23/07/19 10:14 - Atualizado há 17 dias
Não é de hoje que o furto do registro de recalque - popularmente chamado de roubo de hidrante - é praticado por ladrões que vandalizam o equipamento, que fica na calçada na frente de condomínios, para levar peças de bronze que compõem o equipamento para vender no comércio clandestino ou para trocar em pontos de tráfico de drogas.
São inúmeros os transtornos em decorrência desse crime, a começar pela inutilização do equipamento usado pelo Corpo de Bombeiros no combate a incêndio, desperdício de milhares de litros de água, falta de água nas unidades, gastos com conserto e outros danos, fora a conta da concessionária que pode vir bem acima da média.
Para saber como agir e prevenir para que seu condomínio não seja mais uma vítima dessas gangues, preparamos esse conteúdo completo, com vídeos de situações reais que aconteceram com síndicas que deram seu depoimento. Confira até o final!
De acordo com o Corpo de Bombeiros, registro de recalque é um registro de paragem que fica em uma caixa instalada na calçada, abaixo do nível do solo, para não atrapalhar a locomoção das pessoas pelas calçadas. É aquela caixa de ferro com tampa pintada de vermelho e sinalizada em amarelo em volta (veja fotos no começo desta matéria).
O equipamento, também chamado de hidrante de recalque, abastece a reserva técnica de incêndio das edificações, garantindo o suprimento de água pressurizada necessário para apagar incêndios ao ser acionada em caso de acabar a água numa ação de combate às chamas.
Uma das peças que é alvo do roubo de hidrante é justamente a que se engata bomba ou mangueira usada pelos bombeiros. O hidrante de recalque está conectado às tubulações hidráulicas do prédio, e a água que chega até ele, lá na calçada, vem direto da caixa d'água da edificação por uma tubulação identificada pela cor vermelha para diferenciar das demais no barrilete do prédio.
O registro ou hidrante de recalque está previsto na Norma Regulamentadora nº 23 - ou simplesmente NR 23, que estabelece procedimentos de combate a incêndios, como equipamentos de combate ao fogo, rota de fuga e saída de emergência, formação de brigada de incêndio etc.
No caso das síndicas da cidade de São Paulo, Catarina Anderáos (que escreve esta matéria) e Marjorie Albuquerque, o ladrão agiu sozinho. Aproximou-se à pé do condomínio, vestindo um agasalho com capuz, uma mochila e uma sacola. Abaixou-se e abriu a tampa da caixa do hidrante e começou a agir. Em cerca de 4 minutos, a peça foi arrancada, o ladrão fugiu e a água começou a transbordar na calçada.
Na mesma semana em que o crime aconteceu no prédio de Catarina, um funcionário de um estabelecimento na Rua Vergueiro, próximo ao metrô Ana Rosa, contou a ela que houve roubo de hidrante de todo o quarteirão.
Abaixo, vídeo do CFTV do condomínio de Catarina, localizado na Vila Clementino, cujo crime ocorreu por volta de 2h da manhã, em agosto de 2024:
"Quando o funcionário voltou da ronda, achou que havia rompido algum encanamento da água de rua, fechou o registrou, porém a água não parava de jorrar na rua e também na garagem subsolo, pela caixa de telefonia. Ele me interfonou, eu e meu marido fomos até lá para entender o que estava acontecendo", relata Catarina.
Ela telefonou para o zelador que suspeitou do roubo do hidrante. Dito e feito: ao abrir a caixa do registro de recalque na calçada, a peça de bronze havia sido arrancada.
"Pela norma, as caixas onde ficam localizados os hidrantes devem permanecer destrancadas e desimpedidas justamente para agilizar o acesso dos bombeiros em caso de combate a incêndio. Por isso a facilidade com que agem esses bandidos, já que o material que eles buscam está ali na calçada", comenta a síndica.
No condomínio de Marjorie, localizado em Higienópolis, a audácia do bandido foi maior: o roubo do hidrante foi às 7h da manhã, quando já estava claro e com movimento de carros na rua.
"Comecei a receber mensagens dos moradores dizendo que não havia água nos apartamentos. O zelador do condomínio chegou às 9h e a frente do prédio estava inundada. A caixa d'água foi completamente esvaziada e os moradores ficaram sem água até às 15 horas, após o conserto ser feito e a caixa encher novamente", relata.
