04/03/20 12:02 - Atualizado há 4 anos
Por Alexandre Marques*
A ação de consignação em pagamento (artigo 334 a 345 do C.C.) não se presta, em regra, para contestar o valor da cota condominial apresentada na forma de boleto (título executivo extrajudicial) pelo condomínio.
A discordância em relação ao valor apresentado é mais comum do que se imagina, mormente em se tratando de rateio de obras, benfeitorias, multas disciplinares e mesmo aumento da cota condominial acima do estabelecido na previsão orçamentária aprovada em assembleia ordinária anual.
À exceção da multa por infração ao Regulamento Interno e/ou Convenção Condominial – que deve estar em boleto a parte, possibilitando a defesa do condômino em relação à penalidade aplicada, sem prejuízo do pagamento da cota condominial, em atendimento a uníssona jurisprudencial da corte paulista – todas as demais situações acima declinam.
A consignação tem cabimento expresso nos termos da lei:
Art. 335. A consignação tem lugar:
I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma; II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos; III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil; IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento; V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento.
O rol é taxativo, embora relativizado pela jurisprudência e doutrina.
A discordância quanto ao valor da cota condominial apresentada pelo condomínio, deve, em tese, ser objeto de impugnação em ação própria, sob pena de caracterização de enriquecimento indevido pelo condômino ou assemelhado nos termos da lei.
Normalmente, os valores praticados de forma abusiva ou em franca desatenção ao que foi aprovado em assembleia, mesmo em relação a rateios de obras, benfeitorias e etc., devem ser questionados através da ação própria, ou seja, ação de anulação de assembleia cujo prazo decadencial é de dois anos (Art. 179 do C.C.) – embora parte da doutrina e jurisprudência defenda o prazo decenal (Art. 205 do C.C.) para prescrição do ato – ou ainda, através de ação de exigir contas ou mesmo indenizatória.
Como é do conhecimento de todos, uma decisão assemblear é válida até que uma nova assembleia modifique o deliberado ou uma decisão judicial o faça, assim, ainda que discordando do valor a ser pago, não resta ao titular da obrigação do pagamento da cota condominial na maioria das vezes, outra opção senão a via judiciária, pelo menos por enquanto.
Existem projetos de lei que visam a possibilidade de impugnação da assembleia pela via extrajudicial a exemplo do que acontece em outras países como Argentina e Itália para citar apenas dois.
Certo é que a maioria dos condôminos e assemelhados nos termos da lei, em situações como as narradas, escolhe a via da consignação, objetivando depositar em juízo os valores que consideram justos os adequados ao que foi aprovado em assembleia.
O Tribunal de Justiça de São Paulo refuta a maioria das ações, extinguindo-as sem julgamento de mérito, como se vê das ementas de acórdãos abaixo colacionados: 1001933-74.2016.8.26.0084 Classe/Assunto: Apelação Cível / Despesas Condominiais Relator(a): Mourão Neto Comarca: Campinas Órgão julgador: 27ª Câmara de Direito Privado Data do julgamento: 09/05/2017 Data de publicação: 22/05/2017
Ementa: Civil. Despesas condominiais. Ação de consignação em pagamento. Sentença de extinção do processo sem julgamento de mérito, por falta de interesse de agir. Pretensão à reforma manifestada pelo autor. Não se verificando nenhuma das hipóteses de cabimento da ação de consignação em pagamento (artigo 335 do CC/2002 e 539 e seguintes, do novo CPC), mantém-se a extinção do processo sem solução de mérito. Ônus sucumbenciais da fase recursal explicitados. RECURSO DESPROVIDO.
1031890002 Classe: Apelação Com Revisão Relator(a): Silvia Rocha Comarca: Santos Órgão julgador: 28ª Câmara de Direito Privado Data do julgamento: 02/02/2009
Ementa: - Condomínio - Consignação - Extinção sem julgamento do mérito - Discussão sobre o valor de cotas condominiais - Impossibilidade - Inexistência de pagamento devido - Improcedência do pedido
No sentido da taxatividade da ação já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“A consignação em pagamento visa exonerar o devedor de sua obrigação, mediante o depósito da quantia ou da coisa devida, e só poderá ter força de pagamento se concorrerem em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento" (REsp 1194264 / PR, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª Turma, DJe 4.3.2011).
A ação de consignação em pagamento em se tratando de questões condominiais tem lugar quando da recusa imotivada do condomínio ou da administradora em receber o valor cobrado de um determinado condômino, isso de forma totalmente imotivada, ainda, em situações onde haja dúvida por parte do condômino a quem pagar nos casos de condomínios de fato ou disputa de propriedade entre duas ou mais pessoas arvorando-se o direito de receber o valor, em situações envolvendo inquilino e proprietário e tantas outras.
Assim, como se vê, a participação ativa nas assembleias condominiais ainda é o melhor meio de se garantir a transparência na prestação de contas, orçamentos para obras em geral e benfeitorias, contratações e toda gama de serviços necessários ao condomínio e, havendo discordância, consignar seu protesto pedindo para que conste em ata da assembleia, e, caso não conste fazer uso, se o caso, da ação judicial correta, objetivando a escorreita transcrição dos fatos que aconteceram na assembleia e a redação da ata.
Boa assembleia!
(*) Alexandre Marques é consultor, advogado militante e professor na área de direito condominial; Mestrando pela FADISP, Coordenador do curso de Pós-graduação em Direito Condominial da FAAP/SP, especialista em Processo Civil pela PUC-SP, com cursos de extensão em Direito Imobiliário e Direito Civil; membro da Comissão de Direito Condominial do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário), palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB-SP; coautor do Audiolivro: “Tudo o que você precisa ouvir sobre Locação” (Editora Saraiva) e Autor do livro “Legislação Condominial: aplicação prática”; articulista dos programas “Metrópole Imobiliário” da Rádio Metrópole FM; “Edifício Legal” da rádio CBN-RO , “A hora do povo” da rádio Capital-SP e “Dito e Feito” da Rádio Nacional; sócio-diretor da Alexandre Marques Sociedade de Advogados.