13/01/23 06:06 - Atualizado há 1 ano
Começo de ano é o momento em que tradicionalmente se reserva para fazer aquela reflexão sobre a vida e os relacionamentos, estabelecer metas, projetos e sonhos para o novo ciclo. Entre as resoluções, costumam aparecer: inscrever-se em um curso, mudar de casa, ser mais organizado e produtivo e cuidar da saúde - e que tal incluir aqui uma atenção especial às emoções?
Justamente nesta ocasião em que as pessoas estão mais inspiradas e motivadas para revisar suas vidas que acontece a campanha Janeiro Branco de conscientização sobre saúde mental.
Em tempos pós pandemia, falar sobre saúde mental nos condomínios é importante tanto para o síndico - que viu crescer exponencialmente o volume de demandas e conflitos - quanto para moradores - que passaram a ficar muito mais tempo em casa, principalmente com a consolidação do home office.
Nesta matéria, trazemos para vocês as lições de uma síndica profissional que superou o burnout; informações, orientações e sugestões práticas para síndicos, administradoras e moradores abordarem o assunto saúde mental nos condomínios, aproveitando oportunidades e espaços do empreendimento para convidar a todos a uma vida mais equilibrada.
E como bônus, ao final você confere uma entrevista exclusiva do psicólogo e presidente do Instituto Janeiro Branco, Leonardo Abrahão, sobre saúde mental para o contexto condominial. Confira!
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2022, quase um bilhão de pessoas vivem com algum transtorno mental, cenário agravado pela pandemia de covid-19.
Se você mesmo não passou, certamente conhece alguém que teve episódio de burnout - que virou doença ocupacional em janeiro de 2022 - , ansiedade ou depressão. E num país onde milhões de pessoas moram em apartamentos, condomínio também é lugar para falar de saúde mental.
Tanto é que a palestra de encerramento da última edição do Conexão SíndicoNet, em 2022, foi Equilíbrio e resiliência emocional para síndicos na nova gestão de condomínios residenciais.
Na visão da palestrante, a terapeuta especializada em dor e trauma Luciana Ross, no pós pandemia, os síndicos ocupam o solitário papel de liderança, envolvendo tomadas de decisão em tempo recorde num cenário que envolve saúde mental - não mais do lockdown, mas do home office estabelecido.
Na pandemia, surgiram 9 novas doenças emocionais (OMS) e está previsto que em 2030, as doenças mentais vão matar mais do que as doenças cardíacas. Dados atuais da OMS indicam que:
Estes, e muitos outros dados alarmantes, foram apresentados por Luciana, numa palestra com objetivo de trazer reflexão - e também soluções - para um assunto incômodo, porém, necessário, neste novo mundo de maior longevidade, mas com qualidade de vida ameaçada.
“Vocês precisam se preservar desses números. Vocês precisam sair dessa estatística e serem os divisores de água que vão para o outro lado da margem do rio e começam a oferecer tratamento”, disse.
O impressionante salto no número de pessoas habitando o planeta, no volume de dados e no uso de equipamentos tecnológicos somado à consolidação do home office etc mudaram o estilo de vida e impactaram profundamente a saúde física e mental. Por isso a necessidade de cuidados urgentes.
“Precisamos cuidar das pessoas, dos colaboradores, de quem está próximo. As pessoas ficaram frágeis diante de tanto desmoronamento, como a pandemia deixou claro”, falou a terapeuta Luciana Ross.
E a lista dos aspectos comportamentais, muito mais complexos, é extensa. Veja:
Fonte: Universidade Harvard
A síndica profissional Juliana Moreira, proprietária da Sindicompany, tem sob a sua responsabilidade a gestão de condomínios que somam mais de 48 mil moradores e 300 funcionários.
Com esse volume de empreendimentos, pessoas, equipe e demandas, não surpreende o fato dela ter chegado ao limite e ser diagnosticada com burnout em novembro de 2020, o ano mais crítico da pandemia de covid-19.
