11/06/21 04:43 - Atualizado há 5 meses
"Vamo acordar esse prédio, fazer inveja pro povo, enquanto eles tão indo trabalhar, a gente faz amor... " Quem aí não lembra do refrão de "Acordando o prédio", hit de Luan Santana? Na vida real, porém, acordar com gemidos sexuais dos vizinhos do condomínio não tem nenhuma graça.
Os ruídos amorosos estão dentro do extenso rol de barulhos produzidos na vizinhança dos condomínios e são mais comuns do que se imagina - só são pouco falados pelo constrangimento mesmo.
Quem sofre com o incômodo só se manifesta quando os barulhentos extrapolam a razoabilidade, tirando o sossego e trazendo inconveniência social e familiar.
Para o síndico, abordar o vizinho barulhento pode ser tão constrangedor quanto foi para quem registrou a reclamação. E solucionar a questão pode ser simples - como fechar as janelas e "maneirar na empolgação" - ou complexo, como ter que acionar a garantia da construtora por não ter atendido a requisitos de conforto acústico da Norma de Desempenho (ABNT NBR 15.575/2013).
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Desde que o vizinho da unidade ao lado começou a namorar, há pouco mais de três meses, a universitária Olívia*, de 25 anos, e o marido não tiveram mais paz no apartamento em que moram há um ano e meio. Nem para trabalhar, nem para estudar e nem para receber visitas.
"Começamos a ouvir gemidos sexuais, tapas e gritos na hora 'h'. É extremamente incômodo, perturbador, me atrapalha na concentração no estágio e nas aulas. Com a pandemia, eu tenho trabalhado na sala, cuja parede faz divisão com o quarto dele e eu acho que a cama deve ser encostada na parede porque o barulho chega direto", relata Olívia.
É todo dia e não tem hora. Ela conta que geralmente é a noite, quando ela tem as aulas on-line, mas o marido dela, que tem trabalhado do quarto, também já escutou de manhã cedo.
"Falamos diretamente com o síndico porque o rapaz não aparenta ser de fácil diálogo. Tivemos receio de conversar e ele ser agressivo. E, aparentemente, ele não se importou com a notificação, porque os barulhos continuam, já estou indo para a minha quarta reclamação. Ele faz o que quer e não sabe viver em uma pequena sociedade, que é um condomínio", desabafa.
O cúmulo do constrangimento aconteceu quando a avó do marido de Olívia visitou o casal. "Lá pelas oito da noite, a velhinha ouviu os 'gritos' do vizinho. É uma situação bizarra, constrangedora. Estamos tendo o nosso espaço, nossa privacidade invadida."
Além de formalizar as reclamações, Olívia tem colocado música ambiente e usado fones de ouvido para amenizar o barulho perturbador. "Ainda assim eu evito ficar na sala da minha própria casa para assistir TV, porque se o volume estiver baixo, dá para ouvir."
E Olívia não está sozinha na reclamação. De acordo com o síndico do condomínio, Antonio Rafacho Netto, os vizinhos dos apartamentos de cima e de baixo também registraram reclamações. "Todos os vizinhos estão em home office e ouvem tudo. Além do casal, há famílias com filhos adolescentes e se tornou algo constrangedor na vizinhança", diz Rafacho.
O morador é inquilino e vem causando outros problemas, como uso de entorpecentes e circulação sem máscara facial nas áreas comuns. A falta de urbanidade caminha para o típico comportamento antissocial.
"Já notifiquei a proprietária para que tome providências e tentarei uma mediação com ele, antes de partir para multa", diz.
Em outro condomínio, Rafacho conseguiu resolver facilmente em uma conversa franca com o morador, relatou o que os vizinhos estavam passando e perguntou de que forma ele poderia colaborar e tudo se resolveu.
Nos muitos anos em que atende condomínios, foram várias as reclamações de barulhos amorosos que chegaram até o advogado Marcio Rachkorsky.
"É um assunto delicado, mas que pode ser tratado com leveza. Pela minha experiência, mais de 90% dos casos se resolvem facilmente, quando a abordagem é bem feita. Mas os outros 10% são eventos mais graves, com pessoas que deliberadamente fazem o ruído e devem ser tratados pelo jurídico. Ainda há raríssimos casos envolvendo crimes, em que se deve acionar a polícia", explica Rachkorsky.
Gemido sexual é uma infração tal qual outro barulho qualquer e os vizinhos incomodados devem registrar a reclamação nos meios oficiais do condomínio para que o caso seja analisado e tratado adequadamente. Veja as orientações de Rachkorsky:
"Quando a pessoa é abordada do jeito certo, por uma pessoa mais preparada e descontraída, resolve. Normalmente ela não tem ideia de que as pessoas ouviam e passam a maneirar'. Mas deve haver um cuidado na escolha de quem vai puxar essa conversa, com o tom e no momento certo", recomenda Marcio Rachkorsky.
E não precisa necessariamente ser o síndico ou o advogado do condomínio para conduzir a conversa. Pode ser um conselheiro.
