Após 20 anos, sobreviventes falam da queda de prédio no litoral do Paraná
Edifício Atlântico, em Guaratuba, ruiu em 1995; 29 pessoas morreram. Cobrança de IPTU não foi interrompida; vítimas não foram indenizadas.
Há 20 anos, a cidade de Guaratuba era cenário da maior tragédia do litoral do Paraná. No dia 28 de janeiro de 1995 o Edifício Atlântico desabou, matando 29 pessoas e deixando sete feridos. À época, vizinhos do prédio relataram que a estrutura ruiu rapidamente. Não faltaram esforços, em um trabalho de formiga, para retirar os entulhos na tentativa de localizar sobreviventes.
O pescador Sebastião Pereira Junior ainda mora ao lado do espaço onde ficava o Edifício Atlântico. Ele conta como todos se uniram diante da tragédia. “Teve a mobilização do povo. O povo é muito solidário. Todo mundo se uniu, o pessoal destes apartamentos se mobilizou. Abriram as portas para as equipes de resgate. Foi muito triste para nós, como vizinhos”, lembrou.
O prédio, de seis andares, estava em obras para o reforço de colunas de sustentação. Alguns moradores e veranistas já haviam demonstrado preocupação em virtude de rachaduras, dias antes do desmoronamento. Segundo os sobreviventes, minutos antes da estrutura ruir, foi ouvido um estalo.
Atualmente, o terreno está vazio. São os moradores da região que o mantém, evitando que a grama cresça. Para eles, o ideal seria que algo fosse construído no espaço para que a triste memória fosse apagada. “Tinha que fazer uma creche, uma escola, talvez, uma pracinha, para tirar este mau vestígio”, disse Junior.
Relato de uma sobrevivente
Polliana Pundek faz parte do grupo de sete sobreviventes. Depois de 20 anos, ela falou pela primeira vez sobre o caso a um veículo de comunicação. Em entrevista a RPC, ela afirma que, após um período de tentativa de reestruturação física, espiritual e mental, sente a necessidade de relatar como a tragédia foi tratada.
Polliana tinha 20 anos em 1995. Ela ficou presa nos escombros por cerca de oito horas – a jovem estava no primeiro andar, e o resgate foi difícil, uma vez que existia o risco de um novo desabamento sobre ela.
“Eu estava deitada no meu quarto e houve um primeiro estrondo. Na hora em que deu o segundo estrondo, sai correndo. Eu lembro-me que estava na porta do meu quarto. Eu estava de pé, saindo do meu quarto. No mesmo segundo, ficou tudo escuro. Eu imagina que qualquer coisa que eles fizessem lá fora ainda pudesse empurrar mais laje, mais material em cima de mim. Eu lembro-me que ia tirando pedra por pedra por um balde, que eles colocaram por um buraco, porque não conseguiam chegar aonde eu estava. Eu fui tirando e fui ajudando a abrir o espaço para eu sair ”, contou Polliana.
Eu lembro-me que ia tirando pedra por pedra por um balde, que eles colocaram por um buraco, porque não conseguiam chegar onde eu estava. Eu fui tirando e fui ajudando a abrir o espaço para eu sair"
Ao todo, o resgate das vítimas durou 50 horas. Participaram policiais militares, civis, médicos e muitos voluntários. O Corpo de Bombeiros enviou um efetivo de cerca de 100 homens para o trabalho. O coronel Osni Bortolini ajudou nesta difícil missão.
“Eu lembro-me muito bem que a Polliana estava em um lugar protegido por uma porta. No desabamento, ela acabou ficando entre esta porta e os escombros. O trabalho era muito difícil, quase artesanal, porque nós não podíamos remover rapidamente os escombros. Mas, sim, pedaço por pedaço para não tivesse nenhum prejuízo a vida dela”, recordou o coronel.
