08/10/19 07:12 - Atualizado há 5 anos
Vários casos de furtos e roubos a condomínios vêm sendo reportados nos últimos meses com um ponto comum em 75% das ocorrências: falha humana no controle de acesso.
E a culpa não é só do porteiro, não! Tem muito morador que literalmente abriu o portão de entrada do condomínio para o bandido – geralmente jovem, bem arrumado e educado – adentrar e tocar o terror entre a vizinhança. De forma silenciosa e discreta.
Se por um lado os arrastões diminuíram, por outro, os furtos a condomínio, praticados por menores de idade, começaram a ganhar espaço nos últimos cinco anos. A razão? Impunidade.
“Toda autoridade é escrava da lei. Dentro da moderna criminologia, os menores praticantes de furto se encontram no grupo secundário e, no máximo, aplicam-se ações educativas e preventivas”, complementa José Roberto Rodrigues de Oliveira, secretário de segurança urbana da cidade de SP.“As quadrilhas identificaram que furto é a melhor modalidade de crime em condomínios porque o infrator menor de idade não vai preso. Como não emprega violência e nem grave ameaça, este jovem, se pego em flagrante delito, é levado para a delegacia onde se registra a ocorrência, telefona-se para os pais ou responsáveis para ir buscá-lo e é solto”, explica Lauro Athayde de Freitas Neto, diretor da Delta Uno, consultoria de segurança especializada em treinamento a funcionários de condomínios.
Segundo levantamento elaborado pela empresa Delta Uno, as causas de invasões a condomínios estão assim distribuídas:
Anualmente na Grande São Paulo, cerca de 3 mil invasões ou tentativas de invasões acontecem nos condomínios, de acordo com as estimativas da empresa. “Em média, são 80 casos por dia. Em torno de 6% do total de condomínios da região já foram vítimas de furto”, informa Lauro Athayde, da Delta Uno.
Décio Soares Tenório, diretor comercial do Grupo Souza Lima, explica que há dois tipos de quadrilhas que comentem crimes em condomínios.
A primeira é mais especializada, formada por mais de 10 homens, com recursos e inteligência, que miram em um alvo para fazer operação mais bem-sucedida.
Buscam condomínios de alto padrão onde há empresários e estrangeiros. Estes são particularmente atrativos por nem sempre terem conta corrente no País e, por isso, costumam ter dinheiro vivo e joias.
“Essas pessoas caem no ‘radar’ das quadrilhas que armam o assalto. Aproveitam para fazer arrastão nos vizinhos. Eles são profissionais do crime, articulados e com inteligência, pois já tiveram acesso a informações e especialização técnicas e sabem quais são os meios de acesso”, explica Tenório.
De acordo com o consultor de segurança pela empresa SUAT, José Elias de Godoy, em 2009 houve muitos arrastões, ano em que a 4ª delegacia do DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais) passou a investigar os crimes cometidos em condomínios.
“Começaram a mapear e desmantelar as quadrilhas. Houve queda nestas ocorrências e, em 2012, começou a crescer o número de furtos, que representam mais de 95% dos crimes em condomínios atualmente”, diz Godoy.
O furto é cometido pelo segundo tipo de quadrilha, menos organizada. É formada por oportunistas que escolhem condomínios em regiões bem frequentadas, moradores de poder aquisitivo mais elevado, com celulares caros, relógios e joias. “São lugares que oferecem sensação de segurança e não investem em prevenção”, comenta o diretor da Souza Lima.
De acordo com o delegado de polícia na cidade de São Paulo especializado em segurança condominial, Carlos Alberto da Cunha, essas quadrilhas praticam crimes de oportunidade: prospectam condomínios caminhando e observando quais são os mais fáceis de invadir, que oferecem menor risco.
“A esmagadora maioria é jovem, menor de idade, desarmados e entram pela porta de entrada das mais diversas formas, enganando porteiro e aproveitando falha de procedimento. Uma vez dentro do condomínio, verificam nos andares quais apartamentos estão sem ninguém batendo nas portas ou tocando campainha. Vão com ‘pé de cabra’, abrem as fechaduras e cometem furto qualificado por arrombamento”, explica José Elias de Godoy.
EM RESUMO, OS FURTADORES SÃO:
COMO ELES AGEM:
Além dos jovens descritos anteriormente, outro disfarce que vem sendo bastante usado é o do falso corretor de imóveis com um cliente, alerta o delegado Carlos Alberto da Cunha.
