02/07/18 08:50 - Atualizado há 6 anos
Por Marcelo Meirelles*
Definitivamente, o legislador não produziu, na reforma do Código Civil, uma estrutura segura para a gestão de condomínios, já que essa modificação foi gerada nas décadas de 1960 e 1970, ou seja, já chegou defasada ao século XXI.
Ao tratar da administração do condomínio edilício, define que a gestão será de um síndico, sequer tratando de subsíndicos, e, sem obrigação alguma, o condomínio ‘poderá’ ter um conselho fiscal composto por três membros (condôminos).
Verifica-se, sem grande esforço, que permanece sem qualquer preocupação do legislador o tema da gestão condominial, ignorando, solenemente, o que de moderno há na legislação quando se trata de gestão de bens coletivos, como a gestão participativa e a chamada ‘governança’ corporativa das empresas.
Por certo, a gestão de um condomínio cabe à assembleia, órgão máximo da administração, a qual, EM TESE tem o poder deliberativo, mas conhecemos, todos nós, os grandes dilemas das assembleias gerais, geradas pela falta de tempo dos condôminos, o que gera uma nítida omissão.
Em um condomínio há de se encontrar o modelo ótimo: o custo da cota condominial não pode ser alta o bastante para impedir a liquidez do imóvel ou a sua locação de forma mais fácil.
Por outro lado, tal cota não pode ser insuficiente para arcar com os serviços que se deseja oferecer, muito menos deixando para trás a boa manutenção do prédio.
Esse desafio, nos grandes condomínios, não será eficaz e pleno com o modelo atual disposto na lei civil: ou seja, um síndico, com poderes conferidos pela assembleia geral, quase um déspota, seja ele profissional, morador, pessoa física ou jurídica, jamais conseguirá resolver os complexos problemas de condomínios de grande porte ou dos chamados ‘condomínios-clubes’.
A lei civil, praticamente copiando a Lei Caio Mário (Lei 4.591/64), da década de 60, não atende aos grandes condomínios, quando o que se conhecia como condomínio era aquele prédio de dez ou vinte apartamentos em todos os bairros nas cidades brasileiras, onde, efetivamente, o modelo legislativo atual servia plenamente, pois para prédios pequenos de simples gestão o tradicional síndico dá conta do recado.
Com a expansão urbana em quase todas as cidades, assim como na desmobilização de antigas fábricas (as quais, por questões ambientais, fecharam) onde foram encontrados imensos terrenos (o que não se via nos tradicionais bairros), passaram, as incorporadoras, a criar os chamados ‘condomínios-clubes’, com centenas de unidades, múltiplos serviços, culminando em um novo paradigma, para o qual a lei civil não estava, definitivamente, preparada.
Desnecessário dizer o óbvio: os grandes condomínios e os ‘condomínios-clubes’ são complexos por sua natureza: há um imenso grupo de ‘sócios’ no referido clube, mas, o que torna a tarefa ainda mais árdua é que os sócios moram no clube. Se fosse apenas um clube, esse fato já tornaria complicada a gestão, mas, aqui, os ‘sócios’ são moradores.
Por outro lado, há uma extensa relação entre condomínio com condôminos, condôminos com condôminos, condomínio com prestadores de serviços, condomínio com fornecedores e, em alguns prédios, uma nova relação, muitas vezes mais complexa ainda, a de sociedades empresárias trabalhando dentro de suas instalações, oferecendo seus produtos e serviços aos moradores.
E, como sabemos, infelizmente, concentrar esse imenso orçamento em uma única pessoa, se mostra questão absolutamente preocupante, pois a possibilidade de fraude é imensa: paga-se mais caro pelo que se poderia fazer mais barato.
Gera-se falsa demanda, quando, no descontrole, se paga por algo inexistente. São múltiplos os casos de uso temerário da da verba condominial, pois o poder excessivo dado a um único síndico, é permissividade exagerada, principalmente por terem, tais condomínios, verbas orçamentárias comparáveis a muitos municípios brasileiros.
A gestão desses condomínios não pode ser feita de forma simplista. Há de se ter gerentes para a operação ‘condomínio’, no trato interpessoal; um bom gestor para o ‘equipamento prédio’, conhecedor de todos os seus mecanismos e com um excelente controle de manutenção; assim como necessário um gestor para a parte ‘clube’ e ‘entretenimento’ do condomínio, quando existente tal serviço.
Não se pode acreditar que um único síndico, eleito em assembleia, mesmo sendo pessoa jurídica do setor, em tese ‘com experiência’ no assunto, terá capacidade de realizar uma administração eficaz e proba. As experiências mostram que o ‘déspota esclarecido’, que pode até dar certo em pequenos prédios, não consegue dar conta do recado nos grandes condomínios.
