04/12/19 03:20 - Atualizado há 5 anos
Por Jaques Bushatsky*
O agenciamento e a celebração de contratos de locação eletrônicos facilitam (é inegável), a aproximação entre locadores e locatários, substituindo os tradicionais anúncios em classificados, na mídia impressa. As coisas mudaram.
Mas esse serviço tem gerado discussões em condomínios sob os mais variados argumentos. É possível a locação, celebrada de longe, por meio de aplicativos, para curtíssimas temporadas?
Sim, afirmam de um lado, os proprietários das unidades condominiais, que tenham tal interesse, pois exercitariam o pleno direito de propriedade e têm o direito de “usar, fruir e livremente dispor das suas unidades”, conforme apregoa o artigo 1.335, I, do Código Civil.
Não, de outro lado, respondem alguns gestores de condomínios residenciais. Segundo eles, os vizinhos reclamam de incômodos, ao sustentarem a necessidade de primordialmente se manter a segurança do próprio edifício e dos seus moradores, apontando contra os locadores que quanto às suas unidades são obrigados a “não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores” (artigo 1.336, inc. IV, do Código Civil).
Podemos ter algumas diferentes situações: a Convenção de determinado condomínio, de forma expressa, prevê e autoriza a locação contratada por meio de aplicativos ou plataformas de intermediação, ou então, proíbe tal prática. Nessas hipóteses, fica afastada, mercê da natureza jurídica da Convenção de condomínio, eventual controvérsia a esse respeito, ao menos segundo o estágio atual da jurisprudência.
Precisamos estar atentos: nada impedirá a evolução da compreensão em sentido diverso do convencionado, bastando a título de exemplo, lembrarmos dos cachorros em apartamentos que, mesmo proibidos pela Convenção, são admitidos pela doutrina e pela jurisprudência, que dão supremacia a valores outros, que não aqueles convencionados. Como se compreenderá o tema daqui a alguns anos?
Hoje, o que tem permitido o surgimento de conflitos é a inexistência, nas Convenções, de cláusula que faça qualquer referência a esse tipo de locação.
É omissão comum na grande maioria das Convenções dos condomínios residenciais, até porque inexistentes ou desconhecidos sistemas, aplicativos, modalidades de contratação, quando constituídos tais condomínios edilícios que, de resto sofrem, impossível esquecer, pela costumeira repetição de textos convencionais, genéricos para que servissem a qualquer situação. Mas, exatamente por isso, nem sempre capazes de enfrentar a operação específica ou de olhar para o evidente futuro e dar abertura às novas situações.
O problema é sério. Com efeito, não se pode negar o impacto positivo do avanço tecnológico, mas também não é razoável ignorar variáveis que acabam desvirtuando formas de usufruir da propriedade privada, principalmente quando interferem nos direitos de outros proprietários. E as Convenções não contêm respostas na quase totalidade das situações.
E, não existe até aqui solução legislativa nova, até porque é mais que suficiente para regrar o tema, o conjunto de normas já existentes, desde que bem aplicado. Porém, mesmo rapidamente e por apego à precisão, é necessário informar que no Senado Federal tramita o Projeto de Lei 2.474/2019, objetivando proibir “a locação para temporada contratada por meio de aplicativos ou plataformas de intermediação em condomínios edilícios de uso exclusivamente residencial, salvo se houver expressa previsão na convenção de condomínio...”.
A aprovação do Projeto criaria imediatamente um problema: pouquíssimos condomínios possuem Convenção regulando o tema; trata-se de omissão por absoluto desconhecimento da questão, e não decorrente de qualquer inteligência ou decisão.
Vai daí, abandonar-se-ia, singelamente, o contemporâneo meio de locar, à míngua de previsão convencional (do que era absolutamente desconhecido ou imaginável quando escrita) ou de quórum em assembleias – ou alguém, em sã consciência, imagina possível reunir, mesmo, tantos condôminos para alterar uma Convenção? Seria o prestígio da marcha à ré: o mundo operando por aplicativos e os prédios, não.
Assim, é fundamental que não se impeça o progresso, mas que se cumpra, sempre, a legislação (no caso, Código Civil e Lei das Locações), respeitando a Convenção e que seja alterada quando assim o quiserem os únicos interessados – os proprietários –, que, para isso, sendo preciso, se altere o modo de administrar ou operar o condomínio, construindo de novos jeitos, sempre aceitando as novas necessidades dos condôminos.
(*) Jaques Bushatsky é advogado; pró-reitor da Universidade Secovi; coordenador da Comissão de Locação do Ibradim e sócio da Advocacia Bushatsky.