Assista abaixo o vídeo do CFTV do condomínio de Marjorie, ocorrido em junho de 2024:
Em reportagem do jornal Tribunal do Paraná, os síndicos de Curitiba relataram que os ladrões agiam em duplas, usando motos.
“É sempre o mesmo modo de agir. Eles chegam, olham se o hidrante é de bronze ou de latão, e avisam os outros do grupo se a peça é de valor. Usando ferramentas, eles vêm e retiram as peças”, disse o então síndico Carlos Roberto Rodrigues, cujo condomínio no centro de Curitiba foi vandalizado às 23h40.
O furto também foi registrado pelas câmeras de segurança do condomínio. As imagens mostram o motoqueiro se aproximando do local do hidrante, perto da porta de entrada do prédio. Depois, os comparsas começam a trabalhar na retirada das peças do registro de recalque.
A cena pode confundir pedestres e motoristas, pois dá a impressão de serem técnicos trabalhando em algum conserto.
O roubo de hidrante é comum para derretimento de peças ou trocas em pontos de drogas. A instalação dos equipamentos usa peças que podem ser tanto de bronze quando de latão, dependendo da tubulação que passa entre o prédio e a calçada. Se for de cobre, usa-se peças de bronze por padrão. Se for de ferro, usa-se o latão.
O que os bandidos roubam? Segundo profissionais da área, geralmente o alvo são o disco de registro de gaveta bruto, a curva macho e fêmea e o adaptador de rosca onze fios, que podem ser de bronze.
Confira abaixo as 9 providências tomadas pela síndica Catarina Anderáos para contornar o problema do roubo de hidrante em seu condomínio.
Assim que o furto foi identificado, com apoio do zelador, a síndica Catarina Anderáos e o funcionário de plantão foram até o barrilete do prédio e fecharam os registros da tubulação que leva a água para o hidrante do bombeiro, que calçada, que era por onde estava vazando a água na calçada.
Com isso, a água parou imediatamente de sair pelo hidrante vandalizado na calçada do prédio.
Na sequência, foram até a caixa d'água superior para verificar o nível de água, que estava muito baixo. Foi aberto novamente o registro da água de rua para restabelecer o abastecimento do prédio, começando a encher novamente a caixa d'água inferior.
Importante telefonar para o encanador ou manutencista do condomínio para solicitar o conserto imediato do hidrante vandalizado.
Por mais que a caixa d'água volte a encher e os apartamentos estejam novamente abastecidos, o hidrante de rua é um equipamento de segurança essencial no sistema de combate a incêndio e precisa estar em funcionamento para o caso de haver uma ocorrência.
Verifique se o acionamento automático da bomba que joga a água para a caixa superior está ativo. No caso do condomínio de Catarina, o acionamento foi desarmado e foi preciso fazer no modo manual e acompanhar para não haver transbordo de água.
A empresa de manutenção da bomba foi chamada e realizou o reprogramação do sistema.
Nessas horas, é muito importante contar com uma rede de apoio para receber dicas e orientações adicionais.
"Mandei mensagem para o grupo de networking do SíndicoNet Clube e alguns colegas que já passaram pela mesma situação compartilharam soluções que adotaram em seus condomínios e outras providências que tomaram", comenta a síndica Catarina Anderáos.
Instalar uma barra de ferro que impede o furto e válvula para impedir a saída da água (terceira imagem abaixo) e cimentar em volta da peça (quarta imagem abaixo) deixando de fora apenas a boca de engate na mangueira foram algumas delas.
O engenheiro civil Ricardo Gonçalves, especializado em condomínios e professor da Universidade Secovi, esclarece que este assunto está abordado na Instrução Técnica nº 22 do Corpo de Bombeiros.
"No item 5.3.5, está escrito: 'para a proteção do dispositivo de recalque contra atos de vandalismo, a junta de união tipo engate rápido pode ser soldada e possuir válvula de retenção'. Além do Bombeiro indicar a soldagem da junta (terceira imagem acima), também permite que o adaptador fique na portaria para não ser roubado", complementa.
"Os bombeiros sabem que furtos acontecem e, portanto, são válidas todas as intervenções para evitá-los. O que realmente importa é se o sistema está funcionando corretamente. Tais 'medidas' não podem impedir a manutenção e não podem interferir na operação do sistema numa situação de emergência", elucida o engenheiro.
Enviar mensagem relatando a ocorrência para o corpo diretivo é importante para compartilhar e dividir a carga, assim como receber ideias e orientações.
