21/05/19 12:18 - Atualizado há 5 anos
Por Márcio L. Spimpolo*
Muitos questionam a razão pela qual alguns condôminos pagam por outros e nunca são ressarcidos quando os valores retornam ao caixa do condomínio.
Já ouvi muitas teorias sobre isso e alguns posicionamentos equivocados de síndicos. A principal delas é que quando o dinheiro do inadimplente retorna, ele entra no movimento ordinário do condomínio e é utilizado para pagar as despesas comuns ou para reposição do caixa e de fundos diversos (de reserva, de obras, de pintura etc).
Daí, diante dessa resposta, surgem algumas perguntas:
Não seria essa uma forma de enriquecimento ilícito, tal qual preceituada pelo artigo 884, do Código Civil?
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Antes de respondermos a essas perguntas, é necessário que entendamos exatamente o que é a “taxa condominial”.
De forma bem objetiva e como muitos costumam dizer, para se chegar ao valor de uma “taxa condominial”, é preciso que se faça uma simples “conta de padaria”. Ou seja, se a despesa total do mês for de R$ 10 mil e houver 10 condôminos, cada um deve contribuir com R$ 1 mil com a ressalva do próximo parágrafo.
Sabemos que a maioria dos condomínios dividem as despesas por fração ideal. Este é o formato mais comum segundo a lei (art. 1336, I, do Código Civil). E se a convenção não dispuser de forma diferente, é por fração ideal que a conta deve ser dividida. Embora pessoalmente eu nem sempre concorde com essa última forma de divisão, este não será o momento para discuti-lo.
Não obstante a isso e para facilitar o raciocínio do tema, vamos imaginar que o nosso condomínio seja dividido em partes iguais ou por unidade.
Assim, no exemplo dado acima, se cada condômino pagar R$ 1 mil todo mês, a despesa estará totalmente paga pela totalidade deles, qual seja, (10).
Porém, se somente 1 (um) não pagar a sua cota parte (ou seja, R$ 1 mil) o valor referente à cota dele deverá ser rateado entre os demais 9 (nove), de modo que cada um desses 9 (nove) pagará a mais na sua taxa o valor de R$ 111,11. E assim acontecerá todas as vezes que alguém não pagar a sua cota parte.
Ao final de 12 meses de inadimplência de 1 (um) só condômino, cada um dos 9 (nove) restantes terá pago o valor de R$ 1.333,32 a mais do que deveriam, ou seja, emprestaram este valor ao condomínio para que este honrasse com todas as despesas.
Digamos, porém, que o inadimplente efetue o pagamento integral da cota parte dele de uma só vez, pagando o valor total de R$ 12 mil, além dos juros e multas pelo inadimplemento.
A pergunta que não quer calar é:
Por óbvio, o dinheiro pertence aos condôminos. Nos dizeres de Nelson Kojranski¹, “os verdadeiros credores, embora representados em juízo pelo condomínio, são os demais condôminos que deram cobertura ao devedor”.
Ocorre que a maioria dos síndicos acreditam piamente que os valores pertencem ao condomínio e que eles podem fazer o que quiserem com essa ‘bolada’ que entrou inesperadamente no caixa. “Agora vou conseguir fazer aquela melhoria que tanto esperávamos!”, diz o empolgado síndico.
Mas, vamos com calma Sr. Síndico! Ainda não é o momento de gastar o dinheiro.
Você não pode ignorar o fato de que durante 12 (doze) meses, os 9 (nove) condôminos emprestaram ou adiantaram esse valor total (R$ 12 mil) ao condomínio para que este pagasse em dia as suas despesas, e que, agora, devem ser ressarcidos pelo condomínio, posto que o beneficiado indireto do empréstimo efetuou o pagamento ao condomínio, e, por regra simples de lógica, este deve devolver os valores aos 9 (nove) condôminos, de acordo com o que cada um pagou.
Não é demais lembrar que o inadimplente não deve fazer parte desse rateio de recebimento.
O mesmo exercício ocorre em outras situações corriqueiras, quando, por exemplo, o síndico propõe um rateio extraordinário para cobrir o pagamento das despesas ordinárias por conta da inadimplência. Nesses rateios, aqueles que sempre ficam com o ônus dos pagamentos são, certamente, os adimplentes.
É sabido que, em todo condomínio, invariavelmente, há um certo percentual de inadimplência. Muitos síndicos acabam superdimensionando a previsão orçamentária na AGO (Assembleia Geral ordinária) para ganhar um fôlego e não precisar ficar chamando assembleias extraordinárias para pedir dinheiro. Mas, os adimplentes estão, de igual maneira, mesmo de forma disfarçada, emprestando dinheiro ao condomínio.
Ainda outros inserem uma linha na Previsão Orçamentária chamada de “Fundo de Inadimplência”, que nada mais é do que um legitimado empréstimo fixo dos que pagam em dia a sua cota. Vamos sempre lembrar que “taxa de condomínio”, como dissemos no início, é mera divisão de despesas.
