05/11/18 01:25 - Atualizado há 5 anos
Gabriel Huberman Tyles*
Na vida em condomínio, como se sabe, o síndico é quem poderá responder, pessoalmente, pelos eventuais danos causados pelo condomínio a terceiros, tanto na seara cível, quanto na esfera criminal.
De fato, a responsabilidade do síndico é enorme e as suas tarefas são intermináveis.
Cabe ao síndico manter o controle das contas bancárias do condomínio, contratar empresas de limpeza e outros fornecedores, selecionar funcionários, decidir se haverá, ou não, terceirização de serviços, efetuar o pagamento de tributos e contas, convocar as assembleias previstas em lei, etc.
Assim, para facilitar a vida do síndico, existem as administradoras de condomínios, as quais, uma vez contratadas pelo próprio síndico, poderão efetuar quase todas as tarefas, sempre mediante decisão final do síndico.
Desta forma, deve haver entrosamento e confiança entre o trabalho desenvolvido pela administradora e o síndico. Os condôminos, é certo, também desempenham um papel importante de fiscalização do trabalho de ambos.
Como se vê, o síndico tem um papel fundamental e de enorme responsabilidade na vida em condomínio, pois, como já dito, cabe a ele, além de outras tarefas, o controle da conta bancária do condômino.
Dentro deste contexto, lamentavelmente, um crime que pode ocorrer no âmbito dos condomínios é o crime de estelionato, isto é, o delito popularmente conhecido como “171” (“um sete um”).
O delito de estelionato está localizado no capítulo dos crimes contra o patrimônio do Código Penal, pois, assim como os crimes de “furto” ou o “roubo”, a conduta tem por objetivo atingir o patrimônio alheio (seja o de pessoas físicas, seja o de pessoa jurídicas).
O estelionato, basicamente, ocorre quando o agente faz uso de um meio fraudulento qualquer, que acaba levando a vítima a erro, provocando, de um lado, “prejuízo” para a parte ofendida e obtenção de “vantagem ilícita” para o estelionatário.
Apenas para que se compreenda a questão, o artigo 171, do Código Penal Brasileiro estabelece o seguinte:
Art. 171: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.
Pena:1 (um) a 5 (cinco) anos e multa.
Como exemplo clássico de conduta que se encaixa no crime de estelionato, está o agente que finge ser proprietário de uma loja de carros, recolhe o dinheiro da vítima, prometendo-lhe entregar o bem almejado, e desaparece .
Trata-se, pois, de um verdadeiro “golpe” contra o patrimônio alheio.
No âmbito da vida condominial o estelionato pode ocorrer em diversas situações.
Imagine-se, por exemplo, um síndico que, a pretexto de contratar uma empresa de segurança por R$ 10.000,00 (dez mil reais) mensais, entende por bem combinar o pagamento de apenas R$ 5.000,00 (cinco mil reais) mensais, acabando por “embolsar” os outros R$ 5.000,00 (cinco mil reais), mediante um recibo de pagamento falso apresentado, pelo próprio síndico, ao condomínio.
Ou seja, o recibo de pagamento mostra R$ 10.000,00 (dez mil reais) pagos à empresa de segurança, quando, no entanto, o pagamento foi de apenas R$ 5.000,00 (cinco mil reais), de tal modo que o síndico, fraudulentamente, acabou embolsando os R$ 5.000,00 (cinco mil reais) remanescentes.
Evidentemente, o síndico manteve a administradora e os membros do conselho consultivo em erro, pois, ao analisarem a pasta de prestação de contas, tudo estava em ordem.
Seja lá qual for o “esquema” utilizado para perpetrar o estelionato e manter em “erro” o condomínio, todos que participarem da empreitada criminosa, poderão responder pelo delito. Isto é, partindo do exemplo citado acima, se a tal “empresa de segurança” estiver ciente que parte do pagamento está sendo desviada pelo síndico (vale dizer, que há um “pedágio”), seus responsáveis também responderão pelo crime.
Por outro lado, o condomínio, a administradora e até mesmo o próprio síndico também podem ser vítimas de estelionato.
É o que acontece, por exemplo, quando, o estelionatário emite boletos falsos e falsas faturas chegam por meio de “e-mails fakes” ao condomínio e o pagamento é efetivado como se fosse legítimo.
Cumpre mencionar, ainda, que o mero “desvio de dinheiro” da conta do condomínio para a conta do síndico ou de terceiros, pode configurar, ainda, os crimes de “furto qualificado” ou a “apropriação indébita”, a depender do caso concreto.
A diferença entre o “furto qualificado”, o “estelionato” e a apropriação indébita está no verbo descrito pela lei penal. No estelionato o agente “obtém” a vantagem ilícita, diretamente das mãos da vítima, já no furto o agente “subtrai” e na apropriação indébita o agente se “apropria” daquilo cuja posse anterior ele detinha legitimamente.
Por vezes, dada a complexidade do “esquema” utilizado para a prática criminosa, é difícil diferenciar os crimes para que se possa tipificá-los corretamente. Em situações que tais, somente o estudo detido do caso em concreto poderá clarificar a questão.
Contudo, diferenciá-los é muito importante, já que as consequências jurídicas são diversas. Com efeito, enquanto a pena de reclusão para quem pratica o furto qualificado é de 4 a 10 anos e multa, a sanção prevista para o crime de apropriação indébita varia de 1 a 4 anos e multa, ao passo que a do estelionato é de 1 a 5 anos e multa.
Além das implicações criminais, o estelionatário também estará sujeito à ação cível, que poderá ser proposta pelo condomínio, com o objetivo de se ver ressarcido do prejuízo sofrido.
É importante observar que, qualquer pessoa poderá levar a notícia do crime para a delegacia de Polícia.
Contudo, induvidosamente, o requerimento elaborado por um advogado costuma surtir um efeito muito mais rápido, prático e eficaz.
Caberá ao advogado criminalista requerer a instauração de um Inquérito Policial para investigar os crimes praticados, narrando as condutas e juntando as provas pertinentes, tudo de forma pormenorizada e organizada.
No curso do Inquérito policial, diversas diligências poderão ser solicitadas, tais como a oitiva de pessoas, a quebra de sigilo bancário do estelionatário, perícia contábil, o sequestro de bens para servir de indenização para a vítima, dentre outras.
Em suma, o condomínio, tal qual se dá com qualquer outra pessoa física ou jurídica, pode vir a ser vítima dos crimes contra o patrimônio descritos no nosso Código Penal, a começar pelo estelionato.
Tal se dá porque, como a vida em condomínio demanda inúmeras tarefas de cunho patrimonial –, como o controle de conta bancária e o pagamento de fornecedores –, não raro pode ocorrer de o sindico, bem como outras pessoas que exerçam aquelas tarefas, acabarem se desviando das suas funções para, dolosa e maliciosamente, avançarem sobre o patrimônio comum dos condôminos. De modo a evitar tais ocorrências, faz-se necessário preservar a lisura e a transparência na relação havida entre o síndico, a administradora e os condôminos.
*Gabriel Huberman Tyles é Advogado criminalista, especialista e mestre em Direito Penal e Processo Penal pela PUC/SP e sócio do escritório Euro Filho e Tyles Advogados Associados.