09/03/21 04:19 - Atualizado há 3 anos
Por André Junqueira*
Uma das frases mais repetidas no segmento condominial é de que a assembleia do condomínio é soberana.
Essa afirmação é repetida frequentemente por juízes, advogados, administradores, síndicos e, principalmente, pelos próprios condôminos.
No entanto, tal assertiva é correta? Uma assembleia de condomínio é soberana? Qual a extensão dessa “soberania”? Nesse breve trabalho, esses questionamentos serão respondidos.
Primeiramente, o que seria exatamente o adjetivo “soberano”? Soberano é aquele que exerce supremo poder e autoridade, bem como também pode ser entendido por quem detém o domínio sobre algo ou alguém.
Pois bem, para avaliar se uma assembleia é soberana, temos que tentar encontrar sua posição dentro de uma hierarquia normativa do nosso ordenamento jurídico, mesmo que de forma resumida e objetiva.
1º lugar - Constituição, Leis e outras normas públicas
Poder Legislativo e outros órgãos competentes.Constituição Federal, Leis Complementares, Lei Ordinárias, Medidas Provisórias, Decretos etc. em âmbito federal, estadual e municipal.
Naturalmente, existe uma hierarquia entre todas essas normas, mas não daremos enfoque a esse aspecto nesse trabalho.
Nenhuma convenção ou assembleia pode afrontar a constituição, legislação ou normas de ordem pública, sob pena de invalidação (vício de nulidade – artigo 166, geralmente incisos IV a VII, do Código Civil Brasileiro).
2º lugar - Direitos adquiridos pelos condôminos – em decorrência de direitos e garantias preservados
Código Civil, nenhuma convenção ou assembleia pode prejudicar direitos de titularidade de um condômino.Uma assembleia não pode retirar o voto de um condômino sem embasamento legal (art. 1.335, III, do Código Civil), não pode lhe privar de acesso à unidade autônoma (art. 1.335, I, do Código Civil), não pode extinguir vaga de garagem de propriedade exclusiva, dentre outros.
Muito embora nem sempre seja cristalino o limite entre a decisão assemblear e o direito individual, uma vez ultrapassado esse limite, a assembleia está sujeita à invalidação (vício de nulidade – artigo 166, geralmente incisos IV a VII, do Código Civil Brasileiro).
3º lugar - Convenção do condomínio
Tanto por força da Código Civil (Lei Federal nº 10.406/2002) quanto da antiga Lei de Condomínios (Lei Federal nº 4.591/1964), a convenção é que determina a forma de convocação, quóruns e competência das assembleias, além de outros aspectos não definidos por lei (artigos 1.332 e 1.334 do Código Civil Brasileiro).
Isso significa dizer que a assembleia é subordinada à convenção. Contudo, há uma assembleia que pode se equiparar à convenção: a que conta com 2/3 dos votos de todo o condomínio e item de pauta adequado para sua alteração (artigo 1.351, 1ª parte, do Código Civil Brasileiro).
Na hipótese de a assembleia descumprir a convenção, também pode se sujeitar à invalidação (vício de anulabilidade, muito embora alguma doutrina e julgados sustentem que é também um vício de nulidade).
três fontes normativas com mais poder do que as assembleiasalém de ser superior a todos os demais órgãos da administração do condomínio, prestadores de serviço, empregados e demais colaboradores do condomínio.Tendo em vista o que foi abordado no último tópico, já é possível verificar que as decisões das assembleias não são soberanas e podem sim ser objeto de revisão judicial quando contrariarem norma de ordem pública, desrespeitar direito de algum condômino ou descumprir a convenção do condomínio.
nem sempre é simples se concluir que determinada assembleia descumpriu a lei, direito adquirido de proprietário ou a convenção do próprio condomínio, mas uma vez ultrapassado o limite, a assembleia não prevalece perante os demais citados.realizar uma assembleia sem um advogado sérias consequências jurídicas ao condomínio, aos condôminos e aos gestores do condomínio.
Durante a realização da assembleia, um advogado experiente pode alertar a mesa que preside os trabalhos bem como todos os presentes de que determinada decisão pode gerar risco jurídico, retificando o que for necessário antes de qualquer prejuízo seja causado.
A ilusão de que uma assembleia seria soberana é o prelúdio do fracasso da reunião, pois os presentes negligenciarão os cuidados jurídicos necessários que se evite uma posterior rediscussão e invalidação da assembleia em meio judicial.
Alguns problemas podem ficar evidentes ainda durante a assembleia mas podem ser ignorados pela ausência de assessoria especializada, mas a maioria dos problemas surgem depois, uma vez que os que se sentem prejudicados podem mover ações judiciais entre 2 anos (artigo 179 do Código Civil, quando o ato é anulável) ou sem prazo determinado (quando o ato é nulo).
Levando em conta o que foi exposto, pode-se concluir que a afirmação de que a assembleia ou suas decisões são soberanas está bem longe da realidade.
“a assembleia é soberana” é mais repetida como uma forma de tentar se silenciar uma discussão em reuniõesfrase equivocada que carrega grande imprecisão jurídica e gera riscos de impugnação judicial do ato. melhor seria afirmar, genericamente, que “a lei é soberana” ou o “condôminos são soberanos quanto aos seus direitos adquiridos” ou, ainda, mesmo que de forma forçada, que “a convenção é soberana” do que afirmar que a decisão da assembleia é soberana, pois sua “soberania” estaria condicionada aos três primeiros.
Enfim, o adjetivo “soberana” tem sido utilizado de forma inadequada, distorcendo seu real significado quando aplicado à assembleia. Se algo é soberano, pode-se dizer que é a “Lei”, mencionada de forma genérica, englobando a Constituição, Leis Complementares, Leis Ordinárias etc.
(*) André Luiz Junqueira é professor, advogado com mais de 14 anos de experiência e autor do livro “Condomínios – Direitos & Deveres” (www.andreluizjunqueira.com.br). Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Veiga de Almeida (UVA). MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Certificado em Negotiation and Leadership pela Universidade de Harvard (HLS). Professor convidado da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/RJ, SECOVIRio, ABADI, ABAMI e GáborRH. Membro da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário (CDUDI) da OAB/RJ. Membro da Comissão de Turismo (CT) da OAB-RJ. Membro e ex-diretor jurídico da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI). Conselheiro do Núcleo de Estudo e Evolução do Direito (NEED). Colunista dos portais SíndicoNet e Universo Condomínio. Sócio titular da Coelho, Junqueira & Roque Advogados e representa cerca de 10% dos condomínios do Rio de Janeiro. www.junqueiraeroqueadvogados.com.br / contato@andreluizjunqueira.com.br.