22/07/20 11:32 - Atualizado há 1 ano
Ser síndico de um condomínio onde todos estão em dia com a taxa condominial é o sonho de qualquer gestor.
A composição da cota nada mais é do que o rateio das despesas previstas, já incluindo a inadimplência média. Ou seja, dificilmente sobre uma "gordurinha extra" na arrecadação.
Quando um condômino "fura" o pagamento da taxa, o empreendimento pode ter o pagamento das contas comprometido e as tão sonhadas benfeitorias, adiadas.
Além do desequilíbrio financeiro, a inadimplência costuma aborrecer bastante os condôminos pontuais, que não raro pressionam o síndico para "dar um jeito", como protestar ou mover uma ação judicial.
No entanto, a prática mostra que estes não são os melhores caminhos. E é aí que entra a Régua de Cobrança Amigável.
Aliada a uma comunicação assertiva que deve deixar claro para o inadimplente que o intuito é ajudá-lo a ficar em dia com as cotas, essa ferramenta pode resolver grande parte dos casos de inadimplência no condomínio sem ter que partir para as esferas jurídicas - onerosas, desgastantes e demoradas.
Se o seu condomínio ainda não adotou a ferramenta, essa matéria é para você! Vamos te ensinar como criar a sua régua de cobrança amigável, implementar medidas que vão conscientizar seus condôminos e reduzir ao máximo a inadimplência na sua comunidade!
Você vai ler nesta matéria:
Afinal de contas, o que é Régua de Cobrança Amigável? É um processo, uma linha de acompanhamento do atraso no pagamento da taxa condominial.
"Os condomínios têm que ser administrados por processos em diferentes aspectos, sejam administrativos, de convivência, financeiros. Dentre eles, a cobrança", pontua Luis Eduardo Caracik, diretor da Êxito, empresa especializada em cobranças há mais de 25 anos.
Na régua de cobrança amigável, o condomínio estabelece quando e como será feita a cobrança do condômino impontual (atrasado, mas dentro do mês) ou inadimplente (passados mais de 30 dias do vencimento).
Cada administradora trabalha com a sua própria régua padrão, mas o ideal é que ela seja customizada de acordo com o perfil de cada condomínio.
Para exemplificar, o síndico profissional Alexandre Prandini, da Mr. Síndico, compartilhou a régua de cobrança com a qual trabalha:
Quando a régua de cobrança é seguida à risca, torna-se uma das principais ferramentas de combate à inadimplência do condomínio. Por isso é tão importante que cada condomínio tenha a sua própria régua, aderente à sua realidade.
PERFIL DO CONDOMÍNIO
O síndico, juntamente com a administradora e o conselho, devem levar em consideração informações como:
DEFINIÇÃO DA RÉGUA
Com essas informações em mãos, o grupo deve definir a régua:
Rafael Laund, sócio-fundador da administradora de condomínios LAR.app, explica que o síndico não precisa aprovar essa régua em assembleia, mas todos os condôminos devem ter conhecimento dela.
"Quando passo a atender um novo condomínio, faço uma proposta de régua de acordo com o nível de inadimplência, entre outros critérios (como citados acima). Quando a inadimplência é alta, a régua é mais curta. Na maioria das vezes, alinho com o síndico e um conselheiro mais envolvidos nas decisões", comenta.
Para o diretor da Êxito, a régua de cobrança extrajudicial pode ser de 90 dias ou até 6 meses, quando a cota é mais baixa (até R$ 350). Quando a realidade do condomínio é o contrário, com cota de valor elevado, a régua deve ser mais curta, em alguns casos, de até 45 dias.
O grande segredo para uma cobrança amigável ser bem sucedida está na linguagem usada na comunicação com o inadimplente: a mais cordial possível.
Rafael Lauand explica que a linguagem agressiva desperta no outro agressividade também. Ele recorre aos princípios da economia comportamental.
"As pessoas têm muito mais aversão a perder, a lidar com problema, a ser cobradas. A nossa postura ao abordar um inadimplente é nos colocar ao lado dele, deixando clara nossa intenção de levar uma solução, ajudá-lo a resolver a questão", explica o sócio-fundador da LAR.app.
O disparo automático e frio da segunda vida do boleto pode ser antecedido por um comunicado cordial, pedagógico e instrutivo, onde a cobrança está presente, mas de forma sutil.
Quando o comunicado não surtir efeito, é chegada a hora de uma abordagem mais próxima que permita entender o problema. E o melhor meio é um telefonema.
