15/04/20 05:02 - Atualizado há 4 anos
Por Rodrigo Karpat*
Estamos vivendo um triste momento de crise mundial provocada pelo coronavírus, que tem exigido muito de todos nós, situação que é um consenso.
De igual modo, o trabalho que estamos tendo em nossos prédios para manter as áreas comuns fechadas, impedindo obras, tratando com funcionários, enfim, um verdadeiro gerenciamento de crise, o que tem levado o nível de desgaste do gestor ao limite e fazendo inclusive muitos síndicos renunciarem justamente no momento em que o condomínio mais precisa deles.
As questões centrais neste momento são: 1) Como proceder com o mandato vencido do síndico sem a possibilidade de realização de assembleia e 2) a viabilidade da realização da assembleia virtual.
O término do mandato do síndico com certeza é um grande problema a ser superado neste momento de pandemia, pois estamos diante da impossibilidade de se realizar assembleias por força dos decretos em âmbito Municipal, Estadual e Federal que impedem aglomeração de pessoas.
Em tempos normais a orientação óbvia é que o condomínio eleja seu representante legal antes do término do mandato.
Precisamos considerar que com a impossibilidade involuntária de eleição de novo representante legal do condomínio, o antigo síndico continua no mandato até a nova eleição, mesmo considerando que poderá haver prejuízo com esta medida, tais como; a falta de representatividade para representar o condomínio em juízo ou perante as instituições financeiras.
Neste sentido, em muitos casos se faz mister o ingresso com medida judicial para garantir a representatividade do condomínio perante as instituições financeiras, caso estas não renovem a procuração para movimentação da conta bancária do condomínio. Neste sentido:
“Trata-se de pedido de jurisdição voluntária com o único propósito de validar a administração do Condomínio durante o período de pandemia instalada pelo 'COVID-19 – CONONAVÍRUS', uma vez que a Assembleia Ordinária para eleição de síndico não pode ser realizada, devido a determinação de isolamento e quarentena.
É certo que em condomínios com grande número de unidades, na normalidade, os interesses são distintos, o que pode causar discussões, algumas vezes acaloradas, ou meramente democráticas.
Entretanto, levando-se em consideração o estado social e de saúde atual que vive o País e, principalmente o Estado de São Paulo, epicentro da 'crise', a providência do Condomínio é mais que prudente. É humanitária. Sendo absolutamente possível postergar por alguns meses nova eleição. O que não pode ocorrer é deixar o Condomínio acéfalo, sem direção e representante para administração e responsável.
Assim sendo, levando em consideração o contexto da situação, DEFIRO A LIMINAR para estender o mandato do síndico e corpo diretivo do Condomínio até que o Governo do Estado ou a Prefeitura do Município libere os cidadãos da quarentena imposta.”
Decisão de primeira Instância da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Lapa da Comarca da São Paulo-SP, Processo nº 1003376-67.2020.8.26.0004
Quanto ao término do mandato do síndico, o imortal J. Nascimento Franco aduziu:
o síndico continua até a eleição no exercício da função, ou a transfere ao subsíndico, se existir, ou, ainda, a qualquer outro membro do conselho Fiscal, que deverá convocar logo uma Assembleia para eleger nova administração” J. Nascimento e Franco, 5ª edição Editora Forense, 2009.
Nas situações acima destacadas, entendo que os atos praticados necessariamente devam ser ratificados em assembleia a ser convocada no momento possível.
E ainda, podemos nos socorrer, utilizando por analogia ao Condomínio Voluntário, temos no Art. 1.324 do CC, que o condômino que administrar sem oposição dos outros presume-se representante comum.
A assembleia virtual não encontra um procedimento específico na legislação condominial, o que podemos observar é que o artigo 1.350 do Código Civil determina que:
“convocará o síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção (...)”.
Assim, este dispositivo de lei possibilita que a convenção de condomínio estabeleça a forma e os parâmetros para realização de assembleias virtuais, caso não esteja prevista tal possibilidade no ato de instituição do condomínio, somente será possível implementar a votação virtual com a condição de alteração da convenção com o voto de 2/3 dos condôminos.
De tal sorte que, a assembleia virtual esteja prevista na convenção, a realização de uma assembleia virtual requer provas de que todos condôminos foram convocados, que os participantes são realmente os condôminos, que as decisões foram discutidas, e que a redação da ata condiz com o que foi deliberado.
Situações que por si abrem margem para impugnações e por isso as assembleias virtuais são pouco usadas e não recomendadas mesmo antes da pandemia.
O direito condominial por algumas vezes utiliza-se, por analogia, da sistemática das empresas de capital aberto para sanar questões ainda não previstas na legislação condominial.