Tanto no superdimensionamento das despesas, quanto no pedido extra de dinheiro, está caracterizado um empréstimo dos adimplentes para o condomínio.
Assim esclarece o citado e ilustre Nelson Kojranski: “É de se considerar que, durante o período de inadimplência, os bons pagadores tiveram de ‘emprestar ao condomínio’ (ainda que compulsoriamente) a quantia que o condômino faltoso deixou de pagar”.
Então, se é dessa forma, porque quando o inadimplente devolve o dinheiro para o condomínio, este não devolve ao condômino que lhe emprestou?
Teria o condomínio o direito de ficar com esse dinheiro, beneficiando os inadimplentes.
Analise a seguinte situação: Se o condomínio fica com o dinheiro do inadimplente no caixa e não devolve para o seu verdadeiro dono, os valores acabam sendo utilizados para despesas ordinárias ou extraordinárias.
Daí, o adimplente que sempre pagou as suas taxas e contribuiu para os diversos fundos do condomínio (fundo de reserva, de obras e outros) ficará em clara desvantagem financeira, visto que o inadimplente não contribuiu para esses fundos e estará tirando proveito deles.
Seria muito simples se todos os casos fossem como o que demos de exemplo neste artigo em que apenas 1 (um) condômino ficou inadimplente por meses a fio.
Ocorre que na maioria dos condomínios a inadimplência é rotativa e nem sempre o mesmo condômino fica inadimplente todos os meses.
Embora fosse o mais correto, uma conta dessas desafiaria os melhores sistemas de gestão financeira de um condomínio. Porém, nos casos pontuais de grandes somas, essa conta deve ser feita e os adimplentes devem receber de volta os valores pagos pelo(s) inadimplente(s).
Certamente que não. Visto que o dinheiro pertence a cada condômino adimplente, somente ele poderá decidir sobre o que fazer com a parte que ele emprestou ao condomínio.
Ninguém mais pode decidir por ele. Ele pode perfeita e legalmente exigir o dinheiro do empréstimo de volta, acrescidos dos juros e multas, ou abater em taxas condominiais vincendas a título de compensação, com base no artigo 368, do Código Civil, ou, ainda, concordar com a utilização do valor total ou parte dele em melhorias por ele aprovadas em assembleia.
Dessa forma, se o condomínio, por exemplo, pretende fazer melhorias no prédio e está contando com o valor que entrou em caixa do inadimplente, isso só poderá ser possível com a anuência de todos os que emprestaram o dinheiro. Ainda assim, é de se ressaltar que o inadimplente não deve se beneficiar desse aporte, visto que, se isso acontecesse, ele estaria se enriquecendo ilicitamente. Vejamos essa questão nos exemplos abaixo:
OBRAS DE MELHORIA: 15 mil
Nesse exemplo os 9 (nove) adimplentes teriam um crédito de R$ 1.111,11 e uma despesa de R$ 1.500. Assim, o único valor que eles teriam de pagar seria a diferença (R$ 1.500,00 (-) R$ 1.111,11 = R$ 388,89), ao passo que o inadimplente pagaria os R$ 1.500,00 integrais.
Veja, no mesmo exemplo, se o dinheiro voltasse integralmente para o caixa do condomínio:
OBRAS DE MELHORIA: 15 mil
Nesse exemplo, como faltou apenas R$ 5 mil para as obras, o condomínio iria ratear esse valor de forma igual aos 10 condôminos e cada um – tanto o adimplente quanto o inadimplente pagaria o valor de R$ 500.
Sim, como dissemos um pouco mais acima, realmente é. Não conheço nenhum sistema de administradora habilitado para separar esses valores dessa forma. Mas, espero que em breve os TIs de todo o país se debrucem num programa capaz de conciliar tais valores dessa maneira, visto que, ao meu ver, é a mais justa e legal. Cada um deve pagar a sua cota parte e nada mais.
Não obstante a isso, porém, quando há um retorno de um inadimplente contumaz (que inclusive pode ter perdido a sua unidade por falta de pagamento do condomínio ou do financiamento), fica mais fácil para que o síndico ou a administradora redistribuam os valores. E isso deve ser feito sem demora e sem a necessidade de provocação por parte dos condôminos que socorreram o condomínio através de empréstimos mensais.
Então, diante de tudo isso, entendemos que é muito importante mudar a cultura e a forma de pensar dos síndicos e administradores neste respeito, a fim de que a ‘taxa de condomínio’ continue sendo apenas e tão-somente uma divisão de despesas e não causa de enriquecimento ao inadimplente e até mesmo ao condomínio.
¹ Tribuna do Direito – Ed. nº 217.
(*) Márcio L. Spimpolo é advogado especialista em Direito Imobiliário e Condominial; palestrante, professor e coordenador da Pós-Graduação em Direito e Gestão Condominial da FAAP; colunista semanal do quadro "Condomínio Legal" da rádio CBN Ribeirão Preto; articulista da Revista Portuguesa ‘Condomínios’ e de diversos outros periódicos nacionais.