Atribuições do Síndico

Síndico: Poder político que se faz com liderança e ética

Um dos primeiros condenados pelos ataques em Brasília no começo do ano era também síndico. Matéria reflete sobre grau de influência, poder, liderança e princípios éticos do gestor do condomínio

Por Thais Matuzaki

13/10/23 12:15 - Atualizado há 1 ano


No mês passado, o programa 'Fantástico', da TV Globo, repercutiu o caso de um dos primeiros condenados pelos ataques em Brasília no começo do ano, que por sinal, era síndico de um condomínio em Diadema, no estado de São Paulo.

De acordo com a reportagem, ao longo dos oito anos na gestão do condomínio, o síndico Aécio cometeu diversos abusos contra os moradores.

A repercussão do escândalo fez o SíndicoNet propor esta matéria para discutir a respeito do grau de influência do síndico sobre a comunidade que representa, abordando conceitos de poder, liderança e valores éticos. Confira!

Entenda o caso do ex-síndico preso por atacar Brasília 

Aécio Pereira foi um dos primeiros condenados pelos ataques em Brasília ocorridos em 08 de janeiro de 2023, e terá de cumprir 17 anos de prisão. Antes disso, ele era funcionário da Sabesp há mais de 10 anos e também síndico de um condomínio em Diadema há 8. 

Segundo a companhia paulista de saneamento, como servidor público Aécio nunca respondeu por processos disciplinares. Já como síndico acumulou 10 boletins de ocorrência e um processo judicial por danos morais.  

Moradores e conselheiros denunciaram ameaças, perseguições, manipulações, agressões verbais de toda natureza (homofobia, intolerância religiosa, machismo, política, etc) e até furto.

Síndico: Política, influência, poder e liderança

Diante do caso de Aécio, é de se pensar sobre a influência do síndico dentro do condomínio e os princípios éticos que o cargo exige, tal como acontece no mundo da política.

Entre outras definições que constam no dicionário, ser político significa exercer um cargo eletivo. Sendo assim, é inegável que o síndico desempenhe esse papel no condomínio, uma vez que é a partir de uma eleição (votação dos condôminos em assembleia) que ele assume o posto.

Tal como os políticos são representantes do povo, o gestor é o representante da massa condominial, ou seja, da coletividade.

Para Gabriel Karpat, diretor da GK Administração de Bens, essa política, tanto do prefeito de uma cidade quanto do síndico, só faz sentido se for voltada para a comunidade

O filósofo Ives Alejandro Munoz concorda, reforçando que o síndico trabalha para um bem público, dos outros. 

Isso quer dizer que tudo que envolve sua vida privada (opiniões políticas, religiosas, pessoais, etc) pertence a um foro íntimo e deve ser separado da sua vida pública - o que não é nada fácil, pois os valores cultivados em cada uma destas esferas são completamente diferentes. E, para piorar, tudo anda um pouco distorcido hoje em dia.

Antigamente, por exemplo, era comum ouvir pais ou responsáveis pelas crianças falarem coisas como "vão brincar na rua, aqui em casa está muito limpo para fazerem bagunça e sujeira".

Segundo Ives, essa fala dá a impressão de que lá fora pode ser feito o que quiser, mas dentro de casa não, no entanto, é exatamente ao contrário. A vida pública tem muito mais limites do que a vida privada, justamente pelo viver em coletivo.

"Você quem dita as regras dentro de casa. Posso deixar toalha no chão, chinelo jogado...mas lá fora não, é um espaço público, que vai exigir alguns pilares de valores coletivos, como respeito, tolerância, responsabilidade, gratidão, justiça, os quais não têm muito a ver com as opiniões pessoais", explica Ives.  

Para separar a vida privada da vida pública, o síndico precisa sempre se lembrar de que as pessoas têm trajetórias, ideias e visões de mundo diferentes, logo, têm valores distintos também. O gestor não pode achar que todos pensam ou deveriam pensar como ele.

A importância da liderança do síndico

A partir daí, o síndico precisa se educar em relação a isso para, posteriormente, instruir a comunidade a cultivar valores morais mínimos para a corrente social citados acima por Ives. 

“Se as pessoas não pensam como eu, quais são os valores que são comuns entre nós?”, o filósofo sugere o exercício. "O síndico deve entregar esses valores coletivos e nunca as opiniões pessoais, porque são construídas a partir de outros valores", ele acrescenta.

Essa engenharia de aprender sobre vida pública e privada é algo que muitas pessoas não sabem, então, o síndico precisa ser o mentor dessa ideia. Aí que entra seu poder: o da liderança.

Társia Quilião, advogada especialista em compliance condominial, entende ser mais apropriada a ideia de que o síndico é líder. Na opinião dela, essa liderança tem que isonômica, imparcial, voltada ao bem estar daquela comunidade e, o mais importante: inspiradora, para puxar a massa condominial para um movimento positivo

"Não é porque sou uma líder que devo mandar e desmandar, ser intransigente e ditadora. Pelo contrário, é a pessoa que impulsiona os demais, e no caso do síndico, para o bem-estar daquela comunidade", reitera Társia. 