"Tenho um grupo no whatsapp com meu subsíndico, zelador e o prestador de serviços gerais. Enviei mensagem no grupo logo após as primeiras providências e o subsíndico, que é engenheiro civil, deu algumas orientações e supervisiou o consertou feito pelo prestador. Tudo foi sendo compartilhado conforme ia sendo feito, mantendo o grupo atualizado", conta Catarina.
Outra providência é solicitar à empresa de monitoramento que envie as imagens do sistema de câmeras do condomínio para confirmar o furto e ter provas do crime para outras providências que o condomínio terá que tomar, como registro de Boletim de Ocorrência e solicitação de ressarcimento na conta de água.
Em caso de flagrante do crime, ligar imediatamente para o 190.
Síndico deve ter cautela com comunicados alarmistas e precipitados. Antes de alardear a comunidade, apure a ocorrência e informe o que for fato e realmente necessário.
"Como o roubo de hidrante aconteceu de madrugada, o enchimento da caixa d'água foi restabelecido e o encanador fez o conserto do registro de recalque logo cedo, os moradores nem perceberam o que aconteceu no condomínio. É importante o síndico ser racional e filtrar o que é necessário informar aos moradores para não colocar as pessoas em pânico desnecessariamente", orienta a síndica Catarina Anderáos.
No caso da síndica Marjorie Albuquerque, os moradores ficaram sem água logo cedo e foram sendo informados conforme as providências foram sendo tomadas até o total restabelecimento do abastecimento.
Em casos em que há perda significativa de água ocasionada por vazamento, que é o caso do roubo de hidrante, o condomínio deve pedir desconto da cobrança referente ao esgoto à sua concessionária, pois só é devido o pagamento relacionado ao consumo da água.
A empresa vai comparar o consumo com meses anteriores, constando que houve vazamento, e com isso o condomínio não precisa arcar com a coleta de esgoto que não foi realizada.
No condomínio de Curitiba, a administração calcula que tenham sido desperdiçados 73 mil litros de água, representando quase um terço do que o condomínio gasta em um mês. Foram cerca de R$ 6 mil de prejuízo, entre conta de água e conserto do equipamento.
No caso de Marjorie, a conta de água ficou cerca de R$ 800 a mais na fatura seguinte.
Ao longo da matéria, foram citadas algumas medidas preventivas ao furto de hidrante:
Mas além destas, separamos mais algumas para você avaliar para o seu condomínio. Confira!
Uma das providências da síndica Catarina foi colocar um holofote posicionado bem em cima da caixa do hidrante acionada por sensor de presença, que liga automaticamente quando alguém se aproxima.
"Como a luz é bem forte, de noite chama muito a atenção de qualquer outra pessoa que esteja passando pela calçada ou pela rua e do funcionario do prédio também. Como esses bandidos agem na espreita, de forma quase imperceptível, o holofote é um grande aliado", comenta Catarina.
Quando o condomínio conta com serviço de segurança com monitoramento remoto de câmeras, uma sugestão é conversar com a empresa para que faça o monitoramento ativo das câmeras da frente do prédio, que peguem a caixa do hidrante, nos momentos em que o funcionário for fazer a ronda.
"Fiz esse combinado com a empresa que atende o meu condomínio. Assim, quando a ronda for feita, a empresa telefona para o celular do funcionário do prédio ao sinal de qualquer atitude suspeita para ele retornar ao posto e averiguar se há uma ocorrência", explica a síndica.
Já estão sendo testados no mercado sistemas de CFTV com inteligência artificial que emitem alertas quando há movimentos suspeitos.
Outro recurso é o sistema de monitoramento de nível de caixa d'água, que emite alertas a qualquer situação fora do padrão, como elevação do nível de água/transbordo (o que pode indicar problemas na bomba) e baixa do nível de água, que pode ser problema de abastecimeno pela concessionária, como também o roubo de hidrante.
O sistema emite um alerta de não conformidade para o funcionário, síndico e/ou administradora por meio de aplicativo ou painel de monitoramento, e com isso é possível checar o que está acontecendo de errado e tomar as providências.
Após aprender tudo sobre como agir e prevenir roubo de hidrante, que tal ler um conteúdo completo sobre Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros, o famoso AVCB?
Fontes consultadas: Anna Maria Cáffaro (síndica), Catarina Anderáos (síndica), Marjorie Albuquerque (síndica), Ricardo Gonçalves (engenheiro civil), portais Corpo de Bombeiros e Tribuna do Paraná.