08/12/20 10:55 - Atualizado há 4 anos
Quantas boas histórias de festas de Natal e Réveillon o seu condomínio coleciona? Salões enfeitados, moradores vestidos de branco, luzes e música, clima de alegria e fraternidade. Claro, não sem uma ou outra reclamação de som alto ou cantoria do pessoal mais “animado”. Tudo isso faz parte do pacote da euforia de fim de ano.
Até pouco tempo, essas datas entravam na agenda do síndico quase como um ritual para fechar o ano, com medidas de organização e segurança para os moradores receberem seus convidados para as festividades.
O choque de realidade do país, que atinge a triste marca de 175.981 de mortes pela covid-19* e preocupantes 6.534.951 de infectados*, levaria qualquer síndico a se esquecer de acender as lâmpadas decorativas de Natal na fachada de seu condomínio.
Mas não é o que acontece com boa parte dos moradores. Nove meses após o início da quarentena, muita gente quer confraternizar. Por isso o síndico deve se preparar para lidar com esse momento delicado e impedir que o seu condomínio vire um foco de contaminação.
Você vai ler nesta matéria:“A responsabilidade que temos nesse ponto da pandemia, com tantos falecimentos, perdas e sofrimento, é provocar empatia nas pessoas - o que é e sempre foi um desafio. Só o termômetro que subiu alguns graus com relação a isso”, analisa o advogado e especialista em mediação de conflitos Michel Rosenthal.
Diversas regiões constataram o recrudescimento da pandemia, como Acre, Santa Catarina, Minas Gerais e Espírito Santo, entre outros estados. A cidade do Rio de Janeiro é a primeira, com a triste marca de 13.465 óbitos. A capital paulista contabilizou 13.128 mortes.
Na coletiva de imprensa, realizada em São Paulo, no dia 30/11, o governador João Doria informou o recuo do estado paulista da fase Verde para a Amarela. Ou seja, retoma-se o rigor no controle sanitário para barrar o aumento da contaminação, até o dia 4 de janeiro.
“Os dados dos últimos dias sustentam a necessidade de políticas mais restritivas, evitando aglomerações, festas e encontros que estão levando o vírus a circular mais entre a população”, acrescentou o Secretário de Saúde Jean Gorinchteyn, durante a coletiva.
“O síndico precisa ter em mente que este será um final de ano totalmente diferente e que todos terão que se adaptar e rever a forma de comemorar”, sintetiza Silvana Laguna, gerente da administradora Auxiliadora Predial.
Dúvidas povoam a cabeça dos gestores. Flexibilizar ou endurecer as regras de circulação nos espaços do condomínio? Liberar ou proibir a realização de comemorações restritas no salão de festas? E quanto aos convidados, que nesses dias aumentarão consideravelmente a circulação?
O que fazer e como fazer é a questão. Se pudessem passar uma procuração para alguém decidir nesse momento, muitos síndicos passariam! Dá para entender.
É muito difícil lidar com emoções exacerbadas pelo isolamento social e pelo medo da doença. E a pressão pela abertura dos espaços, que já vinha crescendo nos últimos meses, tende a aumentar agora, com a proximidade das festas de fim de ano.Se algum síndico fez isso esse ano é hora de voltar atrás”, aconselha Fernando Fornícola, presidente da administradora Habitacional.
No caso de Alexandre Prandini, síndico profissional, o retorno de São Paulo à fase Amarela acendeu um alerta.
“Soltei uma circular imediatamente para ligar essa informação ao meu manual de abertura de áreas. A ideia era já puxar a atenção para o compromisso com o futuro, dizendo que, se não tivermos cooperação e piorarmos as fases, teremos de restringir os acessos como estávamos no início da pandemia”.
Se não for possível manter o distanciamento necessário entre as pessoas, melhor riscar o salão de festas em 2020. E a explicação, embora exaustivamente difundida pela mídia, deve ser colocada para os moradores da forma mais objetiva possível. E ter a clareza de que todos precisam entender e aceitar, seja o condômino negacionista, seja o irresponsável ou aquele que simplesmente não aguenta mais o fardo da covid-19.
“Covid-19 se transmite pela saliva. Para não pegar essa infecção, o principal é evitar lugares muito aglomerados. Baladas, festas, reuniões com muita gente. As pessoas ficam conversando umas próximas às outras, e acabam mandando gotinhas de saliva cheias de vírus umas para as outras, facilitando a contaminação”, resume o infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury, Celso Granato.
Ao realizar pequenas medidas preventivas de maneira coletiva, é possível proteger a saúde de todos, diz o infectologista Celso Granato.
"Mesmo que você não pertença ao grupo de risco, formado por idosos com mais de 60 anos, portadores de doenças crônicas e pessoas em tratamentos especiais, é fundamental que faça a sua contribuição, não só para preservar a sua saúde, mas também a da sua família e de todos ao seu redor”, avisa o diretor clínico do Grupo Fleury.
Controle a entrada dos visitantes por aferição de temperatura. No caso de identificar alguém com febre, dê sempre a notícia de forma privada e comunique a unidade que ele quer visitar.
Crie uma estratégia de engajamento dos funcionários. Por exemplo, se os funcionários são orgânicos, invista em muita conversa e simulações de problemas, incluindo especialmente o zelador.