Como dito, a lei civil pensou que a assembleia geral, como órgão máximo do condomínio, poderia resolver todos esses problemas, decidindo, antes, o que comprar, o que contratar, que tipo de serviço prestar, enfim, deliberar, previamente, dentro dos quoruns legais, os destinos do condomínio.
De qualquer maneira, o síndico apenas tomaria decisões que foram previamente discutidas em assembleia. Mas, em grandes condomínios, como se percebe, não há como ‘engessar’ a administração e convocar quase que diárias assembleias para deliberar compras, contratos, ações, enfim, uma diuturna e complexa gama de pequenos e médios atos.
Acaba, tal decisão, caindo no colo do síndico, e, assim, a possibilidade de algo ser feito sem estar em sintonia com o pensamento assemblear e coletivo é imenso.
O modelo atual não serve para os grandes condomínios, é ultrapassado, inseguro e fosco.
Lamenta-se a absoluta falta de um pensamento moderno, pois ignoram a problemática dos grandes condomínios e dos ‘condomínios-clubes’, sem menção para uma proposta legislativa ou um novo modelo de gestão, permanecendo o tripé condômino, assembleia e síndico.
O caos reina nesse segmento, infelizmente, raras exceções. Quando se consegue aquele (já dito) déspota esclarecido, o ‘salvador da pátria’, o jogo é virado por alguns meses, quando, novamente, elege-se pessoa mal intencionada, criando um círculo vicioso da má gestão.
Não se pode, em um grande condomínio, transformar a assembleia em uma roleta, quando apenas a ‘sorte’ de se escolher uma boa pessoa, mesmo empresa ‘renomada’ seja capaz de tornar a gestão um assunto eficaz, e o elemento ‘sorte’ deve deixar de fazer mais parte dessa lógica
Temos exemplos em funcionamento: criou-se um modelo de gestão participativa, com eleição direta, por bloco, de representante para um denominado conselho deliberativo.
Este conselho, formado por vários representantes legitimamente eleitos pelas assembleias de cada bloco, escolhe, dentre os seus, o presidente do referido conselho, que é, de fato, o ‘síndico’, com o múnus de representar o condomínio em juízo ou fora dele. E as decisões são coletivas, sempre por maioria ou com quorum qualificado.
Reduz-se a quantidade assemblear geral (que apenas dá o ‘norte’ da gestão), que seria inviável para a gestão diária, com reuniões constantes desse conselho deliberativo, visando a continuidade da administração.
Não há um único síndico, mas há ‘vários síndicos’, já que uma coletividade maior (como nos grandes condomínios) deve ter mais de um representante, minimizando possibilidades de fraudes e erros.
O formato não é único, mas está pronto e pode ser rapidamente modelado, valoriza-se a propriedade imobiliária.
Em que pese eu ter começado esse artigo criticando a lei condominial, como acredito que tenha ficado entendido, há plena possibilidade legal de implantar tal modelo, não sendo óbice para que vozes discordantes, ou ‘juristas apressados ou desconhecedores do tema’ venham, por rápido, fornecer pareceres equivocados contrários à presente tese.
A solução está em uma assembleia geral onde a mesma deliberará sobre essa forma coletiva, o que dependerá de cada caso concreto, pois condomínios são diferentes, sendo, na base de tal proposta, o artigo 1348 do Código Civil, que peço licença para transcrever abaixo:
Art. 1.348. Compete ao síndico:
(...).
§ 1o Poderá a assembléia investir outra pessoa, em lugar do síndico, em poderes de representação.
Vejam que o referido artigo, em seu parágrafo primeiro, afirma, que, ‘poderá a assembléia investir outra pessoa, em lugar do síndico, em poderes de representação’, e, por previsão legal, a assembleia pode, sem qualquer ilegalidade, definir a forma como a gestão se dará, uma vez que outras pessoas podem ter o mesmo poder do síndico.
Desta forma, de maneira bastante rápida, as assembleias podem decidir que as finais posições da gestão, no critério de compras ou aquisições, assim como contratos com o condomínio, fixando alçadas mínimas em reais (para os gastos), serão definidas de forma colegiada na forma que o condomínio, por sua assembleia, assim decidir.
Por fim, claro como luz solar está o fato de, o ideal, a fim de que não se dependam sempre de decisões assembleares, que a forma final que garanta a estabilidade e a honestidade da gestão deva ser de alteração convencional, ou seja, com ? do total das unidades fixando no termo convencional a forma de gestão, da quantidade de assinaturas e alçadas para compras e contratações, a fim de evitar, como demonstrado, que a decisão seja de apenas uma pessoa.
A proposta é ser moderno: decisões colegiadas, sempre! Ganharemos todos!
Marcelo Alvarez Meirelles é advogado e atua no Rio de Janeiro. Seu e-mail é marcelo@rochameirelles.com.br