24/08/20 11:37 - Atualizado há 4 anos
Por Michel Rosenthal Wagner*
Em nosso cotidiano, continuamos a viver tendo de lidar com uma realidade que, a cada pequeno período de tempo, se transforma. Estamos questionando a saúde mais aprofundadamente e devemos olhar para os aspectos físico, emocional, espiritual e, especialmente, mental, já que temos convivido com diversas (des)harmonias nas comunidades de vizinhança condominial.
Estamos repletos de “não-seis” e de opiniões tão diversas; na ciência, no mercado e na política. Igualmente os síndicos, os corpos diretivos e, no limite, cada indivíduo estamos imersos numa “república de achismos”.
Porém, o recomendado é assumir com humildade os limites dos “não-seis” e conversar. Afinal, esta é a situação que nos acompanhará minimamente até meados do próximo ano.
Nas últimas semanas, uma avalanche de laboratórios e pesquisadores apontando para a vacina a promover a salvação ou quem sabe a redenção da humanidade nos traz uma nova perspectiva.
Compras bilionárias de uma infinidade de produtos para a saúde doente estão sendo realizadas como jamais visto. Um novo mercado global talvez?
Nas cidades, também questionamos a funcionalidade da tipologia urbanística condominial de desenvolvimento e sua construção (como residir, trabalhar e recrear-nos?).
Seja para qual classe social se construa, dos condomínios de poucas unidades, aos bairros planejados e aos conjuntos habitacionais populares, devemos refletir como criar, manter e transformar a realidade. E assim vamos construindo as referências de um novo normal.
Aos condomínios, com o advento da recente Lei nº 14.010, chegam novidades, também, assim, para o cotidiano da administração imobiliária.
A legislação reforça a realidade de sempre, que cada condomínio deve legislar sobre seu território - tanto em relação à flexibilização do isolamento como ao uso das áreas de circulação e áreas comuns. A principal novidade é a possibilidade de nos reunirmos remotamente com segurança jurídica de validade nas deliberações.
No microcosmo de cada condomínio, passamos a tratar as áreas comuns quanto a sua proporcionalidade e sua funcionalidade – mais área privativa, mais área comum?
Também percebemos uma diversidade em relação à ocupação das moradias, com necessidades diferentes - em algumas com gente morando sozinha, e em outras com famílias numerosas, ou mesmo muitas famílias vivendo juntas.
As questões se mantêm. E agora abre e fecha o quê? Como? Igualmente na cidade como um todo, qual é a proporção de ocupação humana dos espaços? Aproveitemos para diagnosticar: há escassez ou abundância na proporcionalidade?
A destinação das áreas privativas e das comuns está sendo flexibilizada. Onde só se podia residir, agora se pode trabalhar e ter aulas. Tudo junto, misturado e ao mesmo tempo. Muitas empresas tendem a continuar o home office até o próximo ano, ou talvez para sempre. Teremos de nos adaptar.
Sob o aspecto territorial a ocupar, o pano de fundo é que não é permitida a aglomeração, porém não o encontro, que continua permitido!
A realidade inclui novas orientações no uso das áreas comuns, o distanciamento social e o cumprimento de protocolos sanitários. O nível de flexibilização do isolamento social depende de cada realidade.
O artigo 11 dessa lei, que foi vetado, previa superpoderes aos síndicos em detrimento até da soberania da assembleia. Assim, as regras de sempre continuam valendo (artigo 1.348 do Código Civil).
Se não fosse vetado, autorizaria-os a restringir, nas áreas comuns e nas unidades imobiliárias, atividades que gerassem aglomeração, aumento de circulação de pessoas e/ou elevação do risco de contaminação e propagação do vírus, tais como reuniões e festas, uso de academia e áreas de lazer, realização de obras não urgentes e, inclusive, a liberdade de ir e vir de visitantes nas suas dependências.
Na realidade eles já tinham estes poderes, e as regras continuam valendo: dever zelar pelo condomínio preservando a saúde, a segurança e o sossego, defender os interesses comuns, a conservação e guarda das partes comuns e cuidar da prestação dos serviços que interessem aos moradores.
Não se trata de uma faculdade, e sim de um poder-dever. De qualquer forma, é importante que o veto não induza a sociedade a achar que o síndico perdeu os poderes que já tinha.
Cada pessoa que ocupa o cargo de síndico vive uma realidade conforme sua cultura, seus medos, os dados filtrados a que tem acesso e, por esta razão, deve chamar o coletivo dos condôminos para conversar.
O que se recomenda é a busca de consensos, em reuniões preparatórias, para dialogar e sem necessariamente deliberar, o que seria feito depois. Isso traz segurança e paz à comunidade.
Já o artigo 12 permite expressamente a assembleia virtual, e esse não foi vetado. A inteligência artificial avança surfando numa grande onda. O que estava emperrado de acontecer virtualmente, mesmo que sempre permitido, embora não regulamentado com segurança jurídica, está sendo concretizado.
No entanto, a inclusão digital versus a baixa participação nessas reuniões e assembleias deve receber atenção especial.
Penso que, no “novo normal”, dentro de algum tempo deverá prevalecer o modelo presencial, com transmissão e participação remotas, e dependendo do caso apenas remota. Mas a questão que se coloca é a necessidade de equipamentos e quem poderá custeá-los. Veremos o futuro em breve.
São obrigatórios o uso de máscaras e a medição de temperatura na entrada e saída do condomínio? Quando se pode dizer que não é permitido entrar? E a obrigação de comunicação de contágio de algum ocupante das unidades em face da discriminação?
Interferências potencialmente agravadoras do risco de contaminação e, portanto, negativas que se podem questionar, entre outras, são: os ruídos, as obras (necessárias, urgentes, emergenciais), mudanças, academias (rodiziadas?), piscinas (o que fazer com os nadadores profissionais?), brinquedotecas (e a saúde mental das crianças?), varandas (meditação? saraus? churrasquinhos?), entregas nas unidades, festas e reuniões nas unidades e nas áreas comuns etc.
É importante ter consciência de que o isolamento social não implica na proibição do uso das áreas comuns, que deverão, assim como em parques e áreas de lazer, ser rodiziadas de acordo com o potencial de uso combinado no coletivo de cada condomínio. Enfim, tudo igual com novos cuidados.
É relevante observar, semelhantemente à menor atenção, que estamos oferecendo a 305 povos indígenas falantes de 274 idiomas nossas sabedorias originárias neste momento tão delicado da pandemia.
Certamente podem contribuir para a criação de políticas públicas de saúde em nosso país, e mesmo na sistemática dialógica condominial. Afinal, condomínio também é tribo, tecido social, e é aldeia.
Finalmente, estamos ressignificando os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança (CC 1.277) e os bons costumes (CC 1.336-IV). O único bom senso recomendado agora é a busca do consenso, aliás, desde sempre.
(*) Michel Rosenthal Wagner é advogado; consultor socioambiental em situações de vizinhança urbana; mediador; professor; palestrante e autor da obra "Situações de Vizinhança no Condomínio Edilício" – Desenvolvimento sustentável das cidades, solução de conflitos, mediação e paz social.