O grande problema é que muita gente confunde essa liderança com o poder, no seu pior estado - uma arma usada para convencer, intimidar, agredir e conflitar. Se não for líder, o síndico tende a se colocar como soberano.

De acordo com Ives, o poder tem uma capacidade muito grande de distorcer visões e desvirtuar as pessoas para um lugar que normalmente elas não iriam. Um exemplo disso está no poder público; os indivíduos eram de um jeito na vida privada e se transformam na vida pública.

Para evitar que isso aconteça, o síndico precisa sempre se direcionar para o bem-estar do coletivo, estando a serviço do outro em primeiro lugar e não dele próprio. 

Dessa forma, as questões individuais da comunidade ficam enfraquecidas e o melhor é que as pessoas percebem isso, a exemplo de discursos como "Eu queria muito que a cor do meu prédio fosse laranja, mas na reunião do meu condomínio escolheram azul”. 

As pessoas começam a entender que o desejo individual delas não pode ser maior que o do coletivo. E aí que está o exercício da democracia no condomínio, em mais um paralelo com a política

"O síndico não é uma pessoa física, e sim um instrumento democrático para o bem-estar coletivo, assim como é um servidor público. Por isso ele tem sempre que estar com essa fala democrática em mente 'Nós estamos fazendo para a coletividade'", salienta Ives. 

O filósofo frisa, ainda, que é arriscado confiar na conduta de uma pessoa, pois ela pode falhar em algum momento. Então, é preciso criar regras por escrito, do que pode ou não pode, para limitar a atuação do agente público, no nosso caso, o síndico. 

Isso vai além das legislações existentes, Código Civil, convenção ou regimento. Estamos falando de Código de Ética e Código de Conduta, conceitos que vamos detalhar mais à frente. 

O que poderia ter sido feito no caso do condomínio de Aécio?

O até então síndico Aécio havia sido reeleito por três mandatos no condomínio de Diadema. Esse cenário fica difícil de entender após tantos relatos dos condôminos referente à postura autoritária e agressiva do gestor. 

Se mesmo assim ele conseguiu permanecer no cargo por tantos anos, isso mostra um pouco a omissão dos condôminos em se envolver com as questões do condomínio.

Até porque, as consequências de manter uma figura como essa no comando do condomínio os afetava diretamente, tanto em relação à convivência (vizinhos se diziam amedrontados) quanto ao bolso - um morador entrou com ação de danos morais contra o condomínio. Condições estas que, inclusive, podem acarretar na desvalorização do imóvel.

De acordo com Társia, os condôminos deixaram a situação chegar ao extremo. Para ela, no advento dos primeiros episódios, valeria uma conversa pacífica com o síndico e nas assembleias em que ele foi reeleito, era o momento das pessoas descontentes manifestarem suas insatisfações, solicitando um tratamento mais cortês por parte dele.

Isso faria constar em ata, o que seria mais um forte argumento para embasar uma destituição, além dos boletins de ocorrências registrados acertadamente. E então os condôminos do prédio de Aécio deveriam ter se organizado para convocar uma assembleia para essa finalidade. 

"E por que não se uniram? Não existia um canal de comunicação entre eles? Não tinham acesso a informação? Por isso que o síndico tem que ser compliance e presar pela transparência, disponibilizando vários meios para que todos possam ter suas demandas, sugestões, reclamações, elogios e críticas chegando até a administração. Não se pode criar obstáculos", sinaliza Társia. 

Nesse sentido, ela acredita que há muitos síndicos no mercado condominial sem a menor capacidade de exercer uma atividade de liderança e de gestão de bens e valores dos outros. Um cenário que só reforça a importância da profissionalização da sindicatura, através de cursos sérios, capazes de aprimorar esse profissional e evitar essas "surpresas".

Na visão de Gabriel Karpat, os condôminos também precisam avaliar os candidatos a síndico não somente pela competência técnica ou capacidade de comunicação, mas sobretudo, do ponto de vista comportamental, inclusive em sua vida privada - o que não é usual. 

"Se avaliarmos síndicos apenas por sua posição social ou formação, corremos o risco de errar na escolha", afirma.

Em muitos casos, o síndico pode até ser um bom gestor, que cuida da manutenção e mantém as finanças em dia, mas peca no relacionamento com as pessoas. Para Társia, esta qualidade representa 70% de uma boa administração, afinal, atualmente, as pessoas estão cada vez mais carentes de atenção.

"Às vezes você vê síndicos pouco capacitados tecnicamente, mas têm uma boa conversa, que escuta a todos, são tranquilos, e isso acaba até os reelegendo. A avaliação de um bom gestor se dá nesses pontos: gestão financeira e das manutenções, trato pessoal e capacidade técnica", ela enumera.

Mais do que saber se comunicar com o exterior, é fundamental que o síndico também reflita sobre si mesmo. Na opinião de Ives, a impressão que se tem sobre o ex-síndico de Diadema é de que ele tinha questões internas mal resolvidas.

