14/05/14 03:34 - Atualizado há 1 ano
O crescente aumento de e-commerce e delivery nos últimos anos vem exigindo dos condomínios aprimoramento na gestão de encomendas e correspondências.
Soma-se a isso a proximidade da Black Friday, dia 24 de novembro, que se consolidou como uma das mais importantes datas do calendário do varejo nacional no Brasil.
Em 2022, em comparação com os meses anteriores, o crescimento foi de cerca de 15% no volume de encomendas recebidas nos condomínios - de acordo com dados do Nok Nox, plataforma de moradia que conecta moradores de condomínios a síndicos, porteiros e prestadores de serviços.
No caso de um condomínio residencial com 328 unidades, por exemplo, a média mensal de objetos registrados na portaria salta de 1.387 para 1.700 na Black Friday. Ou seja, cada apartamento recebe, em média, 5,4 encomendas por mês durante a Black Friday. Fora da Black Friday, esse número cai para 4,2 pacotes por apartamento.
Além de especial atenção, regras claras e cautela por parte do condomínio, nos últimos anos foi mais do que necessário o estabelecimento de novos critérios para organizar as entregas que cresceram bastante no período da pandemia.
Em muitos condomínios, a guarita praticamente se transformou em um hub logístico.
Soma-se a isso a correspondência tradicional. Embora haja um forte movimento para a adesão às contas digitais, enviadas por e-mail, é pelo correio que ainda chegam muitas contas, extratos, avisos.
Esses itens importantes devem ser entregues o mais rápido possível aos seus destinatários. Afinal, ninguém quer perder um prazo de pagamento de um boleto, ou pior, saber que um cartão, por exemplo, já foi entregue, mas está ‘perdido’ dentro do condomínio.
Extravio, aliás, é um tema delicado. Dependendo do caso, o condomínio pode ser responsabilizado e ter que arcar com os prejuízos.
Você vai ler nesta reportagem:
O advogado especialista em condomínios Zulmar Koerich fala sobre importantes aspectos legais na gestão de encomendas e correspondências em condomínio.
“O recebimento de encomendas e correspondências por parte de prepostos do condomínio, em nome dos condôminos ou do próprio condomínio, exige a adoção de logística compatível com a importância dos atos, sob pena de responsabilidade civil pelos danos causados, e, em alguns casos, até mesmo criminal”, explica o advogado.
Assim, é de fundamental importância que se estabeleçam regras por escrito no regimento interno do condomínio, fruto da participação e decisão dos condôminos em assembleia, para legitimar o procedimento a ser implementado.
“Não deve ser produto dos usos e costumes, mas de regras expressas, claras e de observância obrigatória. Sem limitações formais à direitos e obrigações, o condomínio estará diante de uma terra ‘sem leis’, com espaços para os famosos ‘jeitinhos’, em que inevitavelmente todas as responsabilidades recairão sobre o condomínio”, alerta Koerich.
A síndica profissional e professora SíndicoNet Experts Taula Armentano compartilha orientações para aprimorar os processos de gestão de encomendas nos condomínios organizar no vídeo abaixo:
Geralmente o correio entrega a correspondência de uma só vez, uma vez por dia, no condomínio. Em empreendimentos menores, é comum que a divisão e distribuição de cartas sejam feitas pelo zelador ou porteiro.
Estima-se que em um condomínio de pequeno porte essa tarefa tome cerca de uma a duas horas diárias do profissional.
Em condomínios maiores, geralmente as cartas comuns são destinadas aos escaninhos ou caixas de correspondência de cada unidade. Então, quando desejarem, os moradores podem ir ao local e retirar sua correspondência.
Zulmar Koerich cita que, além dos procedimentos regimentais, os condomínios devem se atentar para os aspectos legais das correspondências enviadas pelos Correios. De acordo com o artigo 22, da Lei Postal 6.538/78:
Os responsáveis pelos edifícios, sejam os administradores, os gerentes, os porteiros, zeladores ou empregados são credenciados a receber objetos de correspondência endereçados a qualquer de suas unidades, respondendo pelo seu extravio ou violação.
Segundo Zulmar, não restam dúvidas de que os funcionários do condomínio são legitimados a receber em nome dos condôminos mercadorias e correspondências a eles endereçadas.
“E, em caso de perda, extravio ou apropriação indevida por parte destes, a responsabilidade recairá sobre o condomínio para reparação civil, conforme o Código Civil”.
Caso a carta seja registrada, ou um telegrama ou citação judicial, o trâmite é diferente. O ideal é que o porteiro ou zelador protocole as correspondências desse tipo e que os moradores assinem ao receber o material.
