03/09/21 06:32 - Atualizado há 3 anos
"Toda unanimidade é burra". A frase emblemática de Nelson Rodrigues cabe muito bem quando se fala em oposição em condomínio. Assim como na política a oposição é um contraponto importante à situação, fiscalizando, apresentando pontos de vista distintos e novas ideias, na vida em condomínio a oposição pode colaborar de forma construtiva com a gestão.
O problema surge quando a oposição deixa de visar ao bem coletivo e dá lugar a interesses particulares de uma pessoa ou um grupo que busca o poder, vira perseguição ao síndico e deixa um rastro danoso ao patrimônio e à comunidade.
Nesta matéria vamos explicar os limites entre as críticas construtivas e a oposição nociva, como fazer uma oposição saudável e os sinais que ajudam a identificar um grupo mal intencionado e livrar o seu condomínio de ciladas.
Nesta matéria você vai ler:
Sim, é saudável haver oposição em condomínio.
"Não só é saudável, como é necessário existir um grupo de oposição que impulsiona melhorias, faz com que síndicos e conselheiros à frente da gestão não se acomodem, desperta a atenção dos condôminos para com cuidados do condomínio e o respeito às contas", afirma Marcio Rachkorsky, advogado especializado na área.
Oposição é um processo natural de qualquer situação em uma sociedade, diz Luiz Urra, gerente geral de atendimento da administradora Auxiliadora Predial. "E no condomínio, os opositores devem ser respeitados e ouvidos, independente de opiniões e projetos diferentes."
Importante frisar: a oposição deve se ater a ideias. Quando se torna oposição a pessoas, é um dos sinais de que saiu do limite, alerta o advogado Márcio Spimpolo.
A síndica Ana Maria de Almeida, há 14 anos à frente da gestão de um condomínio-clube na cidade de São Paulo, sempre contou com uma oposição saudável, até que na última eleição surgiu um grupo que ultrapassou o limite da oposição saudável: propostas para o bem coletivo deram lugar a interesses pessoais e perseguição.
"É normal haver oposição dentro da democracia porque ajuda a abrir os olhos e corrigir o que não se enxerga, com críticas fundamentadas, colocadas de forma respeitosa. O olhar atento dos condôminos ajuda no crescimento de um síndico. Oposição é saudável desde que não seja sensacionalista, usando de interpretações e achismos", diz Ana Maria.
Insinuações sobre erros em balancetes, questionamentos infundados sobre as contas e remuneração da gestão e realização de uma assembleia irregular pelo grupo opositor à síndica foram derrubados com:
E sobre o resultado da eleição? A chapa perdeu a eleição por uma diferença de 200 votos. Detalhe: Ana Maria não faz uso de procurações.
Um grupo de oposição pode contribuir muito, principalmente para que o condomínio se desenvolva melhor. Ganha-se com uma gestão mais empenhada, valorização patrimonial, melhora no clima.
"A oposição só serve para este fim: para que aquele que está na situação busque sempre fazer o seu melhor, o que é correto, não se acomode e implemente melhorias", afirma Marcio Spimpolo.
Uma oposição é saudável quando feita:
"O segredo para uma oposição ser saudável é focar na gestão e não na pessoa do síndico. Sempre com respeito, cordialidade, sem fazer juízo de valor", reforça Marcio Rachkorsky.
Sempre que um condômino tiver uma dica, observação, proposta, reclamação à gestão, estabelecer um diálogo respeitoso com o síndico é o melhor caminho. De que forma?
"Tem grupo que, antes de buscar o diálogo, já começa a fazer abaixo-assinado, carta anônima debaixo da porta, espalhar fofoca, boato. Há forma menos beligerante de se fazer oposição. Não precisa ser logo de cara o caminho da guerra", diz o advogado.
Quando as dúvidas são técnicas em relação a números, prestação de contas, Marcio Rachkorsky orienta a buscar a informação na fonte: a administradora.
"Marque um horário com a administradora para pontuar as dúvidas e obter as respostas. A tendência é que termine bem, com mais de 80% das dúvidas sanadas", explica.
Se houver má vontade, enrolação ou não fornecimento de informações e documentos, a oposição deve partir para uma estratégia mais formal e contundente: enviar notificação extrajudicial à gestão reiterando as solicitações já feitas, geralmente por assessoria jurídica, orienta Rachkorsky.