E neste sentido, sobre a assembleia virtual no âmbito das S/A, a Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011/ Conversão da Medida Provisória nº 517, de 2010, institui:
“Art. 121. Parágrafo único. Nas companhias abertas, o acionista poderá participar e votar à distância em assembleia geral, nos termos da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários.” (NR)
Assim, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que disciplina, normaliza e fiscaliza a atuação dos diversos integrantes do mercado de Capitais emitiu Ofício 257/2008 definindo que uma "assembleia on-line" é aquela que funciona por meio de voto por procuração eletrônica específica para cada acionista/cotista.
Sendo neste caso, o acionista/cotista possui um prazo para votar que, via de regra, é da data de publicação do edital de convocação até um dia antes da assembleia. Esse período pode variar de acordo com a política interna e com o estatuto social/regulamento de cada companhia ou fundo. Ou seja, no caso das S/A, a assembleia física ocorre mesmo com a coleta antecipada de votos de forma virtual.
Quanto às assembleias virtuais no âmbito condominial, temos em tramitação o Projeto de Lei n° 548, de 2019, o qual acrescenta art. 1.353 à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, para permitir à assembleia de condomínios edilícios votação por meio eletrônico ou por outra forma de coleta individualizada do voto dos condôminos ausentes à reunião presencial, quando a lei exigir quórum especial para a deliberação da matéria, de autoria da Senadora Soraya Thronicke (PSL/MS). Destaco que a assembleia virtual neste caso somente seria possível para casos de quórum especial.
Em momentos como este que estamos vivendo, um verdadeiro estado de “exceção”, os poderes do síndico se asseveram, pois, pelas restrições legais, inviável convocar assembleias para deliberar o que seria corriqueiro em tempos normais.
e ter a ciência que irá responder pelos excessos e prejuízos à massa.
A tomada de decisões deve estar neste momento único de pandemia, respaldada pela vontade colegiada do conselho face a impossibilidade de convocação de assembleia.
Sendo que a realização de assembleias virtuais sem que exista a previsão na convenção ou lei aprovada neste sentido, as decisões em ambiente virtual representarão uma falsa sensação de segurança e, em um segundo momento, quando a vida se normalizar, teremos uma enxurrada de pedidos judiciais de cancelamento de assembleias virtuais ocorridas no momento da pandemia, que foram realizadas contrariando o ordenamento jurídico.
As medidas administrativas por parte dos síndicos, que estejam em consonância com o momento atual e tenham a razoabilidade necessária, mesmo que possa parecer autoritário neste momento, têm respaldo legal, pois o síndico age por mandato e seus atos podem ser posteriormente ratificados.
Diferentemente de uma assembleia virtual que, por exemplo, ocorra sem a convocação de todos, e teria nulidade insanável, se agravando pelo fato de que os gestores que realizarem assembleias virtuais não terão a tendência de submeter tais decisões a assembleia quando o momento passar, acreditando que já o fizeram de forma virtual.
Nesse raciocínio, e de encontro com o acima aduzido, faz sentido que o síndico, munido do seu poder de mandato, com a incumbência de agir em prol da sua comunidade, a qual a ele delegou poderes, tome as decisões necessárias para manter a gestão do seu condomínio saudável, seja para o fechamento de áreas comuns, seja para a suspensão momentânea do fundo de obras.
Temos que ter sempre em mente que em tempos normais, o síndico deve submeter grande parte dos seus atos de gestão à aprovação de assembleia, tais como: realização de obras, compra de equipamentos, suspensão ou realização de rateios extras, entre outros, mas que também, dentro do exercício das suas funções, o síndico tem o poder/dever de tomar medidas administrativas sem que necessariamente precise passar pela assembleia, como por exemplo: multar unidade infratora, efetuar reparos emergenciais, soltar circulares, entre outros.
Isso porque parte das suas atribuições estão pré-definidas na Convenção e aprovada em assembleia. E em momentos de pandemia (Covid-19), quando decretos e recomendações da Organização Mundial de Saúde cerceiam o funcionamento de empresas, impõem quarentena, isolamento social, confere ao síndico que algumas medidas sejam tomadas mesmo sem a aprovação em assembleia.
(*) Dr. Rodrigo Karpat é advogado militante na área cível há mais de 10 anos, é sócio-fundador do escritório Karpat Sociedade de Advogados e considerado um dos maiores especialistas em Direito Imobiliário e em questões condominiais do país. Além de ministrar palestras e cursos em todo o Brasil, é colunista da ELEMIDIA, do portal IG, do site SíndicoNet, do Jornal Folha do Síndico, do Condomínio em Ordem e de outros 50 veículos condominiais, além de ser consultor da Rádio Justiça de Brasília e ter aparições em alguns dos principais veículos e programas da TV aberta, como "É de Casa", "Jornal Nacional", "Fantástico", "Programa Mulheres", "Jornal da Record", "Jornal da Band", entre outros. Também é apresentador do programa "Vida em Condomínio", da TV CRECI. É Coordenador de Direito Condominial na Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-SP e integrante do Conselho de Ética e Credenciamento do Programa de Auto-regulamentação da Administração de Condomínios (PROAD).