13/05/19 06:08 - Atualizado há 2 anos
Você já ouviu falar em Comunicação Não Violenta (CNV)? Muita gente pratica essa metodologia, que nasceu nos Estados Unidos. Tanto é que, hoje, ela é conhecida no mundo inteiro.
Mas o que isso tem a ver com condomínio? A resposta é: tudo.
A forma como nos comunicamos determina muito a qualidade das nossas relações. Só que, volta e meia, as questões do dia a dia nos fazem esquecer dessa verdade tão elementar.
É nesse terreno fértil que nascem as discórdias. A maioria dos conflitos que temos com outras pessoas é causada, principalmente, pela nossa má comunicação, mais do que propriamente pelas diferenças de opinião.
Mas, como a comunicação não violenta pode ajudar em uma situação de conflito no seu condomínio? Vamos explicar melhor esse conceito e trazer exemplos práticos para te ajudar a colocar essa ferramenta em prática.
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De forma simples, a comunicação não violenta é uma abordagem comunicativa “desarmada”, que agrega habilidades de falar e ouvir para que os conflitos entre os interlocutores sejam reduzidos. Portanto, é uma condição natural, que afasta a violência do discurso adotado e estabelece uma conexão consciente por meio da empatia e da compaixão.
Nesse cenário, a CNV atua justamente para modular o tom da nossa comunicação. Pode ser usada como ferramenta nas mais diversas situações - ambiente familiar, corporativo, acadêmico, diplomático e também no condomínio - e por qualquer pessoa. Ou seja, onde houver gente, essa ferramenta pode ser aplicada.
Para isso, é importante se despir do orgulho e deixar de lado as reações. Em outras palavras, é importante que você avalie os seus próprios comportamentos e aprenda a refletir por alguns segundos antes de decidir a melhor ação para o momento, resume a mediadora de conflitos Carina Abud Alvarenga. “Desde que ela esteja disposta a se abrir e a deixar de lado as respostas automáticas, a ideia de culpa e julgamento”.
A CNV nasceu nos anos 1970, pelas mãos do psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg.
Ao conviver na Detroit urbana e violenta, em plena luta contra o preconceito racial, ele foi motivado pelo ideal de criar uma cultura mais pacífica e baseada na empatia.
Sua obra mais importante, “Comunicação Não Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais”, virou uma espécie de bíblia para profissionais ou qualquer pessoa interessada no aprimoramento das relações interpessoais.
“Muitas das habilidades ensinadas pela CNV já são de conhecimento prévio de todos nós, seres humanos. Ao resgatarmos tais competências por meio do processo da Comunicação Não-Violenta, passamos a reformular a maneira pela qual nos expressamos e ouvimos os outros. Isso é transformador”, diz Carina.
Para chegar a esse ideal, Rosenberg foi inspirado por grandes líderes. Entre eles, Gandhi e Martin Luther King Jr. No entanto, ele já se preocupava com as reações violentas desde a sua infância, quando sofreu preconceito na escola por ser judeu e também por ver os conflitos raciais existentes nos Estados Unidos na época.
Por isso, ele passou a se dedicar ao assunto nos anos 1960. Pesquisou o comportamento humano violento em diferentes contextos sociais e criou essa abordagem com o objetivo de construir um mundo mais justo, baseado na cultura da paz.
O processo da CNV foi organizado de maneira a enxergarmos as coisas em quatro passos bem simples. A partir disso, podemos melhorar a nossa comunicação, torná-la mais eficiente, ser mais bem compreendido e também entender melhor o outro.
Para saber exatamente o que fazer, veja os passos da comunicação não violenta. Assim, você poderá aplicar no seu dia a dia.
1º PASSO: OBSERVAÇÃO
Volte o olhar para dentro de si. Pense no fato que motivou o conflito. Procure limpar julgamentos e preconceitos. Então, olhe para a situação, sem uma opinião já formada sobre aquilo.
“Na vida, normalmente vemos uma situação que nos parece estranha e já formamos um julgamento sobre aquilo. Não nos aproximamos do objeto ou da situação, mas já criticamos aquilo com uma opinião”, constata Gleice Marote, Coach, Mediadora e Consultora em Desenvolvimento Humano e Organizacional.
2º PASSO: SENTIMENTO
Perceba o que determinada situação gerou, provavelmente, um conflito. Ainda, veja quais sentimentos foram despertados em você.
Pergunte-se: "o que eu sinto quando lido com essa situação?" A partir da resposta, você começa a desenvolver o autoconhecimento e acha uma saída para solucionar o problema.
“A constituição humana é formada por um pensar, um sentir e um querer. O processo da CNV permite que entremos em contato com essas três dimensões”, descreve Gleice.
