que comunicava aos condôminos, pedia apoio, respeito e informou como tudo seria tratado daquele momento em diante com a unidade e os condôminos em geral. 

Ver que já tinha uma programação pensada e estruturada para apoio à família e segurança dos condôminos para conter a propagação do vírus tranquilizou os moradores

A especulação dos vizinhos para saber quem estava com COVID-19?

No entanto, com a tecnologia atual e o medo da doença altamente contagiosa, não demorou a começarem os comentários nos grupos de Facebook e WhatsApp. A partir dali, eu era a POSITIVA! Ninguém queria ver o infectado nem de longe! 

"...eu vi na TV que o condomínio tem que falar qual é a torre! Temos o direito de saber!"  

As pessoas só “esquecem” que a POSITIVA é condômina também e que, portanto, fatalmente ela ou alguém de sua família irá ler as mensagens. E lá estava eu, lendo tudo. Ainda do hospital, pois minha alta demorou a sair. 

E o comunicado já estava “bombando” no condomínio.

tudo parecia uma rejeição pessoal. Eu queria gritar pra todo mundo que havia já um sistema todo montado para a minha chegada

Mesmo que a síndica já tivesse dito isso, e tivesse pedido acolhimento, algumas pessoas só perceberam o risco que estavam correndo com a chegada do infectado. No caso, eu.

Até um vídeo animado com as precauções para o condômino positivo que ficaria em reclusão, sua família em quarentena e como seria toda estrutura do condomínio, não foi suficiente para estas pessoas.

Mas a maioria dos comentários eram de medo do contágio e de preservação de si.

Como citei acima, a alta demorou muito e cheguei 0h30  no condomínio. O plantonista da limpeza teve que ir embora e a síndica, que estava o tempo todo comigo ao telefone, solicitou à empresa de manutenção do elevador que orientasse o líder da segurança para desligar o elevador após meu uso. E assim foi feito.

O elevador só foi liberado após a desinfecção especial realizada pela equipe de limpeza, a qual utilizava todos os equipamentos de proteção necessários. 

faz muita diferença a postura de uma síndica realmente humana, que me acolheu, me consolou, falou comigo no telefone pedindo que eu não chorasse, pois não permitiria que ninguém me julgasse e que eu tivesse calma, pois estava cuidando de tudo e ninguém correria riscos. 

Obrigada, minha síndica, por ser um porto seguro naquela hora. Mesmo já em casa, eu estava triste e totalmente sozinha e isolada. 

"Conto ou não conto para os vizinhos que estou com COVID-19?"

Todos queriam saber qual era a torre do morador infectado para aumentar os cuidados! "...vamos falar com a síndica! Ela tem que dizer qual é a torre!"

Eu mesma fui no grupo de WhatsApp do condomínio e me identifiquei. Contei toda a história e todo o plano de contingência executado pelo condomínio!

O plano consiste em:

Fiz um “textão” e disse que, com toda a atuação do condomínio, certamente as pessoas estavam correndo mais riscos com quem não estava confirmado do que comigo, que passei por todos os procedimentos e agora estava isolada. 

revelar a minha identidade foi a melhor coisa que fiz. Veio uma onda gigante de amor, solidariedade, preocupação comigo, com meus filhos e marido. Todos oferecendo ajuda, orando por mim, elogiando meu posicionamento, me encorajando a passar por essa fase difícil.

Meus vizinhos me encheram de comidinhas maravilhosas! Muitos me mandavam mensagens todos os dias para saber como estava. Estou recebendo tanto carinho, tanto apoio! O clima mudou! Inverteu! Aquela que ninguém queria por perto agora é alvo de orações, pensamentos e ajuda efetiva! 

O que será que mudou? Penso que quando personificamos, damos nome, tudo faz sentido. É muito difícil ter empatia por alguém que você não sabe quem é.

Quase ninguém pensou que poderia ser aquele vizinho querido, algum amigo, alguém que você gosta. Mas quando o infectado ganhou nome, ele ganhou o amor, respeito e o carinho de todos. Isso é viver em condomínio.  Eu preciso muito dos meus vizinhos. Muito! 

O isolamento exige que o amor apareça! Que bom é morar em um lugar com pessoas tão preocupadas com o outro e com uma equipe de gestão tão comprometida com o nosso bem. Mais uma vez, obrigada, Taula!

(*) Giovanna ** é moradora de um condomínio-clube na cidade de São Paulo. Não revelamos seu sobrenome para preservar sua identidade.