"Nessa condição, a pessoa exterioriza isso muitas vezes se utilizando de um cargo com o mínimo de poder, para disseminar radicalismo, extremismo, totalitarismo, intolerância, etc.", expõe.

Retomando a ideia de vida privada e vida pública, o síndico precisa saber separá-las. "Tem que ter a capacidade de analisar quando estiver com problemas pessoais, de modo que isso não interfira no papel dele como profissional. É o que diferencia uma pessoa comum de um líder", aponta Ives.

Assim, algumas virtudes, como vocação, propósito, coragem e diplomacia fazem a diferença em um síndico. 

Em um mercado no qual se dá bastante enfoque em problemas mais palpáveis, como desvio de dinheiro ou falta de manutenção, pouco se fala sobre um síndico antissocial, por exemplo.

"Um gestor autoritário é tão perigoso quanto aquele que rouba, porque ele faz da vida condominial literalmente um inferno, quando na verdade deveria ser ao contrário, afinal, é nossa casa, um lugar para prevalecer a paz", alerta Ives.

Por fim, sem contar os danos ao condomínio em si, com um síndico preso por praticar atos golpistas aparecendo em rede nacional, toda a comunidade condominial, que já tem a imagem marginalizada, é prejudicada também.

Algo que se refletiu inclusive na própria Sabesp, que teve seu nome vinculado ao escândalo e foi pressionada a demitir Aécio, e por justa causa, mesmo sem que ele tenha cometido algum ato indisciplinar dentro da companhia. 

Mas no meio disso tudo, Társia enxerga um ponto positivo. "Esse tipo de repercussão é uma oportunidade de enaltecermos os bons profissionais, para tentar esvaziar cada vez mais aqueles que são despreparados", declara. 

Código de Ética e Código de Conduta em condomínios

Como enunciado brevemente acima, estabelecer regras por escrito, limitando a atuação das pessoas que ocupam algum cargo de poder, é essencial para se resguardar contra irregularidades e lembrá-las de algumas questões que parecem muito óbvias - mas estão esquecidas.

"Existem alguns acordos que são verbais, mas outros são tão importantes que precisam estar escritos para que não reste nenhuma dúvida", Ives justifica.

Claro que um condomínio já está submetido a inúmeras legislações, como Código Civil e outros dispositivos internos como convenção, regimento interno e decisões assembleares.

Porém, existem outros documentos mais específicos, que podem se somar a eles, a citar o Código de Ética e o Código de Conduta. São instrumentos que foram muito bem difundidos no mundo corporativo, através de programas como ESG (governança) e Compliance.

A principal diferença entre Código de Ética e Código de Conduta é que o Código de Ética é um conjunto dos valores morais que guiam determinado ambiente, enquanto o Código de Conduta é um conjunto de atitudes aceitáveis ali. 

Código de Ética 

Para falar de Código de Ética, é necessário abordar o que de fato significa "ser ético". Para Társia, trata-se de uma característica de caráter pessoal, portanto, nenhum curso ou regulamentação é capaz de ensinar a ser ético. Ou você tem ou não tem. Não é um conceito relativo, é uma constante", define. 

Paulo Musa, em seu artigo sobre compliance publicado no SíndicoNet, traduz a ética como um conjunto de regras e preceitos que medem o nível moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade.

Sendo assim, abaixo seguem alguns exemplos do que um Código de Ética pode abordar. Trata-se especificamente do síndico, mas também pode ser feito para o condomínio num geral, incluindo funcionários, moradores e prestadores de serviço. Vamos lá: 

Em resumo, o Código de Ética é um documento que determina qual o perfil daquele gestor que vai cuidar do condomínio, qual o perfil dos colaboradores que ali vão atuar, qual o perfil das empresas que vão prestar serviços, enfim, tudo o que é repudiado por aquela comunidade condominial.

"Um Código de Ética bem redigido e robusto consegue blindar o condomínio da atuação nociva de um síndico, por exemplo", defende Társia.

Código de Conduta

O Código de Conduta está relacionado ao comportamento de uma pessoa, como ela se comporta em um espaço público. São comportamentos considerados saudáveis para a coletividade, tem muito mais a ver com essas questões práticas do dia a dia, tais como:

Ives Alejandro Munoz acrescenta que contar com esses códigos é ainda mais válido se as pessoas assinarem os documentos. "O condomínio fica seguro, pois tornam-se mecanismos de salvaguarda, todos cientes dos limites e não mais um cheque em branco", finaliza.

Agora que você já aprendeu tudo sobre o papel político e de liderança do síndico através de princípios éticos, que tal rever a série de vídeos sobre virtude, felicidade e propósito de vida do síndico. Clique e inspire-se!

 

 

 

 

 

 

 

Fontes consultadas: Társia Quilião (advogada especialista em compliance condominial), Ives Alejandro Munoz (filósofo) e Gabriel Karpat (diretor da GK Administração de Bens).