3º PASSO: NECESSIDADE
Levante qual é a sua necessidade. Ou seja, pense no que você precisa para resolver aquela situação. Da mesma forma, considere o outro. Coloque-se no lugar dele e tente entender o que o incomoda na situação.
A partir do reconhecimento do seu pensar, sentir e querer, você verá que isso existe no outro também.
Junto com ele ou empatizando com ele, busque o significado desse pensamento que está vivo. Às vezes, são opiniões e julgamentos diferentes sobre uma mesma situação. Muitas vezes, isso nos coloca num conflito.
“Quando acessamos esse lugar do sentimento, podemos nos conectar mais com o outro - ver o impacto que a nossa ação está gerando e o que a ação do outro está despertando em nós”, explica Gleice.
4º PASSO: PEDIDO
Construa acordos, identificando quais capacidades e necessidades estão envolvidas naquela situação. Com gentileza, demonstre o quanto você entende o ocorrido e, principalmente, o lado dele.
Não é uma exigência, como seria num diálogo comum. Na verdade, é algo direcionado ao outro, a partir do nosso sentimento e da nossa necessidade. Porém, sempre com o reconhecimento de que o outro pode dizer sim ou não.
O significado da CNV implica uma série de habilidades comportamentais para ser viabilizada. No total, você precisa ter ou desenvolver essas 7 competências para aplicar os 4 passos da comunicação não violenta:
Todas essas habilidades ajudam a se perceber diante das situações, reconhecendo seus próprios sentimentos. Dessa forma, você consegue definir as melhores reações diante de cada contexto.
No dia a dia do seu condomínio, conhecer os passos da comunicação não violenta e as habilidades necessárias é o primeiro passo para resolver os conflitos entre os vizinhos. Por isso, vamos explicar melhor a partir de alguns exemplos a seguir.
Se pensarmos no dia a dia de um síndico, essa comunicação pode ser utilizada em assembleias, em conflitos individuais (com moradores) dentro do condomínio e em tratativa com funcionários ou prestadores de serviços. Os especialistas separaram dois exemplos práticos de aplicação da CNV no condomínio para você entender melhor. Veja.
CASO 1
Desentendimentos por vagas na garagem foi resolvido com a CNV, por Carlos Savoy:
Em um condomínio, no Bairro de Moema/São Paulo, as demarcações das vagas estavam feitas há bastante tempo. Como não eram vagas fixas, quem chegasse antes pararia nas melhores.
Na última vaga, onde sempre parava um Mini Cooper, existia uma vaga para motocicletas que atrapalhava a saída do carro. Para piorar a situação, a vaga da frente era sempre ocupada por uma caminhonete grande.
SITUAÇÃO: O dono do carro pequeno, sempre ficava mal-humorado pela vaga e parava em cima da vaga da moto. Caso contrário, não conseguia manobrar o carro por causa da caminhonete. Ele já não gostava do dono desse outro veículo devido a essa mesma situação. Porém, o vizinho não sabia desse sentimento dele.
Ocorre que outros vizinhos começaram a reclamar do jeito que o Mini Cooper parava. O síndico mandou uma advertência. Contudo, isso só piorou a situação, pois o dono do carro pequeno foi reclamar com o proprietário do veículo grande, alegando que ele atrapalhava sua saída.
O conflito se intensificou quando o dono do carro pequeno recebeu uma multa por desobedecer as normas do condomínio referente às vagas.
Com o uso da CNV foi possível, facilmente, perceber as necessidades de todos e chegar a uma solução bem simples. A mera inversão da vaga da moto pela do automóvel pequeno (vizinhas) ajudava esse veículo a sair sem problemas.
O síndico simplesmente inverteu a pintura no chão, sem alterar nada. A multa foi cancelada pois o síndico entendeu a situação do dono do carro pequeno.
Por sua vez, o proprietário do Mini Cooper ficou feliz por ter a chance de sair sem problemas. Se contar que todos os moradores ficaram satisfeitos por ganharem uma vaga melhor no prédio.
CASO 2
Esse é um acontecimento com potencial de se tornar uma grande discussão, mas que poderia ser tratado pelo processo da CNV, por Carina Alvarenga:
- Morador: "Assim não é possível... ninguém cuida desse prédio e você (síndico) é incapaz de tomar qualquer atitude!”
A reação habitual do síndico seria a de escutar aquela afirmação, fazer um julgamento (“esse morador é realmente um babaca”) e, possivelmente, começar a se defender daquela acusação.
A partir da CNV, a reação passa a ser a de escutar as necessidades por trás daquelas palavras, que o tiraram do sério, a princípio.
- Síndico: Você está irritado porque tem apreço pelo lugar onde mora e queria que as pessoas também o tivessem?
