quarta-feira, 11 de outubro de 2023
Horas após reportagem do GLOBO, juíza autorizou que obras do Bosque Cidade Jardim prossigam; MP alega que obra em bairro nobre coloca em risco árvores nativas da Mata Atlântica, enquanto a empreiteira JHSF nega irregularidades
Líder no setor imobiliário de alta renda no Brasil, a JHSF anunciou em 2013 a construção do Bosque Cidade Jardim, um empreendimento de lotes de casas de luxo no bairro nobre da Zona Oeste de São Paulo. Dez anos depois, o empreendimento segue parado no papel por ser alvo de uma intensa disputa judicial. O Ministério Público alega que o terreno, que fica ao lado do Clube Paineiras do Morumby, é uma rara área de Mata Atlântica preservada na cidade.
Na tarde desta terça-feira (10), horas após a publicação desta reportagem, a Justiça autorizou que a JHSF retome a construção do condomínio. A juíza Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi, da 13ª Vara de Fazenda Pública da capital, se baseou em uma nova perícia entregue à Justiça na semana passada para liberar o empreendimento. Segundo ela, a perícia comprovou que não há danos ambientais na continuidade da obra.
A empresa argumenta, no processo, que não se trata de uma área de preservação ambiental permanente e que o empreendimento tem todas as licenças necessárias, e que uma parte das árvores será mantida. "Agora você pode buscar o equilíbrio da vida urbana com a natureza. Bosque Cidade Jardim, 12 mil metros de área verde e jardins, trilhas para caminhadas, em um dos bairros mais charmosos e valorizados de São Paulo. Venha viver no coração da Cidade Jardim, com a qualidade JHSF e a mais completa infraestrutura de segurança e privacidade", diz um vídeo de divulgação do condomínio, de outubro de 2013.
O bosque existente no local, uma área de 10 mil metros quadrados (dentro dos 48 mil de extensão de todo o terreno) é justamente o maior atrativo do condomínio, e a JHSF garante que esta área será preservada. No resto do local, serão construídas vias, portarias e toda uma estrutura de segurança, enquanto os lotes serão comercializados para abrigar casas.
Em janeiro de 2015, o MP-SP ajuizou uma ação civil pública contra o empreendimento. Na ação, pede a paralisação de qualquer obra no local, incluindo terraplenagem, canalização de córregos, abertura de vias de circulação e execução de fundações, além da interrupção de qualquer manejo da vegetação existente, a proibição de publicidade ou venda relativa ao Bosque Cidade Jardim, além do pagamento de indenização pelos danos ambientais causados.
O processo já dura oito anos e até agora não teve o mérito julgado. Ainda em 2015, a Justiça concedeu uma liminar impedindo o prosseguimento das obras, decisão que durou até agosto de 2022, quando a juíza Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi, da 13ª Vara de Fazenda Pública, determinou que o projeto poderia prosseguir. Ela se amparou em um laudo pericial que concluiu que não era possível afirmar que o empreendimento causaria danos ambientais.
A JHSF então se viu livre para continuar o empreendimento até que, em maio deste ano, uma nova decisão barrou qualquer construção. Isso ocorreu após o Ministério Público alegar para a juíza que a empresa estava derrubando árvores no terreno. A magistrada então interrompeu a obra novamente e pediu uma nova perícia. O laudo foi entregue à Justiça há uma semana.
O GLOBO apurou que, na época em que a ação chegou ao Judiciário, em 2015, a JHSF já havia vendido a maior parte dos lotes. Mas por causa da decisão desfavorável, a empresa teve de rescindir os negócios e devolver os valores que já haviam sido pagos.
O terreno, que antes abrigava a Chácara Vidigal e era de propriedade do empresário Ricardo Lara Vidigal, que tinha diversas propriedades no bairro, é um dos últimos vazios da Cidade Jardim.
Ao propor a ação, a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital argumentou que o terreno abriga “vegetação de preservação permanente e vegetação considerada patrimônio ambiental”, e que as áreas florestais são raras e “servem de abrigo para muitas espécies de aves de espécies nativas que ainda existem na capital — fornecendo abrigo, alimentação e locais adequados para nidificação”.
O MP argumenta que os lotes e vias internas do empreendimento foram projetados sobre áreas de preservação permanente ao redor de duas nascentes, que não foram consideradas no licenciamento do empreendimento. A promotoria ainda destaca que o local abriga 40 espécies da fauna local e que há possibilidade de problemas de inundação na área.
A JHSF rebate os argumentos do Ministério Público e destaca que foram obtidas mais de 15 licenças para o Bosque Cidade Jardim, incluindo as da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, do Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo (GRAPROHAB), da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), entre outros órgãos municipais e estaduais.
A empresa ainda se ampara no laudo pericial que foi entregue à Justiça no início da semana passada. No relatório, a geógrafa Olinda Keiko Fukuda destacou que não havia sinais recentes de corte de árvores, e que somente em uma parte do lote havia indícios de manejo de vegetação invasora. A perita aponta que de fato o terreno representa uma área de vegetação importante para a cidade, mas explicou que a maior parte das árvores nativas e exóticas ficam justamente na área do bosque que será preservada. A geógrafa ainda diz que não havia nascentes ou cursos d'água na superfície do terreno durante as visitas.
“Todas as alegações do Ministério Público de que o empreendimento seria feito em área de preservação ambiental foram absolutamente afastadas pela Perícia ocorrida no Processo Judicial, restando claro e definido que o imóvel não é considerado área de preservação ambiental permanente. O bosque ali existente, que ocupa uma área de aproximadamente 10 mil m², será totalmente preservado, tudo conforme o Termo de Compromisso Ambiental celebrado no âmbito do licenciamento do empreendimento, não havendo que se falar em remoção das árvores existentes no local”, destacou a JHSF em nota.
Fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/sao-paulo/noticia/2023/10/10/condominio-de-luxo-em-sp-nova-pericia-pode-destravar-briga-judicial-de-uma-decada-por-area-verde.ghtml