Administração de conflitos e brigas

Discriminação no condomínio

Liberdade de expressão não pode ser maior que o respeito pela dignidade humana

Por Mariana Ribeiro Desimone

30/01/17 01:12 - Atualizado há 7 anos


Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito

Albert Einstein

Uma das mais célebres frases do talvez maior cientista do século XX, que morreu em 1955, ainda é uma triste realidade. 

Diversos são os preconceitos com os quais vivemos diariamente. E, como os condomínios são como um microcosmo da nossa sociedade, também encontramos nesses espaços preconceito e discriminação.

Noticiamos um caso no SíndicoNet que foi bastante debatido nas redes sociais. Um casal carioca recebeu uma carta anônima de um vizinho, com teor racista e homofóbico.

A carta, citando trechos da Bíblia, pedia que os dois se retirassem do condomínio.

O caso já está sendo investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

O Brasil hoje é um país livre e democrático, onde todos podem expor suas opiniões. A questão é que isso não pode ser feito desrespeitando direitos básicos do próximo, seja ele o vizinho, o funcionário ou um visitante.

“Considero que os condomínios são os ambientes mais discriminatórios que existem. Muitas pessoas reprimem seu racismo em público, mas, em seu condomínio, no ambiente que considera sua casa, não aceitam negros, gays e outras minorias”, pesa André Junqueira, advogado especialista em condomínios. 

Isso, justamente por acreditarem que, por estarem “na sua casa”, não estão “obrigados a tolerar” as diferenças que permeiam a vida em sociedade.

Legislação

Acontece que essas diferenças citadas logo acima estão protegidas pela lei, como o caso da injúria racial, por exemplo, que, de acordo com o site do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) consiste em:

“ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem”, e está prevista no artigo 140, parágrafo 3º do Código Penal.

Um exemplo que ilustra bem a injúria racial foi o caso dos torcedores do time de futebol do Grêmio chamando o goleiro de macaco, em 2014.

O preconceito a homossexuais tampouco deve ser aceito. A homofobia não é crime no Brasil. Porém, condutas impróprias envolvendo orientação sexual podem se encaixar em crimes como injúria, difamação ou danos morais, por exemplo, afirmou a advogada cível Rosana Dias Figueiredo.

No que tange a discriminação contra negros, há dois tipos de crimes: a injúria racial e o racismo. O racismo, ainda de acordo com o CNJ:

"implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. Nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor" e tem pena que variam a até um ano, além de multas compatíveis com o delito, de acordo com a lei 7.437. O crime é inafiaçável.

Outras vítimas

Além das discriminações citadas acima, outros que costumam sofrer discriminação em condomínio são os inadimplentes.

“É importante ressaltar que aquilo que o condomínio pode fazer com o inadimplente está bem claro na lei. Comportamentos como ironias em público, nome do devedor em áreas públicas e a proibição de circular em áreas como a piscina ou o elevador podem, sim, levar o condomínio a ser processado por danos morais”, explica Rodrigo Karpat, advogado especialista em condomínios e colunista do SíndicoNet.

Também é importante lembrar de outros tipos de discriminação que também são bastante corriqueiras no condomínio. Funcionários, tanto das unidades como do condomínio, devem sempre ser tratados com igualdade, respeito e cortesia. 

Os inquilinos também não devem sofrer nenhum tipo de diferenciação: podem usufruir do condomínio assim como quem é proprietário. O único direito que não os inquilinos não têm é de votar em assembleias sem procuração.

Medidas práticas para evitar discriminações

Se sabemos que educação vem de casa, e o condomínio é a nossa casa, uma boa maneira de ajudar a todos no condomínio a entenderem a diversidade pode ser a realização de ações educativas no local, como sugere o advogado especialista em condomínios e colunista do SíndicoNet, Alexandre Marques.

“Esse tipo de trabalho, para render bons frutos, deve ser feito por uma ONG especializada no assunto. Não é apenas um cartaz, ou mesmo multando que esse tipo de situação para de acontecer”, pontua ele.

Marcelo Gil, presidente fundador da ONG ABCD’S (Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual) acredita que a informação é o primeiro passo para evitar preconceitos. Por isso, a ONG oferece conscientização sobre diversos temas, inclusive racismo, xenofobia, machismo, etc.

“Fazemos palestras e vemos como falta informação a muitos. Quando há um trabalho de conscientização, o ambiente fica mais receptivo para todos”, argumenta ele.

Nos workshops e palestras desenvolvidos pela ONG são oferecidos materiais de apoio e conversas sobre preconceito e discriminação de diversas populações, e não apenas a LGBT.

A ONG oferece palestras em todo o estado de São Paulo e cobra apenas pelo seu deslocamento. 

Antes de chamar uma ONG do tipo para uma conversa com os moradores, o ideal é conversar com o conselho e com os próprios moradores, para availar sua aceitação.

"Não adianta fazer algo totalmente vertical, a comunidade precisa estar aberta a esse diálogo", pesa Alexandre Marques.

E para não ser algo de cima para baixo, o indicado é sempre trazer informação para que os moradores possam evitar esse tipo de comportamento. Aliado a outros tipos de ações, um cartaz como o elaborado abaixo pode ser de grande valia na melhora da convivência em condomínio. 