"Às vezes o síndico é mais metódico, fechado, não tem perfil para conversa. Mas se um conselheiro é mais liberal, falador, mais leve, cordial, ou que tenha alguma proximidade com o vizinho, ele pode fazer a primeira abordagem", recomenda o advogado especializado em condomínio.
Se o vizinho barulhento não melhorar o comportamento depois da conversa, Marcio Rachkorsky recomenda acionar um advogado.
"Para esse tipo de caso, o ideal é que o síndico e o conselho saiam de cena. O jurídico deve notificar, aplicar advertência e, em casos mais severos, aplicar multa. Quando mexe no bolso, geralmente resolve", diz.
Para situações em que, além de produzir ruído, o infrator abre janela e cortinas, faz questão de se exibir, que os outros assistam, simula masturbação, faz contato visual com crianças ou adolescentes, já não se trata mais de um incômodo e, sim, de um crime.
"É para ligar para a polícia (190). Caberá à autoridade policial tipificar o crime e o caso deve ser tratado na esfera jurídica", orienta Rachkorsky.
A depender da gravidade do caso, o advogado recomenda levar para assembleia extraordinária para dar ciência aos condôminos e, sobretudo, para rotular como comportamento antissocial, em que a conduta é habitual e já se esgotaram todas as possibilidades de conciliação, para aplicação de multa (que pode chegar a 10 vezes o valor da cota condominial) e expulsão do convívio social.
O síndico profissional Sylvio Levy teve um caso marcante, há dois anos, envolvendo um casal complicado, com histórico de não cumprir regras, em um condomínio de perfil mais jovem, padrão elevado, com mais de 300 unidades.
"Os vizinhos (de cima e dos lados) se incomodaram tanto que registraram reclamação de barulhos sexuais. A gerente predial conhecia a esposa, procurou o casal e somente a esposa participou da conversa. Reportou sobre os 'barulhos de intimidade' e a moça se assustou e não recebeu bem num primeiro momento. Mas como ela tem facilidade de comunicação, conseguiu transmitir bem o recado e disse que tinha crianças na unidade de cima", relata Levy.
Para amenizar e não ficar no âmbito pessoal, Sylvio Levy colocou nas telas de avisos um comunicado geral sobre barulho, com várias situações, como uso de salto, conversas, arrastar móveis e 'namoro', para a 'carapuça servir'. "Era algo rotineiro e que a vizinhança não aguentava mais. Resolveu."
Quando se tem suspeita ou convicção de que há um vício construtivo, o arquiteto e vice-presidente de Atividades Técnicas da ProAcústica (Associação Brasileira para a Qualidade Acústica), Marcos Holtz, orienta o condomínio a contratar uma consultoria especializada em acústica para fazer análise. "As medições devem seguir critérios rigorosos para serem bem executadas", alerta.
A ProAcústica fornece uma lista de empresas com o selo Qualilab que comprovaram resultados através de rodada entre laboratórios.
Geralmente a empresa faz uma medição ou ensaio com laboratório no local tanto de ruído de impacto quanto de aéreo (leia mais a respeito logo abaixo). "O diagnóstico é feito com essa medição e para cada nível de decibéis tem uma solução diferente. É como se fosse um exame médico", explica.
Quando constata o problema: o condomínio deve mostrar a documentação e solicitar uma verificação da construtora, que provavelmente vai fazer uma medição para se certificar da procedência. O melhor caminho é fazer um acordo com a construtora. A justiça deve ser o último recurso, orienta Holtz.
Se acionar a justiça, um perito será designado para fazer a medição e seguir com o processo. É um caminho mais longo.
Marcio Rachkorsky atendia um condomínio em que os moradores reclamavam da acústica e que escutavam vizinho ir ao banheiro, conversas e, claro, ruídos amorosos. O prédio, então, encomendou um laudo que constatou que a construção estava dentro dos limites mínimos estabelecidos na Norma de Desempenho, descartando a hipótese de vício construtivo.
"O laudo apontava algumas saídas para melhorar a acústica, mas o investimento era alto e tinham outras prioridades. Acabaram deixando de lado", conta o advogado.
O síndico profissional Sylvio Levy passa por problema semelhante em um condomínio atualmente. Há diversas reclamações de barulho, de todos os tipos: de escutar conversas, saber o que o outro faz, 'pisada de elefante' e também os gemidos sexuais.
"Por ter menos de cinco anos, o condomínio está na garantia da construtora. Para acioná-la, as unidades autônomas tiveram que formalizar reclamação de descontentamento com a acústica. A partir disso, a construtora contratou um ensaio acústico com o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) para averiguar se há problemas, não cumprimento de norma etc. Se constatar que trata-se de vício construtivo, a construtora tem que apresentar uma solução técnica", explica Levy, que é engenheiro civil.
Ele tentou promover uma sessão de mediação entre uma vizinha que registrou reclamação de gemidos sexuais contra a unidade com quem divide parede, mas a "reclamada" não aceitou, pois disse que era impossível ser da unidade dela.
"Fiquei de mãos atadas, porque apenas esta moradora reclamou. Para tratar como um problema coletivo, precisava de mais reclamações formais, evidências, histórico, para poder identificar da onde vem e poder encaminhar o assunto. Conversa de corredor, comentários verbais, grupo de whatsapp não adianta", ressalta o síndico profissional.