"O contato de voz cordial, tranquilo e seguro cria no devedor um senso de compromisso e priorização no pagamento da cota condominial. É diferente de receber e-mail ou WhatsApp, que podem ser ignorados", explica Luis Eduardo Caracik, da Êxito.
Rafael Lauand, da LAR.app, adiciona que essa comunicação precisa ser aberta, com perguntas simples e abrangentes, para que a pessoa não se sinta acuada. Nada de entrar em aspectos pessoais.
EXEMPLO DE SCRIPT 1:
“Boa noite, fulano, aqui é o beltrano, da administradora. Estou ligando para saber se você precisa de uma segunda via do boleto porque passou X dias do vencimento e queremos entender melhor como podemos ajudar. Podemos enviar uma segunda via para a data que for mais conveniente.”
EXEMPLO DE SCRIPT 2:
“Bom dia, fulano, aqui é o beltrano, da administradora. Estou ligando porque notei que, nos últimos meses, você não abriu as mensagens enviadas. O canal que você recebe os comunicados e boletos do condomínio está adequado ou você gostaria de atualizar para isso não acontecer mais?”
EXEMPLO DE SCRIPT 3:
“Opa, fulano, sou o beltrano, da administradora, e estou te ligando para falar a respeito da taxa do condomínio. De acordo com o nosso sistema, há um débito em aberto e gostaria de saber como podemos te ajudar a ficar em dia. Você vai conseguir pagar nos próximos dias ou prefere que eu envie outro boleto com uma nova data de vencimento?"
Lauand conta que a maioria dos casos são resolvidos logo nos primeiros dias. Ele não é muito favorável ao uso do WhatsApp. "Acho um pouco invasivo enviar whatsapp. Um jeito forçado, muito 'amigão'. Os extremos não são interessantes", opina.
A Êxito, contratada por condomínios para fazer a cobrança extrajudicial ativa, faz o primeiro contato com o devedor por telefone, onde pergunta qual meio e horário ele prefere ser contatado - nunca é o local de trabalho. Dali em diante, a pessoa será contatada pelo meio escolhido.
No entanto, se não evoluir, não responder, outros meios serão usados, e a cada 5 dias o devedor será contatado por uma analista bastante experiente de equipe - até resolver o débito ou chegar ao fim da régua de cobrança. A sequência de contatos pode ser a seguinte:
Na prática, nos primeiros 30 dias dessa régua de 90 dias, de 50% a 60% dos casos são resolvidos. Entre 31 e 60 dias, mais 30% se resolve. E entre 61 e 90 dias, que é o limite de cobrança na maior parte dos casos, o restante se resolve.
"A nossa taxa de sucesso é de 97 casos resolvidos a cada 100. Apenas 3% acabam indo para cobrança judicial. E normalmente são casos complicados, como condômino falecido, que está em inventário; casal em processo de separação", explica Caracik.
O síndico profissional Alexandre Prandini é adepto de campanhas de conscientização junto aos condôminos. Ele trata da importância de pagar a cota em dia de diversas formas: kit de "boas vindas" ao novo morador, cartazes ou banners em display de elevadores, lembrete de vencimento da cota em cartazes, no whatsapp ou app.
Rafael Lauand é mais adepto à divulgação da prestação de contas mensal pelo site, cujo aviso é disparado por e-mail: “chegou a sua prestação de contas”.
"Invisto bastante em apresentação gráfica. O condômino entra no site e acessa tabelas e gráficos que, de forma visual, apontam onde a arrecadação foi aplicada, quais os principais gastos etc."
De acordo com Luis Eduardo Caracik, da Êxito, a régua de cobrança amigável deve ser regida por 6 princípios:
Sobre o último princípio, Caracik defende uma posição polêmica e que divide opiniões no mercado. "Em nossa experiência, negativação ou protesto demostram pouca eficácia, acarretam riscos ao condomínio, têm custos e impõem uma sobrecarga administrativa importante", justifica.
"O efeito da negativação ou protesto acaba sendo muito mais o de reduzir a sensação de frustração dos condôminos pontuais do que a produção de resultados práticos", opina Luis Eduardo Caracik, diretor da Êxito.
A partir das entrevistas realizadas, traçamos os perfis mais comuns de devedores. Cada um deles deve ser abordado de uma forma diferente, para que a cobrança seja bem sucedida. Confira:
Uma das premissas de Rafael Lauand é focar na correção de processos para que o condômino inadimplente tenha o jeito mais fácil de pagar a cota.