Note que ele observou a situação e está se colocando no lugar do condômino (buscando empatia)
- Morador: Sim, parece que não há cuidado e atenção com os bens comuns.
- Síndico: Você fica chateado em ver as coisas se deteriorando e gostaria de ter a colaboração de todos para manter o condomínio com uma boa apresentação?
- Morador: Sim, é exatamente isso que eu gostaria.
- Síndico: Qual seria o seu pedido? Quais atitudes você espera da Administração?
- Morador: Gostaria que fossem colocados avisos nas áreas comuns para que lembrassem de não pisar no jardim e para que devolvessem os pesos no lugar após o uso na academia. E que fossem feitas conversas individuais com quem estiver desrespeitando essa solicitação.
- Síndico: Sabe, quando você disse no início que ninguém cuidava do prédio e que eu era incapaz, me senti ofendido e humilhado e não concordei com a sua afirmação. Eu só estou aqui, pois considero esse trabalho importante e sei que as coisas bem cuidadas trazem bem-estar a todos por aqui, inclusive a mim. Gostaria que no futuro pudéssemos conversar mais e que você nos encaminhasse as ideias para contribuir com a manutenção dos espaços.
A conversa entre o síndico e o morador foi possível, graças à aplicação da CNV. A tensão antes presente se dissipou porque ambos perceberam que não eram adversários e o diálogo continuou com várias outras trocas de ideias.
O síndico é, muitas vezes, o alvo das reclamações, como se a responsabilidade de tudo fosse dele. No entanto, existe uma responsabilidade compartilhada por aquele grupo de pessoas que convivem no mesmo espaço.
A Comunicação Não Violenta poderá ajudá-lo a lidar a se posicionar melhor nas questões de conflito. Ao se conectar mais com o outro, também vai ajudar essa pessoa a enxergar a si própria.
“O importante é ele se capacitar. Isso porque tendemos a não falar as coisas do jeito que realmente são. E, quando falamos, agredimos o outro”, diz Carlos Savoy.
O passo a passo, ele completa, está baseado numa comunicação honesta e transparente para não machucar os outros. Além disso, é importante ouvir qualquer coisa dos outros, sem se ofender.
Sabemos que parece simples, mas os conflitos são mais complexos na vida real. Os exemplos que mostramos acima dão uma pista de como as coisas podem ser resolvidas. Ou, pelo menos, de que é possível chegar ao entendimento.
Como tudo na vida, praticar a Comunicação Não Violenta exige preparo e treino contínuo. É um aprendizado constante, porque as relações humanas são feitas de contradições - simples e, ao mesmo tempo, complicadas.
Depois de ver todos esses detalhes sobre a CNV, está na hora de ver as dicas práticas que trarão resultados para o seu condomínio. Listamos as principais a seguir.
1. Tenha clareza na comunicação
Todos os envolvidos no conflito devem ser claros para evitar mal-entendidos. Inclusive, o síndico deve estar à frente desse trabalho, propondo canais de comunicação e ouvindo a todos.
2. Trabalhe o bom senso
O condomínio apresenta várias questões coletivas, que precisam ser tratadas com bom senso pelo síndico. Voltando ao primeiro exemplo, os proprietários do Mini Cooper e da caminhonete poderiam ter sido ouvidos antes da advertência e da multa para achar a solução simples que foi encontrada ao final.
Caso contrário, os ânimos se exaltam ainda mais e o conflito pode aumentar. Sem contar que o síndico pode passar a ser visto como um gestor autoritário e que toma partido de um morador.
3. Construa a empatia
Saber se colocar no lugar do outro é fundamental para solucionar conflitos, entender todas as partes envolvidas e agir da forma adequada. Essa é a maneira ideal de você mediar situações desagradáveis sem tomar um lado.
Afinal, o síndico deve ser imparcial. Para isso, vale a pena ouvir a todos, livrar-se de preconceitos e prejulgamentos. Com a CNV, fica mais fácil chegar a esse resultado.
Agora que você entende o significado da CNV, vale a pena conferir algumas opções para treinar essa abordagem e começar a utilizá-la de forma eficiente. Por isso, listamos alguns cursos, workshops, vídeos e webinars sobre o assunto. Acompanhe.
Cursos e workshops de curta duração:
Vídeos no Youtube:
De toda forma, você já sabe o que precisa fazer para aplicar a comunicação não violenta no seu condomínio e como isso pode ajudar a resolver conflitos.
Fontes consultadas: Carlos Savoy (especialista em mediação de conflitos e especialista em CNV); Gleice Marote (Coach, Mediadora e Consultora em Desenvolvimento Humano e Organizacional) e Carina Abud Alvarenga (Mediadora de conflitos).