A entrega deve ser feita em mãos – seja na unidade, na portaria ou na sala do zelador. Assim, fica mais fácil controlar o que foi entregue de mais importante, além de ser uma segurança a mais para os funcionários responsáveis.
Esse tipo de livro de controle e protocolo de recebimento antigamente era feito em cadernos em papel e pode ser facilmente encontrados em papelarias. Atualmente, é recomendado que esse processo seja feito por meio de soluções digitais, aumentando a segurança e o controle sobre as informações.
Mas e em condomínios de grande porte, com duas torres ou mais, ou a partir de 90 unidades?
O volume de correspondência é enorme, e o grau de exigência é o mesmo: o esperado é que as cartas cheguem às caixas dos moradores no mesmo dia.
Para se ter uma ideia, em um condomínio com 5 torres e aproximadamente 300 unidades, o volume diário de correspondências pode chegar a 1.500 cartas.
Nesse tipo de cenário, seria irreal pensar que o zelador, sozinho, conseguisse fazer a separação desse material e ainda cuidar de todas as outras tarefas de sua função.
Por isso, em grandes empreendimentos, o ideal é haver um funcionário encarregado apenas dessa função, que haja um local destinado para a triagem da correspondência, evitando perda ou extravio dos itens.
Depois de organizadas, as cartas devem então ser encaminhadas aos escaninhos de cada morador.
No caso das correspondências que necessitam de registro identificando o responsável pelo recebimento, a logística é a mesma que em condomínios menores: com protocolo, agora disponível em versão digital.
Em condomínios com serviço de mensageria, as cartas são entregues de porta em porta.
Em alguns condomínios, o trabalho de separação e organização de correspondência não é feito internamente. Isso porque o próprio carteiro consegue entregar as cartas destinadas aos condôminos, quando o empreendimento conta com caixas de correspondência.
Há condomínios que conseguem fazer essa adaptação em sua estrutura, justamente para agilizar a entrega do material no condomínio. Em alguns casos, há espaço até para revistas. Apenas os jornais é que são entregues na portaria e encaminhados para as unidades, por serem mais volumosos.
As cartas que necessitem de assinatura também devem ser entregues ao profissional da portaria, com protocolo.
De acordo com a síndica profissional Karina Nappi, toda encomenda, seja de lojas ou de visitantes que são deixadas nos condomínios que ela atende são registradas antes de comunicadas aos moradores, com dia, horário e, se possível, o nome da empresa/pessoa que deixou.
Aplicativos para condomínios podem facilitar a gestão de encomendas devido à segurança, praticidade, transparência e agilidade na comunicação com os condôminos. A ferramenta emite alertas no celular do morador, rastreáveis para fins de controle e relatórios. E também digitaliza o processo de assinatura no recebimento.
“Nos condomínios com o aplicativo homologado, o morador é informado da chegada de uma encomenda pelo sistema e não mais pelo interfone, e as pessoas vão retirar na portaria ou no administrativo”, relata a síndica profissional.
Joaquim Venancio, fundador do Nok Nox, aplicativo gratuito para portarias de condomínios, explica como o aplicativo funciona.
“O app envia um aviso ao morador no momento em que a encomenda é cadastrada pela equipe da portaria, com um código de segurança que só o morador tem para retirar a encomenda e, desta maneira, realizar a assinatura eletrônica do recebimento. Esse processo dispensa a necessidade de assinatura no livro de protocolo de papel”, diz Venancio.
Para condomínios a partir de 200 unidades, com perfil de público jovem muito acostumado com e-commerce, o síndico profissional Sylvio Levy recomenda a contratação de empresa de gestão de encomendas.
Ele implantou o serviço com um posto de atendimento em um condomínio com mais de 300 unidades. Como funciona:
O custo, neste caso, é de R$ 5 mil/mês. Precisa aprovar como despesa ordinária em assembleia por maioria simples, explica Levy.
E quando chega aquela encomenda grande ou de valor elevado, como eletrodomésticos, colchões, móveis e afins? Os especialistas entrevistados alertam para a questão da responsabilidade pela guarda.
O advogado Zulmar Koerich esclarece que se não houver expressamente limitações regimentais, o condomínio tem a obrigação de guarda, seja a encomenda pequena ou grande.
“Havendo perda, extravio ou danos, o condomínio será responsabilizado. Por essa razão é fundamental estabelecer limites de tempo de permanência e tamanho/volume do objeto, desde que estes limites sejam razoáveis”, orienta.
E o que é ou não é razoável? Zulmar exemplifica que não é razoável que o condomínio tenha que receber e guardar objetos como um sofá, geladeira ou mobília.
“Nestes casos, o próprio condômino deve recebê-los e guardá-los em sua unidade de apartamento. Entretanto, essas limitações devem estar expressas nas regras internas do condomínio”, reforça.