“O oportunista que se passa por corretor de imóveis é mais velho, bem arrumado, mostra que tem uma chave, se diz sempre atrasado colocando pressão no porteiro para liberar a entrada sem passar pelo controle de acesso. Se o porteiro não souber que o corretor precisa ter autorização por escrito do proprietário, apresentar documento com foto e CRECI, acaba deixando entrar”, explica Cunha.
Também começaram a pipocar furtos praticados por falsos inquilinos que alugam apartamento usando plataformas digitais de locação. “É difícil de combater porque os criminosos fazem reserva do apartamento com nome falso, apresentam documento falso e entram. É polêmico não só no Brasil, mas em outros países que adotam essas plataformas”, explica Lauro Athayde.
Outros disfarces continuam sendo usados por criminosos. Eles se passam por prestadores de serviços de empresas de telefonia, TV a cabo e concessionárias de gás, luz etc
Os especialistas explicam que a segurança condominial é formada por um triângulo em que cada parte complementa a outra:
“O condômino quer a segurança, mas ‘terceiriza’ a responsabilidade, achando que outra pessoa deve fazer por ele. É um grande erro, pois há coisas que dependem exclusivamente do morador. Quando ele não segue os procedimentos aprovados pelo condomínio e decide agir do seu próprio jeito, quebra-se o triângulo da segurança. Comodidade e conforto batem de frente com a segurança”, alerta José Elias de Godoy.
A indisciplina dos condôminos tem um custo alto: deixa o sistema vulnerável.
“O ser humano hoje está carregado de estresse. O condômino, quando chega em casa, quer encontrar um ambiente seguro e confortável, mas para a sua própria segurança, o acesso não vai ser confortável! Quando há cobrança para seguir o protocolo, eles se irritam e colocam o ambiente em risco”, pontua Décio Soares Tenório, do Grupo Souza Lima.
O consultor Lauro Athayde complementa citando moradores que desestimulam funcionários treinados ao repreendê-los ou ameaçá-los de demissão quando estes exigem que seus parentes e amigos passem pelo controle de acesso. “O condomínio residencial é muito ‘sentimental’. O controle de acesso neste tipo de empreendimento deveria ser igual ao de edifícios comerciais, com controle de entrada, saída e uso de crachá.”
Outra situação muito comum é o “efeito carona”, que esbarra em uma questão cultural do País.
“O brasileiro se sente mal em fechar a porta na cara de um desconhecido com boa aparência, simpático. Quando não conhece quem chega junto no portão, basta educadamente dizer ‘com licença, o porteiro fará o seu atendimento’ e fechar o portão”, orienta Carlos Alberto da Cunha.
Para os condomínios que precisam revisar ou começar do zero um projeto de segurança, confira abaixo as etapas recomendadas pelos consultores entrevistados:
Quando se pensa em investir na segurança do condomínio, há uma forte associação a investimento em tecnologia, parte mais cara do projeto de segurança.
“Muitos síndicos priorizam a aquisição de equipamentos, compra de câmeras, itens para o perímetro e deixam o protocolo de segurança e o treinamento dos funcionários para segundo plano. O custo disso é baixo se comparado à tecnologia e de nada adianta ter os melhores equipamentos e sistemas se quem vai operá-los não souber manusear”, alerta Lauro Athayde.
E como visto no começo da matéria, falha de tecnologia representa 25% das causas de invasões, enquanto os outros 75% incluem falhas humanas relacionada a protocolo e atenção.
“Funcionários precisam sempre estar sendo treinados. Deve ser uma prática permanente, para não entrar na rotina. O protocolo estabelecido tem que ser seguido à risca, não pode ter quebra galho, tampouco cair em julgamento. É que nem piloto de avião: fazer de maneira metódica”, compara José Roberto Rodrigues de Oliveira, secretário de Segurança Urbana da cidade de São Paulo.
Depois da aprovação do protocolo de segurança em assembleia, ser incluído no Regimento Interno e os moradores passarem por treinamento, Lauro Athayde alerta para a fase crítica de implantação. “Os primeiros 30 dias são difíceis. A maioria dos moradores não participa das palestras. Normalmente, é de 5% a 10%, ou de 20% a 30% quando há ocorrência. É uma mudança de cultura e é preciso ter pulso firme, inclusive com aplicação de advertência e multa para quem não cumprir”, recomenda o diretor da Delta Uno.
Para Décio Tenório, compete ao corpo diretivo estipular reciclagem para os moradores de tempos em tempos. “O ideal é que sejam agendadas palestras semestrais e repassem as instruções e as novidades aos condôminos. É difícil garantir a presença de todos, por isso tem que ser estratégico no agendamento, antes de épocas festivas, quando pode aumentar o fluxo de pessoas”, orienta o diretor do Grupo Souza Lima.