“Isso os fará entender a importância da avaliação de visitantes e também da cobrança das máscaras e higiene pessoal dos moradores”, diz Prandini.
Para as empresas terceirizadas, solicite um SLA (Acordo de Nível de Serviço) de treinamento funcional para covid-19. “As mais preparadas já intensificam os treinamentos com a piora do cenário. Mas é sempre bom ter em mão relatórios de treinamentos, até mesmo para divulgação como material de informação aos moradores”, sugere.
Em tempos de pandemia, orientar os moradores para receberem seus convidados com os protocolos de segurança deve ser uma constante. No período das festas de fim de ano, então, a orientação precisa ser redobrada.
A principal é que o número de pessoas seja restrito. Nada de grandes festas e reuniões cheias de gente. A indicação oficial é que o grupo não ultrapasse dez.
As famílias se reúnem para confraternizar no fim do ano e é muito comum receberem parentes vindos de outras cidades ou até países. Mas esse é um risco, alerta o cardiologista e clínico geral Fábio Melega Villela, diretor da Clínica CMA Vida, em São Paulo.
Imagine um familiar que viajou de avião ou ônibus e, durante a viagem, teve contato com uma pessoa infectada. Pode acontecer. Mesmo dentro de casa, grupos heterogêneos se formam e é muito importante saber que isso é um problema”, avalia Villela.
Como é impossível impedir os moradores de passarem as festividades com os familiares, pedir que tomem precauções é necessário. Fornícola, da Habitacional, pondera que, apesar da necessidade, é muito complicado o síndico disciplinar o uso pelos moradores.
“O melhor caminho é a orientação. O síndico deve tentar conscientizar as pessoas dos riscos de grandes aglomerações. As pessoas não devem ficar circulando pelas áreas comuns, por exemplo”.
Uma comunicação efetiva é essencial. “Todas essas orientações devem estar a vista, em forma de cartazes e divulgadas nos meios de comunicação digital”, diz Silvana, da Auxiliadora Predial.
Outro ponto bastante importante, lembra Prandini, é a necessidade de saber sobre moradores diagnosticados com covid. “Conhecer o público e tomar as medidas rapidamente fará toda diferença na assertividade”.
Para isso, crie uma circular comunicando que o condomínio precisa saber para lhe prestar apoio. Isso ajuda a encorajar o morador a se pronunciar sobre a confirmação da doença — de suma importância para os ajustes necessários no condomínio.
Com o agravamento da covid-19 em muitas cidades, o momento é propício para fazer uma revisão de como as áreas e espaços de lazer do condomínio estão sendo utilizados. Porém, são decisões que não podem ser tomadas sozinho. Síndico, conselheiros e moradores precisam pensar juntos.
“Uma pesquisa eletrônica ou uma assembleia virtual embasam bastante a opinião de todos. O síndico precisa mostrar o cenário. A clareza dos fatos em uma pesquisa bem feita é uma maneira de informar os moradores da situação real do condomínio e participá-los da responsabilidade do que será feito”, considera Prandini.
A Lello criou um protocolo de biossegurança para condomínios em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFScar). Veja os pontos principais:
“As crianças podem ter muitas dúvidas. E por isso é importante ser transparente, explicar a situação e os cuidados que estão sendo tomados”, acrescenta o infectologista.
“Uma mediação com este condômino poderá surtir um efeito socioeducativo bastante interessante”, afirma Ana Pretel, advogada e especialista em mediação de conflitos.
Por isso, nada como a boa comunicação para que tudo fique claro, sempre em nome da proteção e do bem-estar da maioria.
“Podem ser comunicados escritos e palestras de conscientização da grave situação de saúde pública que estamos vivenciando. O síndico deverá ser sempre um agregador de pessoas, o primeiro pacificador de conflitos”, reforça.
Há duas ferramentas para serem usadas:
“À despeito de ser um remédio que não me agrada, a punição é uma ferramenta importante a ser empregada - com muita clareza, muita transparência, nenhuma leniência dentro das regras estabelecidas; e depois ir até o fim. Aplicar e cobrar as multas, fazer bem feito para ser exequível. Se a pessoa não paga essa multa, o condomínio entra em juízo para cobrá-la”, explica o advogado Michel Rosenthal.
Para além da gestão capaz de equilibrar proteção e bem-estar, chegará o momento dos questionamentos. Talvez o mundo precise mudar alguma coisa na arquitetura das cidades e suas construções para outras possibilidade de uso, conforme pensa Rosenthal.
E, talvez precisemos encontrar novos jeitos de viver e de conviver. Já estamos sendo desafiados a pensar diferente. Mas, o que temos para hoje é a urgência da conscientização.
“Não é brincadeira. O que deve prevalecer é o bom-senso e a real noção do risco que cada pessoa poderá correr e impor aos seus entes mais queridos dentro de casa”, reforça o dr. Villela.
(*) Todos os números mencionados foram levantados no fechamento dessa reportagem (4/12/20).
Fontes consultadas: Alexandre Prandini (síndico profissional), Ana Pretel (advogada e mediadora), Celso Granato (infectologista Grupo Fleury), Fábio Melega Villela (médico da Clínica CMA Vida), Fernando Fornícola (Habitacional), Jean Gorinchteyn (Secretário de Saúde do Estado de SP), Michel Rosenthal (advogado), Silvana Laguna (Auxiliadora Predial).