Na sua visão, os principais problemas de processo são:
Ele comenta que, de todas as contas que as pessoas recebem para pagar, a cota de condomínio é a mais complexa de receber em muitos condomínios.
"A disponibilidade do boleto tem que ser maior, de acesso fácil. Há condomínios onde a única alternativa ainda é retirar na portaria mediante assinatura de protocolo", exemplifica o sócio-fundador da LAR.app.
Além das tradicionais retirada na portaria e envio pelos Correios (com custo de impressão, manipulação e envio), atualmente já existem inúmeras maneiras de disponibilizar o boleto ao condômino sem custo:
Rafael Lauand sempre pergunta aos seus condôminos, logo que começa a atendê-los, qual é o meio de preferência para receber o boleto e também para ser contatado.
A funcionalidade mais usada do app da administradora é justamente gerar o boleto. "Bastam dois cliques para pagar a cota condominial: copiar o código de barra e, na sequência, pagar diretamente no no app do banco. É outra experiência, não dá para comparar com o boleto físico", explica Lauand, da LAR.app.
No método tradicional via portaria são 7 passos:
A régua de cobrança da LAR.app funciona basicamente assim:
"No telefonema, dependendo da situação e da percepção que tivermos sobre a gravidade do caso, alertamos o condomínio a respeito de uma possível necessidade de ajustes em seu planejamento financeiro", explica Rafael Lauand.
O síndico profissional Alexandre Prandini conta com a administradora, mas também faz o estilo mão na massa e não hesita em contatar diretamente os condôminos. Para ele, tudo depende da abordagem, do tom de voz e da mensagem enviada.
Já síndicos residentes, conselheiros e funcionários do condomínio (zeladores, gerentes de condomínio) não devem se envolver em atividades de cobrança de inadimplentes.
Se um deles for abordado por devedor, deve direcioná-lo para os responsáveis em cada etapa da régua de cobrança ou ainda falar ao morador que o assunto poderá ser pautado em uma próxima assembleia, para ser deliberado por toda a coletividade.
Caracik e Lauand são contra o síndico se envolver na cobrança.
"Não indico nunca. Quando recebe esse tipo de cobrança, o devedor tende a se sentir acuado, ou partir para uma resposta agressiva, entra no lado emocional e quebra o relacionamento. Pode acarretar problemas maiores que a inadimplência, como brigas. Não vale a pena", enfatiza Lauand.
A depender do tamanho do condomínio e do volume de inadimplência, uma primeira etapa da cobrança amigável pode ser feita pela própria administradora, com todo um alinhamento da régua de cobrança, elaboração de cartaz, comunicados e treinamento da equipe para fazer os telefonemas de forma assertiva.
Importante lembrar que esse não é o core business da administradora, e que, em alguns casos, pode haver uma limitação de know-how nesse tipo de processo e até mesmo profissionais sem capacitação específica para esse tipo de ação.
Por isso, certifique-se de que sua administradora está capacitada para isso, fazendo perguntas relacionadas ao conteúdo desta matéria.
Quando se trata de condomínios maiores, ou empreendimentos onde a inadimplência é muito alta, o caminho mais bem-sucedido é contratar uma empresa especializada em cobrança extrajudicial.
SP
No acumulado do primeiro semestre de 2020, o Índice Periódico de Mora e Inadimplência Condominial (IPEMIC) teve média de 2,97%, ligeira alta na comparação aos 2,90% registrados no mesmo período do ano passado. O estudo é elaborado pela Associação de Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC).
Considerando os índices do segundo trimestre de 2020 na comparação com o mesmo período do ano passado, a inadimplência variou de 2,84% para 3,30%, oscilação que a associação considera dentro da normalidade.
Segundo o Secovi-SP, houve queda no acumulado do primeiro semestre de 2020 das ações judiciais por falta de pagamento do condomínio. No período, foram protocoladas 4.455 ações, uma redução de 9,4% em comparação com o mesmo período de 2019 (4.918 ações).
MG
Já em Minas Gerais, em junho, a taxa média de inadimplência foi de 10,61%, 0,79 ponto percentual menor que maio, quando o índice foi de 11,4%. Na comparação com junho de 2019, o índice médio foi 0,38 ponto percentual menor. O estudo é elaborado pela Câmara do Mercado Imobiliário e Sindicato das Empresas do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI/Secovi-MG).
Fontes consultadas: Alexandre Prandini (síndico profissional), Luis Eduardo Caracik (Êxito) e Rafael Lauand (LAR.app)