Administração de conflitos e brigas

Oposição em condomínio: quando rompe o limite saudável?

Entenda os limites entre as críticas construtivas e a oposição nociva, que passa por cima dos interesses comuns, persegue o síndico e prejudica toda comunidade

Por Catarina Anderáos

03/09/21 06:32 - Atualizado há 3 anos


"Toda unanimidade é burra". A frase emblemática de Nelson Rodrigues cabe muito bem quando se fala em oposição em condomínio. Assim como na política a oposição é um contraponto importante à situação, fiscalizando, apresentando pontos de vista distintos e novas ideias, na vida em condomínio a oposição pode colaborar de forma construtiva com a gestão. 

O problema surge quando a oposição deixa de visar ao bem coletivo e dá lugar a interesses particulares de uma pessoa ou um grupo que busca o poder, vira perseguição ao síndico e deixa um rastro danoso ao patrimônio e à comunidade.

Nesta matéria vamos explicar os limites entre as críticas construtivas e a oposição nociva, como fazer uma oposição saudável e os sinais que ajudam a identificar um grupo mal intencionado e livrar o seu condomínio de ciladas.

 Nesta matéria você vai ler: 

Oposição em condomínio: é saudável?

Sim, é saudável haver oposição em condomínio.

"Não só é saudável, como é necessário existir um grupo de oposição que impulsiona melhorias, faz com que síndicos e conselheiros à frente da gestão não se acomodem, desperta a atenção dos condôminos para com cuidados do condomínio e o respeito às contas", afirma Marcio Rachkorsky, advogado especializado na área.

Oposição é um processo natural de qualquer situação em uma sociedade, diz Luiz Urra, gerente geral de atendimento da administradora Auxiliadora Predial. "E no condomínio, os opositores devem ser respeitados e ouvidos, independente de opiniões e projetos diferentes."

Importante frisar: a oposição deve se ater a ideias. Quando se torna oposição a pessoas, é um dos sinais de que saiu do limite, alerta o advogado Márcio Spimpolo. 

A síndica Ana Maria de Almeida, há 14 anos à frente da gestão de um condomínio-clube na cidade de São Paulo, sempre contou com uma oposição saudável, até que na última eleição surgiu um grupo que ultrapassou o limite da oposição saudável: propostas para o bem coletivo deram lugar a interesses pessoais e perseguição.

"É normal haver oposição dentro da democracia porque ajuda a abrir os olhos e corrigir o que não se enxerga, com críticas fundamentadas, colocadas de forma respeitosa. O olhar atento dos condôminos ajuda no crescimento de um síndico. Oposição é saudável desde que não seja sensacionalista, usando de interpretações e achismos", diz Ana Maria.

Insinuações sobre erros em balancetes, questionamentos infundados sobre as contas e remuneração da gestão e realização de uma assembleia irregular pelo grupo opositor à síndica foram derrubados com:

E sobre o resultado da eleição? A chapa perdeu a eleição por uma diferença de 200 votos. Detalhe: Ana Maria não faz uso de procurações.    

Como um grupo de oposição pode contribuir de forma construtiva? 

Um grupo de oposição pode contribuir muito, principalmente para que o condomínio se desenvolva melhor. Ganha-se com uma gestão mais empenhada, valorização patrimonial, melhora no clima. 

"A oposição só serve para este fim: para que aquele que está na situação busque sempre fazer o seu melhor, o que é correto, não se acomode e implemente melhorias", afirma Marcio Spimpolo.

Uma oposição é saudável quando feita:

"O segredo para uma oposição ser saudável é focar na gestão e não na pessoa do síndico. Sempre com respeito, cordialidade, sem fazer juízo de valor", reforça Marcio Rachkorsky.

Sempre que um condômino tiver uma dica, observação, proposta, reclamação à gestão, estabelecer um diálogo respeitoso com o síndico é o melhor caminho. De que forma?

  1. Mandar e-mail bem estruturado ao sindico ou à administradora com suas ideias
  2. Marcar uma reunião com o síndico ou conselho para mostrar as ideias
  3. Marcar uma reunião com a administradora.

"Tem grupo que, antes de buscar o diálogo, já começa a fazer abaixo-assinado, carta anônima debaixo da porta, espalhar fofoca, boato. Há forma menos beligerante de se fazer oposição. Não precisa ser logo de cara o caminho da guerra", diz o advogado.

Quando as dúvidas são técnicas em relação a números, prestação de contas, Marcio Rachkorsky orienta a buscar a informação na fonte: a administradora.

"Marque um horário com a administradora para pontuar as dúvidas e obter as respostas. A tendência é que termine bem, com mais de 80% das dúvidas sanadas", explica.

Se houver má vontade, enrolação ou não fornecimento de informações e documentos, a oposição deve partir para uma estratégia mais formal e contundente: enviar notificação extrajudicial à gestão reiterando as solicitações já feitas, geralmente por assessoria jurídica, orienta Rachkorsky.

Quais são os sinais de uma oposição tóxica?

Condôminos devem estar atentos aos sinais de uma oposição mal intencionada para não se associar a pessoas com objetivos que fogem aos interesses comuns e evitar danos ao condomínio. Confira os sinais: 

Leia matéria sobre Como lidar com oposição

Quais os prejuízos para o condomínio de uma oposição nociva?

O rastro deixado por uma oposição nociva começa ao tirar a paz dos moradores.

"Quando o ambiente do condomínio fica insustentável, as pessoas mais neutras se distanciam, querem vender a unidade, se mudar porque ficam com vergonha de morar ali. Ao invés de angariar apoio, a oposição nociva promove um racha. Acirramento dos ânimos afasta as pessoas de bem", afirma Marcio Rachkorsky.