Marcos Holtz, da ProAcústica, afirma que a ABNT NBR 15.575/2013 - Norma de Desempenho trouxe mudança significativa na maneira com que são construídos os prédios.
"Desde que entrou em vigor, há oito anos, a norma vem sendo verificada e realmente está mudando o mercado, inclusive pelo fato de ter vinculação ao Código de Defesa do Consumidor. Todos os projetos aprovados após julho de 2013 têm obrigação de segui-la", explica Holtz.
RUÍDOS AÉREOS
Segundo o arquiteto, a norma fala que o conjunto parede-laje entre unidades vizinhas deve ter desempenho mínimo para ruídos aéreos (conversas, música, gemidos amorosos, “nhec nhec" da cama etc) de DnT,w >=45 db (decibéis): quanto maior, melhor.
"É atípico o ruído aéreo ser ouvido com dois andares de diferença. O que pode estar acontecendo é do ruído estar sendo conduzido por fossos ou shafts mal projetados ou mal vedados que comunicam unidades. Em casos assim, tem que ver por onde o som vem sendo transmitido", explica o arquiteto com mestrado em acústica.
Ele conta que atendeu um condomínio que tinha poço inglês para ventilação e comunicava as unidades. O isolamento acústico era de apenas 20 dbs e todos os ruídos que eram produzidos no banheiro eram propagados. "Se ficava com a porta aberta, os ruídos provenientes de outros cômodos também vazavam", conta.
A solução foi a instalação de ventokit (ventilação mecânica acionada geralmente quando acende a lâmpada) nas unidades e fechamento das grelhas que davam para o poço inglês. O problema foi resolvido e acústica passou a atender a norma, com desempenho superior a 45 dbs.
RUÍDOS DE IMPACTO
Já para ruído de impacto (arrastar de móveis, andar de salto, martelete, batida da cabeceira da cama etc), o desempenho mínimo a ser atendido é de L’nT,w <=80 db: quanto menor, melhor. Isso já é obrigatório para todos os projetos aprovados nas prefeituras depois de julho de 2013.
Este tipo de barulho se propaga muito facilmente. "A velocidade do som em sólidos (em relação ao ar) é muito alta e pode se propagar bem na estrutura e pode atingir outros andares", explica Marcos Holtz.
No caso do tema desta matéria, os ruídos de impacto seriam mais relacionados ao mobiliário que está preso ou parafusado na parede, ou um móvel planejado com cama aparafusada. Com a movimentação, transmite muito fácil todas as vibrações.
"Às vezes a pessoa que produz o ruído não escuta, mas a vibração da cama passa para toda a estrutura. O ideal é não ter a cama parafusa à parede ou móvel que encosta na parede. E nos pontos de contato da cama com paredes e pisos, colocar uma borracha macia para evitar que tenha choque entre o móvel e as paredes ou piso", orienta o especialista em acústica.
CUIDADO COM A REFORMA
É comum em prédios novos as unidades fazerem reformas e mexerem no contrapiso. O síndico profissional e engenheiro civil Sylvio Levy explica que nem sempre há cuidado no serviço e removem os elementos que fazem o tratamento acústico.
Por exemplo: manta entre a laje e o contrapiso, que inclui uma 'virada' do material no rodapé - é isso que absorve a vibração. "Mas se as pessoas retiram essa proteção, perde-se o tratamento acústico e a garantia da construtora não cobre", alerta.
Segundo o arquiteto Marcos Holtz, da ProAcústica, não tem como medir os ruídos internamente em sua unidade de forma confiável. Deve-se seguir o procedimento para medições acústicas da ISO 16.283 ou ISO 10.052, ambas com normas ABNT NBRs equivalentes em português.
"As pessoas podem até usar aplicativos de celular, mas o microfone do dispositivo é para voz humana e, para os outros ruídos gerados, não existe app confiável para fazer esse tipo de medição", elucida o especialista.
De forma sintética e simplista, para fazer a medição corretamente, é preciso, entre outras coisas:
Há medidas muito simples que podem ser adotadas por qualquer morador de condomínio e sanar - ou pelo menos minimizar - a reverberação dos gemidos sexuais na vizinhança. Confira a lista das boas práticas apontadas pelos entrevistados:
Marcos Holtz explica que a Norma de Desempenho estabelece um desempenho mínimo acústico (45 db) e as construtoras podem optar por atender um padrão intermediário para ruídos aéreos (50 db) ou superior (55 db).
O mesmo também pode ser aplicado para os ruídos de impacto: intermediário é 65 db e superior é 55 db. "É muito melhor, dificilmente se consegue ouvir alguma coisa. Mas as construtoras não são obrigadas. É opcional", reforça.
O condomínio pode optar por fazer uma adequação geral para ter padrão superior. Veja algumas situações e soluções apontadas pelo VP da PróAcústica:
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Fontes consultadas: Antonio Rafacho Netto (síndico profissional), Marcio Rachkorsky (advogado), Marcos Holtz (arquiteto especializado em acústica), Sylvio Levy (síndico profissional e engenheiro civil)