Postura do síndico em caso de discriminação no condomínio

O condomínio, ou mesmo o síndico, apesar de não serem obrigados a se manifestar em situações pontuais entre moradores, pode, sim, deixar claro que não concorda com atitudes discriminatórias em suas áreas comuns.

“A prática de qualquer ato discriminatório no condomínio atenta aos bons costumes, que são protegidos pelo art. 1.336, IV, do Código Civil. Logo, cabe aplicação de multa a quem discrimina assim como aquele que faz barulho. Se o ato é praticado pelo síndico, conselheiro ou outro membro da administração, cabe destituição”, ensina André Junqueira.

Outra maneira do condomínio se posicionar a favor de quem é vítima de uma situação de preconceito é mostrar as imagens do CFTV, caso haja essa possibilidade.

“A praxe é que o síndico realmente não ofereça esse tipo de material sempre que for solicitado. Mas em um caso como o do casal carioca, que há clamor popular, seria melhor mostrar as imagens para mostrar que a administração realmente não compactua com esse tipo de comportamento de discriminação”, relata Rodrigo Karpat.

Responsabilidades

Importante salientar que uma sociedade diversa e apta a conviver com as diferenças que nos permeiam seria o ideal.

Isso não significa ser obrigado a gostar de algum tipo de comportamento. O que não se pode é discriminar, diminuir e insultar o outro por ele ser quem é. 

Também é importante que todo o condomínio tenha consciência da importância de se contar com um síndico, corpo diretivo e funcionários capacitados para lidar com respeito com todos os moradores, visitantes e fornecedores do condomínio.

Afinal, caso uma pessoa se sinta discriminada, com razão, o condomínio como um todo poderá ter que ratear o valor da indenização. 

Veja o caso do condomínio abaixo:

"INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Alegação de constrangimento provocado por atitudes agressivas com conotação homofóbica. Procedência da ação e improcedência da reconvenção. Apelo da ré-reconvinte pugnando pela inversão dos julgados. Inconsistência do inconformismo. que, na condição de síndica, em assembleia condominial, exigiu que o autor apresentasse certidão de casamento que o autorizasse a representar o companheiro, proprietário do imóvel, com quem afirmou viver em união estável.

Existência da união homoafetiva reconhecida pela própria demandada e demais condôminos.

Alegação de que, ao exigir a certidão de casamento, objetivou a ré zelar pela regularidade da assembleia. Ré que, no entanto, não exigiu certidão de casamento ou procuração dos demais condôminos.

Versão dos fatos apresentada pelo autor-reconvindo foi corroborada pela prova testemunhal. Situação que extrapolou o mero aborrecimento. Danos morais configurados. Indenização devida e arbitrada em R$ 20.000,00, com observância dos parâmetros da proporcionalidade e razoabilidade. Irrelevância do fato da queixa-crime movida pelo autor contra a ré ter sido rejeitada.

Manutenção dessa rejeição pela Turma Recursal Criminal do Colégio Recursal de São Paulo, sob o enfoque criminal e tendo por base as provas produzidas naquele procedimento. Análise dos fatos, nesta ação, sob o enfoque civil, não havendo vinculação ao resultado da queixa-crime.

Prova testemunhal que rechaçou a imputação de ofensas feitas pelo autor-reconvindo à ré-reconvinte. Ausência de elementos configuradores da responsabilidade civil na reconvenção. Inconformismo manifestado pelo autor-reconvindo, em contrarrazões, que não pode ser apreciado, diante da não interposição de apelo. Sentença mantida. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO."(v.21829).  (processo número 2 -0197076-09.2012.8.26.0100)

Importante ressaltar que nem sempre o seguro de responsabilidade civil do síndico cobre casos como esse acima. 

Caso a conduta discriminatória comprovada tenha partido de um funcionário do condomínio, o mesmo pode ser desligado por justa causa

Se for o síndico a se comportar dessa forma, pode-se convocar uma assembleia, com um quarto dos condôminos ou quem tenha esse direito previsto na convenção, e destituí-lo.

Exemplos de situações de preconceito

- Veja jurisprudência sobre o assunto

- Conheça casal que recebeu R$ 10.200 de indenização devido a registro no livro de ocorrências

- Saiba mais sobre etiqueta em elevadores

- Veja jurisprudência sobre o tema aqui, aqui e aqui

Como agir?

Caso uma pessoa se sinta discriminada racialmente ou devido a sua orientação sexual, o ideal é procurar a polícia e registrar um boletim de ocorrência. Caso haja perigo, pode-se ligar para o 190 (polícia militar) ou ainda para o Disque 100 (Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos).

Fontes consultadas: Marcelo Gil, diretor da ONG ABCD’S, Rodrigo Karpat, advogado especialista em condomínios e colunista do SíndicoNet, Alexandre Marques, advogado especialista em condomínios e colunista do SíndicoNet, Pedro Cunha Neto, tenente da Polícia Militar de São Paulo, André Junqueira, advogado especialista em condomínios, Rosana Dias Figueiredo, advogada cível