Karina Nappi conta que nos condomínios em que é síndica, os moradores têm que autorizar a entrega no momento que as encomendas chegam e, depois de passar pelo controle de acesso, o prestador pode subir e entregar na unidade.
Caso o morador não esteja, a mesma pode ser recebida e fica guardada para a retirada dentro de um prazo de 24 horas. “Se não vier dentro do prazo, é advertência e multa, conforme consta em regimento interno”, diz.
Já para Luiz Urra, gestor da área de atendimento a condomínio de São Paulo da administradora Auxiliadora Predial, o condomínio não pode ser responsável pela guarda de itens volumoso, delicados ou caros, como eletrodomésticos.
“Não se pode dar um 'jeitinho’ de deixar em salão de festas, depósito e vaga de garagem. A prática de deixar a chave para o zelador receber também não é uma boa. Se aparecer um arranhão, sumir etc o condomínio não pode se responsabilizar. Se o morador não está em casa, a nossa recomendação é não receber. O condômino precisa colaborar também”, opina Luiz Urra, da Auxiliadora Predial.
Ele ainda recomenda que o morador avise sobre a entrega com antecedência. “É de bom tom avisar ao condomínio sobre a chegada de uma encomenda de grande volume 48 horas antes. É como se fosse um agendamento de mudança. Dependendo do tamanho do item, é necessário colocar as proteções no elevador.”
E que tal deixar as encomendas dentro da portaria mesmo?
“As guaritas não foram projetadas para armazenamento. Se o morador não busca logo, fica tudo empilhado. Podemos ter problemas de ambiente insalubre para os funcionários”, considera Sylvio Levy.
Se o seu condomínio não tem regras relacionadas às entregas em regulamento interno, faça uma assembleia para deliberar sobre o assunto e divulgue-as amplamente, recomenda Luiz Urra.
Você também pode acelerar o tempo de recebimento com notificações no celular do morador.
Em condomínios com portaria remota, a própria empresa prestadora do serviço já tem um procedimento e o condomínio deve disponibilizar um espaço específico para que o carteiro coloque as correspondências, informa Luiz Urra. A distribuição é feita pelo zelador ou outro funcionário encarregado da tarefa.
Quanto às encomendas, Karina Nappi explica que o recebimento deve ser das 8 às 18 horas pelo zelador, manutencista ou auxiliar de serviços gerais - ou enquanto houver funcionários trabalhando.
O procedimento para retirada é idêntico ao de portaria presencial: mediante assinatura em protocolo. Geralmente condomínios com portaria remota trabalham com horários específicos para atender a todos.
A adesão aos lockers, ou armários inteligentes, já era tendência e, com a pandemia, muitos condomínios tiraram a ideia do papel e implantaram o projeto, que cai como uma luva no atual cenário por vantagens, como:
Um levantamento de buscas feitas no CoteiBem, marketplace do SíndicoNet para cotação de serviços e produtos para condomínios, mostrou um crescimento expressivo nas pesquisas por lockers ou armários inteligentes.
Até então eram pouco ou nada utilizados antes da pandemia, as buscas aumentaram mais de 2.000% no período.
Segundo Luiz Urra, a cada 10 condomínios da sua carteira de clientes, 2 têm armários inteligentes. “Poderia ter mais condomínios com locker, mas esbarra em questão financeira e espaço físico. Qualquer entregador sabe usar, virou padrão. O morador é notificado pelo aplicativo e busca quando for mais conveniente.”
Quando uma encomenda é alocada no armário inteligente pelo entregador, o morador é notificado em seu celular (aplicativo, SMS, e-mail, whatsapp) para fazer a retirada.
Embora não haja um livro de protocolo de recebimento dessas encomendas, o advogado Zulmar Koerich informa que ainda haverá responsabilidade de guarda por parte da empresa ou condomínio mantenedor do sistema, acerca dos objetos alocados nos armários inteligentes até seu recebimento.
“Isso torna o serviço bastante semelhante ao contrato de depósito, previsto no artigo 627 a 652 do Código Civil”, explica Koerich.
Os armários inteligentes podem ter diversos tamanhos e existem modelos térmicos, para armazenar alimentos, e opções para roupas/lavanderia.
Sylvio Levy relata que há mais de quatro anos uma empresa de delivery de comida instalou os lockers térmicos em um condomínio comercial em que ele é síndico, em um espaço livre do lado de fora do prédio, sem qualquer tipo de contato entre entregador e cliente.
Há três anos, a mesma empresa instalou os armários em um condomínio residencial com 276 unidades em uma parede externa grande e funciona muito bem.
