segunda-feira, 25 de setembro de 2023
Na semana passada, homem sacou arma contra motoboy no Rio de Janeiro. Profissionais do delivery dizem que são maltratados e ameaçados, em um processo de ‘desumanização’.
Todo motoboy já viveu ou ouviu de perto uma agressão: há muitos clientes que tratam o entregador como um objeto, não muito diferente daquilo que o entregador carrega.
Motoboys ouvidos pelo Fantástico não entendem por que alguns clientes fazem do prestador de serviço um criado.
"É uma pergunta boa, que eu não sei te responder ao certo o que um ser humano pensa em desfazer de uma pessoa que está te servindo”, diz o motoboy Alan José da Silva. "É porque será que eles estão pagando… eles têm o direito de chegar e achar que pode fazer tudo, como na época dos escravos?"
"Ou é medo ou é revolta, não consigo entender também. Sei que é muita revolta no coração dessas pessoas, no pensamento”, diz o também motoboy Danilo Correia
Paulo Cesar Ferreira, outro motoboy, também opina: "Eu vejo uma pessoa dessas não ter amor ao próximo."
Renato, professor de Geografia, completa a renda com entregas. "Essas pessoas refletem uma herança histórica e social do nosso país, da sociedade que a gente vive, uma herança escravocrata”, ele opina.
“Uma herança em que as pessoas que trabalham são vistas exclusivamente como mão de obra, como serviçais, aqueles que devem servir: 'Uma vez que eu estou pagando eu tenho direito de fazer o que eu quiser'. Há um processo profundo de desumanização sobre esse regime."
No fim de semana passado, Thiago Santos pediu para um porteiro avisar que deixaria a última entrega da noite na portaria, no Rio de Janeiro. Mas o morador ameaçou cancelar o pedido e o motoboy resolveu subir.
"Quando fui explicar para ele as normas do aplicativo, ele mandou calar a boca”, recorda Thiago. “Mandou calar a boca, sacou a arma das costas e apontou para mim. Apontou para o meu rosto. Com as mãos levantadas, eu fui virando de costas para sair daquele local. Ele foi e mandou ficar: ‘não, fica aí, espera aí’. Eu não sou ladrão igual você não, vou pagar isso aí. E falou que onde me visse ele ia me explodir."
A história do Thiago parece ilustrar a expressão "sabe com quem você está falando?". É a frase que o antropólogo Roberto Da Matta usou para descrever um tipo de brasileiro: quem usa a posição social para humilhar, gente que se coloca acima das normas.
A orientação de três das maiores empresas de delivery é a mesma: o entregador não precisa subir até a porta do morador. A pessoa, portanto, pode deixar o pedido na portaria.
O próprio caso do Thiago explica a recomendação: tem a ver com segurança. As duas partes não conhecem quem está do outro lado da porta. E a entrega pelo portão também diminui o risco de furto da moto. Agora, a pressa é outro motivo.
"Cada minuto que a gente para a gente deixa de ganhar. Isso vai impactar o nosso orçamento no final do dia. E é isso que vai direcionar o que meu filho vai comer amanhã”, diz o motoboy Júnior Freitas.
"Não é à toa que a gente passa no corredor voado, não é à toa que a gente passa muitas vezes no farol amarelo ou até mesmo no farol vermelho de vez em quando sem perceber", diz Renato, professor e motoboy.
"Você pagou com o seu suor, mas nós estamos indo ali embaixo de sol, chuva, garoa, sereno, fechada. Quantas vezes nós motoqueiros arriscamos a nossa vida para te levar um lanche que você pagou vai vinte real, pra levar a sua pizza”, diz Alan.
"A gente pode usar um relógio, uma caneta, mas quando a gente tenta usar uma pessoa, isso se chama abuso. Você quer transformar um sujeito que tem direitos em uma propriedade, uma mercadoria”, diz Renato Nogueira, professor de Filosofia da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).
Ele lembra de “Casa Grande e Senzala”, livro de Gilberto Freyre teoriza que a cordialidade brasileira, a busca por evitar conflitos abertos, mas que faz o preconceito persistir de forma velada. Renato Noguera afirma que as notícias de destrato desmascaram essas tensões.
"E que as pessoas possam também, quando as coisas acontecem, ter tranquilidade para dizer: fiquei insatisfeito, não estou confortável. é muito importante que a gente possa enfrentar a positividade tóxica, que é acreditar que tudo está bem o tempo inteiro. As coisas não estão bem o tempo inteiro e não tem problema que não estejam”, diz Nogueira
O professor sugere fortalecer a ouvidoria de espaços comunitários como a família, a escola, o local de trabalho e instituições públicas. Mas Thiago afirma que duas delegacias tinham se recusado a anotar o Boletim de Ocorrência. Quem cuidou da frustração dele foram os colegas.
Dezenas de motoboys souberam da denúncia e apareceram para protestar. A polícia, então, levou para a delegacia Thiago e quem ele acusa de ameaça. Alexsander Mielke não quis gravar entrevista. O policial federal contou que sacou a arma porque se sentiu ameaçado.
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) contou que os conflitos aumentaram junto com o número de entregas desde a pandemia. O coordenador da Senacon explicou que as informações devem estar claras durante a contratação da entrega, mas vale também o combinado dos condôminos.
"A regra do condomínio pode ser flexível em algumas situações que envolvem por exemplo pessoas com deficiência. Tem que se ponderar como vai ser o acesso desse consumidor ao serviço”, diz Vítor Hugo do Amaral, da Senacon.
Caso aconteceu na noite desse sábado (23), em Copacabana; motoboys chegaram a fazer uma manifestação no local
Um entregador de aplicativo diz ter sido alvo de ofensas racistas por um policial federal ao atender a um pedido na noite desse sábado (23), em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Após o bate-boca, dezenas de motoboys fizeram uma manifestação no local do incidente. O caso foi registrado na 12ª DP como injúria e ameaça.
Segundo Thiago Santos Silva, de 31 anos, que trabalha para o restaurante Zé Delivery, o cliente Alexsander Canto Mielke, escrivão da Delegacia de Repressão a Crimes Previdenciários (Deleprev), da Polícia Federal (PF), de 56 anos, exigiu que o entregador subisse até o apartamento — caso contrário, cancelaria a compra, que ainda não tinha sido paga. As informações são do g1.
Thiago afirmou que acabou subindo e, na porta de Alexsander, informou que existe uma normativa do Zé Delivery sobre deixar os pedidos na portaria. Segundo o entregador, o agente da PF passou a ofendê-lo, chamando-o de “preto safado” e “ladrão”.
A discussão continuou, e Thiago contou que policial sacou uma pistola da cintura e disse que “ia explodi-lo ali mesmo”.
O entregador, então, ligou para o patrão para relatar o incidente e, minutos depois, dezenas de colegas foram para a rua do apartamento em protesto. A PM foi chamada e levou Thiago e Alexsander para a delegacia, onde prestaram depoimento. Ambos foram liberados.
Na 12ª DP, Alexsander confirmou ter exigido que Thiago subisse, mas negou as ofensas racistas. Ele contou também ter sacado a arma porque se sentiu ameaçado pelo entregador.
Em resumo, temos o seguinte:
Fonte: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ultima-hora/pais/entregador-diz-ter-sido-alvo-de-ofensas-racistas-por-policial-federal-no-rio-de-janeiro-1.3422251