Quando um condomínio opta pela terceirização de funcionários que vão cuidar do controle de acesso, o corpo diretivo deve ter o cuidado de avaliar soluções integradas: mão de obra especializada e tecnologia.
A empresa escolhida deve fazer análise prévia do local, ter diagnóstico para extrair dados de fluxo de demanda, estrutura etc, elaborar o manual de procedimentos e planejar uma implantação customizada.
“Há implantações feitas sem conhecimento prévio do condomínio, em que empresas seguem escopos passados pelos próprios condomínios e que não foram desenhados profissionalmente, respeitando o que já vinha sendo feito. Não há planejamento adequado”, alerta Tenório, do Grupo Souza Lima.
Na implantação de condomínios novos, esbarra-se também na questão financeira, já que há muitos gastos iniciais. Um erro é optar pela terceirização mais barata, o que irá desencadear em problemas no futuro.
Quando o condomínio novo ainda tem poucos moradores, com fluxo menor de circulação de pessoas, uma dica de Décio Tenório é determinar que a quantidade de profissionais dedicados acompanhe a ocupação por mais moradores.
Na opinião do diretor do Grupo Souza Lima, funcionários terceirizados devem passar por treinamentos ou reciclagens mensais. “Há modalidades de treinamento in loco, em que o funcionário é acompanhado por um instrutor durante a jornada de trabalho e multiplica a informação, mantendo-o constantemente atualizado e conservando o nível de serviço satisfatório. Caso não seja possível a reciclagem mensal, no mínimo, a cada seis meses o time deve passar por um treinamento mais intensivo.”
O consultor de segurança José Elias de Godoy relembra que as primeiras empresas começaram a atuar com portaria remota há 12 anos.
Muitos condomínios já migraram ou estão considerando a implantação deste sistema por algumas razões, e a principal delas é a financeira, já que a redução de custo com mão de obra pode chegar a 40%. Este pode ser um grande erro.
“A escolha pela portaria remota não pode ser só por questão orçamentária. Tem que haver uma avaliação criteriosa por parte de um especialista que irá dizer se a solução se aplica ao condomínio, se este tem perfil”, alerta Décio Tenório.
Não pode haver falha no sistema de envio de dados, deve-se investir em equipamentos de ponta para fazer o monitoramento, sistema dinâmico de dados com redundância e um bom suporte.
Godoy recomenda ao síndico e corpo diretivo visitar as instalações das empresas para ver o que está por trás, como é feito o monitoramento, checar a estrutura, tecnologia que utiliza, se os equipamentos são de primeira linha, o que fazem em situação de emergência se houver contingenciamento ou pane. “Tudo tem que constar em contrato para resguardo das partes”, complementa.
Se o condomínio tem perfil e decidiu implantar a portaria remota, é necessário haver um treinamento dos moradores sobre os procedimentos, utilização da plataforma, como agir em determinadas situações.
“É mudança cultural. O cumprimento do protocolo de segurança depende 90% do morador. Se o sistema for bom, com protocolo de segurança bem amarrado, mas o morador não for colaborativo, participativo e não seguir as regras, não vai adiantar”, alerta José Elias de Godoy.
O Grupo Souza Lima identificou que quando o projeto de um empreendimento já é concebido contemplando a segurança condominial, os problemas são minimizados.
“O ideal é quando as incorporadoras consultam especialistas em segurança para elaborar o projeto, incluindo a segurança junto com outros aspectos, como estética e atrativos de áreas comuns. Posicionamento de guarita, preparação para infraestrutura onde vai passar todo aparato de tecnologia, cabeamentos, cancelas, eclusas com espaço suficiente. Nem sempre esses itens impactam em custo de construção”, diz o diretor Décio Tenório.
Um problema crônico apontado por Décio Tenório: exposição em redes sociais.
“Há pessoas inocentes que postam lugares que frequentam, como restaurantes e shows, onde compram, dias e horários, expõem seu estilo de vida e isso chega aos mal-intencionados, que vão traçando o perfil”, alerta.
Para ele, uma medida importantíssima é conscientização e orientação principalmente do público de adolescentes, que divulga informações sobre status social e poder aquisitivo, chegando aos ouvidos de quem não deve.
Fontes consultadas: José Elias de Godoy, José Roberto Rodrigues de Oliveira (secretário de segurança urbana da cidade de São Paulo), Carlos Alberto da Cunha (delegado de polícia na cidade de São Paulo especializado em segurança condominial), Lauro Athayde de Freitas Neto (diretor da Delta Uno), Décio Tenório (diretor comercial do Grupo Souza Lima).