A síndica profissional Karina Nappi relata que um condomínio com mais de 200 unidades que administra é equipado com sistema de estufa e refrigeração desde a implantação.
“Quando chega um delivery (já pago) com comida quente, vai para a estufa, e se é gelado, vai para o sistema refrigerado. A mensageria entrega nas unidades na sequência para não estragar ou fica armazenado para quando o condômino chegar”, explica Karina.
Sylvio Levy relata que também instalou dentro de um de seus condomínios lockers de uma lavanderia. Como funciona:
Deixar de receber uma carta por falta de atenção dos funcionários do condomínio é algo extremamente complicado. De acordo com as fontes ouvidas pelo SíndicoNet, o normal é que isso aconteça no máximo duas vezes por ano, em um residencial de médio porte.
Se a situação começar a se tornar corriqueira, vale conversar com os funcionários da área e tentar descobrir se há algo de diferente acontecendo, ou se o volume de trabalho aumentou de repente.
Oferecer reciclagem também pode ser uma alternativa aos funcionários da área para melhorar o desempenho.
Se você utiliza uma solução digital, o risco de extravio por falta de atenção de um funcionário é bem reduzido, pois todas as correspondências estão registradas no sistema e o morador recebe lembretes automatizados até que ele retire a correspondência.
Sempre que houver um extravio, o morador em questão deve registrar sua queixa no sistema ou livro de ocorrências, além de conversar com o zelador. Assim, ficam todos cientes do acontecido e providências podem ser tomadas para reverter a situação.
Vale lembrar que o condomínio, e por consequência, o síndico, é responsável pela entrega correta de correspondência aos moradores, que, caso se sintam lesados por uma perda ou extravio de cartas ou entregas, podem acionar o condomínio judicialmente.
O advogado Zulmar Koerich cita uma ação de indenização por danos materiais e morais contra um condomínio edilício, em 2018, onde houve extravio comprovado de correspondência contendo joias e talonários de cheques endereçados a um condômino.
No caso de violação de correspondência, além de responsabilidade civil, o advogado Zulmar Koerich explica que a pessoa que praticou o ato poderá ser responsabilizada criminalmente, nos moldes do artigo 151 do Código Penal:
Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Zulmar Koerich explica que, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, as citações judiciais de pessoas físicas ou jurídicas poderão, de acordo com o artigo 248, § 4o, ser realizadas na pessoa do porteiro do condomínio:
“Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente.”
O advogado lembra que também, na justiça do trabalho, muitos anos antes já se considerava válido o recebimento de citações judiciais por porteiros de condomínios, em ações movidas contra o próprio condomínio ou mesmo contra condôminos.
Com a citação válida, tem-se início o prazo para apresentação de defesa nos processos judiciais.
“Imagine que um morador de condomínio seja réu em uma ação e que a citação desta ação tenha sido recebida pelo porteiro que esquece de entregar, extravia ou coloca na caixa de correspondência do condômino (sabidamente pouco visitada), e esse acaba por perder o prazo para a defesa e perde a ação. Quem responderá pelo ato? O condomínio”, diz Zulmar Koerich.
“Segundo o artigo 932, III do Código Civil, ainda que não previsto em norma condominial, o ato negligente praticado por intermédio de preposto (porteiro) é causa suficiente para impor ao condomínio a obrigação de reparação pelos danos materiais e morais sofridos por parte do condômino destinatário”, justifica o advogado.
Por isso, é fundamental que os prepostos do condomínio (porteiros, zelador etc) que atuem no recebimento de correspondências, sejam treinados para identificar correspondências de órgãos públicos, principalmente do Poder Judiciário.
Deve ser mantido sistema de protocolo de recebimento e entrega quase que imediata ou logo após o seu recebimento ao destinatário. “Esses documentos não devem ser deixados nas caixas de correspondências, mas sempre entregues mediante assinatura de recebimento em livro próprio”, orienta Koerich.
Em caso de ausência prolongada do morador destinatário, os funcionários devem ser orientados a não receber tais correspondências já que podem prejudicar todo o trâmite judicial.
No vídeo abaixo, o advogado e professor do curso SíndicoNet Experts, João Paulo Rossi Paschoal, detalha a questão segundo o Novo Código de Processo Civil. Confira!
Se você quiser conhecer um pouco mais sobre soluções digitais e como preparar o seu condomínio para o aumento de encomendas, assista à live do SíndicoNet realizada por Julio Paim, fundador do SíndicoNet, e Joaquim Venancio, fundador do Nok Nox.
Fontes consultadas: Joaquim Venancio (Nok Nox), Karina Nappi (síndica profissional), Luiz Urra (Auxiliadora Predial), Nilton Savieto (síndico profissional), Sylvio Levy (síndico profissional), Zulmar Koerich (advogado).