Polliana perdeu o pai, a mãe e o irmão no desabamento. Os ferimentos foram sérios. Ela ficou meses no hospital e quase teve as pernas amputadas. A sobrevivente precisou de um ano para voltar a andar. Hoje, ela convive com dores, saudades e a indignação por nunca ter sido indenizada.
“Não é por isso que eu vou reclamar da vida, afinal de contas, estou viva, tenho a minha família, mas me dá uma indignação. [Por causa] do erro de uma pessoa eu tenho que ficar a minha vida inteira, até morrer, com essa lembrança”.
A advogada de Polliana, Marina Martynychen, diz que o prédio nem deveria ter sido construído. “Ficou comprovado nos autos do processo criminal que não havia sequer um projeto estrutural, apenas um projeto arquitetônico, que significa a fachada”, disse Martynychen.
Segundo ela, o projeto estrutural traria cálculos de quanto o edifício aguentaria de peso e a indicações dos materiais, por exemplo.
Cobrança de IPTU
Apesar de o prédio ter ruído há duas décadas, a prefeitura de Guaratuba ainda cobra valores referentes ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
Como não pagou o imposto, Polliana está em dívida com o município de Guaratuba. O débito é de aproximadamente R$ 15 mil. De acordo com a advogada Martynychen, existe um entendimento do Poder Judiciário de que em terrenos no qual, por danos, não há um exercício do proprietário, não se deve cobrar IPTU.
Além disso, foi autorizada a penhora do apartamento, mesmo o local não existindo mais. Martynychen afirmou ter feito uma pesquisa e localizado outras pessoas que vivem situação semelhante.
Segundo ela, o município está executando dívidas referentes ao Edifício Atlântico e penhorando apartamentos. “Essa é uma angústia, eu não me conformo”, diz Polliana.
A Prefeitura de Guaratuba informou que desde 1996 cobra o IPTU de todos os apartamentos do Edifício Atlântico de acordo com a fração ideal, ou seja, a área que possuíam no prédio que já não existe. A administração pública argumenta que nenhum documento foi apresentado, demonstrando que houve qualquer alteração nas matrículas imobiliárias.
Quanto à penhora do apartamento de Polliana, a Prefeitura de Guaratuba afirmou que precisaria de tempo para verificar a situação já que possui mais de 70 mil ações na Justiça.
A RPC entrou em contato com a família do engenheiro Ney Batista Torres, responsável pela construção do Edifício Atlântico. Ele e o filho, Luiz César de Melo Torres, que também foi responsabilizado na época do desabamento, não quiseram falar sobre o caso. Ney Torres teve o registro cassado pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-PR) em 1998.
Seguindo o caminho do pai
Outro sobrevivente é Guilherme Cury, atual prefeito de Tomazina, no norte pioneiro. Era para ser a primeira temporada de férias da família de Guilherme no novo apartamento em Guaratuba - o que seria diversão acabou com a morte de sete familiares e mais três amigos.
Ele foi um dos primeiros a ser encontrado nos escombros do Edifício Atlântico. Ficou preso entre uma viga e um guarda-roupa. Com o impacto, Guilherme teve uma lesão na medula e precisou fazer um tratamento que durou seis meses.
Guilherme tinha 15 anos e dormia no apartamento que ficava no terceiro andar. “A sensação [foi] do meu corpo caindo e logo que chegou ao chão, que deu o impacto, eu acabei desmaiando”, contou.
Na época do acidente, o pai de Guilherme era o prefeito de Tomazina. Anos depois, ele começou a amadurecer a ideia de terminar o trabalho que o pai não pode terminar. Agora, Guilherme exerce o segundo mandato.
“É uma forma de honrar tudo o que ele pensava, de tentar completar o que ele iniciou (...). Eu tenho certeza que o mais importante de tudo isso é poder dizer que eu superei. Eu não esqueci, lembro todos os dias, mas eu superei um momento difícil e estou conseguindo levar a minha vida da melhor maneira possível”, acredita Guilherme.
Fonte: http://g1.globo.com/