Menos condôminos engajados, assembleias esvaziadas. "Quem vai a uma assembleia e observa grupos sempre se digladiando, deixa de ir e, com isso, perdem-se oportunidades de discutir ideias com pessoas interessadas em buscar o melhor para o condomínio", afirma Márcio Spimpolo.

Veja alguns prejuízos que uma oposição nociva traz para o condomínio:

Quais ações de uma oposição nociva podem configurar crimes?

Quando a oposição começa a atingir pessoas, geralmente o síndico, a depender do tipo de atitude e se houver provas, pode haver desdobramentos no tribunal.

"Muitos opositores são incautos (ingênuos) e acabam deixando rastro por escrito do crime cometido, em mensagens em grupos de whatsapp, aplicativos, e-mails e fica bastante fácil coletar provas", comenta o advogado Márcio Spimpolo.

Confira abaixo no que pode configurar determinadas ações:

Marcio Rachkorsky conta que há casos em que a oposição nociva persegue síndicos até mesmo fora do condomínio:

O advogado esclarece que em casos em que há indenização ao síndico, geralmente a responsabilidade é personalíssima - paga quem comete o crime - e raramente vai para o condomínio.

Administradora: atendimento imparcial a todos 

Luiz Urra, da Auxiliadora Predial, esclarece que a administradora deve administrar o condomínio para todos, não para grupos.

"Somos meramente auxiliares que atuamos por delegação de um representante. É fundamental que a administradora trafegue nos condomínios, ouvindo e atendendo a todos, inclusive a oposição."

A administradora pode orientar os moradores sobre a existência de canais de comunicação oficiais para serem ouvidos de forma coerente, com ponderações apropriadas, e não por grupos paralelos oficiosos. "Às vezes não se sabe nem o que estão questionando, quais são os anseios e as dúvidas das pessoas."

Exemplos de canais oficiais:

"Uma administradora pode marcar reunião com oposição, abrir as portas da empresa, esclarecer os meios de comunicação que talvez não saibam, responder os questionamentos direcionados à ela. É importante se aproximar para entender o que está acontecendo, dar orientação sobre como agir corretamente, mediar conflito entre as partes para colocar todos no mesmo caminho em prol da coletividade", afirma o gerente da Auxiliadora Predial. 

Uma grande dificuldade de condôminos leigos é quanto à leitura e compreensão de informações contábeis - e a falta de conhecimento e preparo pode levar à insinuações ou acusações infundadas.

"Nem todo mundo tem obrigação de saber ler um balancete. Os condôminos devem procurar pontualmente a administradora para esclarecer dúvidas, antes mesmo da assembleia", recomenda Luiz Urra.

As administradoras também podem auxiliar a oposição na realização de uma assembleia convocada por 1/4 dos condôminos, conforme previsto no Código Civil. E geralmente são nessas assembleias que a oposição comete ilegalidades, por desconhecer a lei e as regras internas. "O que mais acontece são pessoas assinarem o abaixo-assinado sem contexto, sem uma proposta e na hora da assembleia, há má-fé".

Outros erros comuns relacionados à assembleia:

Leia o Guia sobre Assembleias, do SíndicoNet.

Como o síndico pode se precaver de uma oposição nociva?

Há uma série de ações que o síndico pode tomar para evitar ataques:

  1. Agir com máxima transparência;
  2. Estabelecer meios oficiais de comunicação e divulgar a todos os condôminos e moradores;
  3. Surgiu uma fofoca? Chame essa pessoa ou grupo para conversar sempre acompanhado pelo conselho, administradora ou advogado. "Essa conversa tem que ser de peito aberto com objetivo de tirar as dúvidas", orienta Rachkorsky;
  4. Se o diálogo não resolver, envolva formalmente conselho, administradora e advogado para preparar respostas estruturadas para o grupo;
  5. Se continuar, fazer uma carta aberta aos moradores elencando e explicando todos os pontos que estão sendo ventilados pelo grupo de oposição, assinada pelo corpo diretivo, administradora e jurídico, colocando-se a disposição para mais esclarecimentos;
  6. Marcar uma Assembleia Geral Extraordinária para tratar dessa questão com item específico de pauta. O corpo diretivo deve explicar formalmente os pontos que estão sendo questionados e listar o que foi feito até o momento (reuniões, carta aberta) para constar em ata.
  7. Tomar medidas jurídicas: notificar via advogado pessoas da oposição que estão extrapolando os limites, alertando que se continuar agindo de forma sorrateira serão responsabilizados.
  8. Por último, adoção de medidas judiciais tanto na esfera criminal, quanto cível - se tiver provas. O aconselhável é o síndico contratar um advogado particular e conduzir o processo de forma pessoal. "Pode ser que dentro de todo processo o opositor tenha razão em algum ponto pelo menos. Não me parece ser correto que o advogado do condomínio atue em favor do síndico numa situação dessas", pontua Márcio Spimpolo. 

A síndica Ana Maria usa diversos recursos para imprimir uma gestão transparente e informativa:

"O condomínio é muito valorizado. Todas a manutenções estão em dia, temos calendário de atividades esportivas e de lazer para diferentes faixas etárias, fazemos ações sociais. A velocidade de locação é rápida, tem até fila de espera. Estamos em vias de inaugurar um centro comercial com várias conveniências - mercado, padaria, açougue, pet shop, restaurante, cafeteria, adega, profissionais liberais -, cujas receitas dos aluguéis serão revertidas para o condomínio", orgulha-se a síndica.

Fontes consultadas: Ana Maria de Almeida (síndica), Luiz Urra (Auxiliadora), Márcio Spimpolo (advogado), Marcio Rachkorsky (advogado).