Condôminos devem estar atentos aos sinais de uma oposição mal intencionada para não se associar a pessoas com objetivos que fogem aos interesses comuns e evitar danos ao condomínio. Confira os sinais:
Leia matéria sobre Como lidar com oposição
O rastro deixado por uma oposição nociva começa ao tirar a paz dos moradores.
"Quando o ambiente do condomínio fica insustentável, as pessoas mais neutras se distanciam, querem vender a unidade, se mudar porque ficam com vergonha de morar ali. Ao invés de angariar apoio, a oposição nociva promove um racha. Acirramento dos ânimos afasta as pessoas de bem", afirma Marcio Rachkorsky.
Menos condôminos engajados, assembleias esvaziadas. "Quem vai a uma assembleia e observa grupos sempre se digladiando, deixa de ir e, com isso, perdem-se oportunidades de discutir ideias com pessoas interessadas em buscar o melhor para o condomínio", afirma Márcio Spimpolo.
Veja alguns prejuízos que uma oposição nociva traz para o condomínio:
Quando a oposição começa a atingir pessoas, geralmente o síndico, a depender do tipo de atitude e se houver provas, pode haver desdobramentos no tribunal.
"Muitos opositores são incautos (ingênuos) e acabam deixando rastro por escrito do crime cometido, em mensagens em grupos de whatsapp, aplicativos, e-mails e fica bastante fácil coletar provas", comenta o advogado Márcio Spimpolo.
Confira abaixo no que pode configurar determinadas ações:
Marcio Rachkorsky conta que há casos em que a oposição nociva persegue síndicos até mesmo fora do condomínio:
O advogado esclarece que em casos em que há indenização ao síndico, geralmente a responsabilidade é personalíssima - paga quem comete o crime - e raramente vai para o condomínio.
Luiz Urra, da Auxiliadora Predial, esclarece que a administradora deve administrar o condomínio para todos, não para grupos.
"Somos meramente auxiliares que atuamos por delegação de um representante. É fundamental que a administradora trafegue nos condomínios, ouvindo e atendendo a todos, inclusive a oposição."
A administradora pode orientar os moradores sobre a existência de canais de comunicação oficiais para serem ouvidos de forma coerente, com ponderações apropriadas, e não por grupos paralelos oficiosos. "Às vezes não se sabe nem o que estão questionando, quais são os anseios e as dúvidas das pessoas."
Exemplos de canais oficiais:
"Uma administradora pode marcar reunião com oposição, abrir as portas da empresa, esclarecer os meios de comunicação que talvez não saibam, responder os questionamentos direcionados à ela. É importante se aproximar para entender o que está acontecendo, dar orientação sobre como agir corretamente, mediar conflito entre as partes para colocar todos no mesmo caminho em prol da coletividade", afirma o gerente da Auxiliadora Predial.
Uma grande dificuldade de condôminos leigos é quanto à leitura e compreensão de informações contábeis - e a falta de conhecimento e preparo pode levar à insinuações ou acusações infundadas.
"Nem todo mundo tem obrigação de saber ler um balancete. Os condôminos devem procurar pontualmente a administradora para esclarecer dúvidas, antes mesmo da assembleia", recomenda Luiz Urra.
As administradoras também podem auxiliar a oposição na realização de uma assembleia convocada por 1/4 dos condôminos, conforme previsto no Código Civil. E geralmente são nessas assembleias que a oposição comete ilegalidades, por desconhecer a lei e as regras internas. "O que mais acontece são pessoas assinarem o abaixo-assinado sem contexto, sem uma proposta e na hora da assembleia, há má-fé".
Outros erros comuns relacionados à assembleia:
Leia o Guia sobre Assembleias, do SíndicoNet.
Há uma série de ações que o síndico pode tomar para evitar ataques:
A síndica Ana Maria usa diversos recursos para imprimir uma gestão transparente e informativa:
"O condomínio é muito valorizado. Todas a manutenções estão em dia, temos calendário de atividades esportivas e de lazer para diferentes faixas etárias, fazemos ações sociais. A velocidade de locação é rápida, tem até fila de espera. Estamos em vias de inaugurar um centro comercial com várias conveniências - mercado, padaria, açougue, pet shop, restaurante, cafeteria, adega, profissionais liberais -, cujas receitas dos aluguéis serão revertidas para o condomínio", orgulha-se a síndica.
Fontes consultadas: Ana Maria de Almeida (síndica), Luiz Urra (Auxiliadora), Márcio Spimpolo (advogado), Marcio Rachkorsky (advogado).