"Durante a pandemia, esteve muito presente nos condomínios para garantir procedimentos de higienização, auxílio ao morador doente, e também para manter a equipe comprometida e unida. Peguei covid 4 vezes", relata.
Mesmo não parando nenhum dia, chegou a sofrer perseguição de condôminos.
"A sensação que eu tenho é que as pessoas acabam canalizando seus problemas para o síndico, esquecento que ele também é um ser humano por trás do cargo. Perdi muitas noites de sono devido à carga mental e muito assédio", conta Juliana.
Filha de psicóloga, Juliana conta que o tema depressão e saúde mental nunca foi tabu em sua família.
A síndica já fazia terapia quando recebeu o diagnóstico de burnout - estresse crônico no trabalho com esgotamento físico e mental - e começou a fazer tratamento.
"Cheguei ao ponto de só conseguir dormir 2 horas por noite porque a cabeça não desligava. Além da pandemia, a pressão dos condôminos, o excesso de problema dos outros e casos de tentativa e de suicídio. Tive crises de ansiedade e fiquei em estado de vigília por 7 meses", descreve a síndica profissional.
Durante a pandemia, houve 7 tentativas de suicídio nos condomínios que Juliana Moreira administra.
"Ajudei pessoalmente em várias ocorrências e conseguiu fazer um resgate. Cheguei a arrombar a unidade e levar o condômino para o hospital. Hoje reconheço que foi um ato intempestivo por ser invasão de uma propriedade privada, mas fiz amparada pela anuência da família, que mora em outra cidade. Mas teve um caso que foi fatal", lamenta.
Ela esteve presente na perícia e foi a pessoa incumbida de dar a notícia para a família.
A recomendação médica para Juliana Moreira era tirar licença do trabalho. "Mas por ser empresária, o afastamento total era complicado. Eu também era resistente à medicação. Fui parar no hospital numa crise de ansiedade."
O tratamento incluiu medicação, intensificação das sessões de terapia (algo que ela indica para todos os colegas síndicos) e ampliação da equipe de trabalho.
Juliana criou o departamento de People & Cultures na sua empresa. A área cuida da equipe alocada dentro dos condomínios, é responsável por plano de carreira, desenvolvimento profissional, alinhamento de equipe e desenvolvimento da cultura da Sindicompany nos funcionários que estão alocados nos condomínios. Outra medida foi ampliar a equipe de atendimento dentro dos condomínios.
"O síndico é um para-raio, um centralizador de problemas. Ele acaba sendo um pouco mediador de conflitos, psicólogo, é só problemas. Com esse processo, aprendi, mesmo com dificuldade, a separar a Juliana 'pessoal' da 'profissional'."
Ela também passou a impor limites aos condôminos que abusam nas solicitações e nas demandas.
"Eu me cuido para poder cuidar dos outros. Porque no final das contas, condomínios são pessoas com um prédio no meio. Este é o maior desafio do síndico: lidar com as pessoas. Conheço síndicos que abandonaram a carreira por não saber lidar ou não conseguir administrar o lado emocional."
Habitado por milhões de pessoas, os condomínios podem ser mais um espaço não apenas para divulgar informações, mas para promover cuidados efetivos da saúde mental das pessoas.
O gestor tem um papel importante para realizar uma campanha de conscientização, promover o bom aproveitamento dos espaços e áreas de lazer, eventos que fomentam a socialização e palestras.
Vocês têm nas mãos uma arma para curar as pessoas dos seus condomínios. Montem campanhas de conscientização de cuidados com a saúde, compartilhando esses dados e dicas. Estimule os moradores a se movimentarem a cada 40 minutos, convide-os para descer para se divertirem”, sugere Luciana Ross.
A síndica profissional Juliana Moreira é conhecida por ser "festeira". Além de eventos e encontros sociais, ela também firma parcerias com empresas de massagem nos condomínio onde tem spa e contrata assessoria esportiva para implantar grade de aulas.
Duas ações de final de ano marcantes que aconteceram em alguns de seus condomínios foram:
"Além de incentivar o bom uso, momentos prazerosos e valorização das áreas comuns e do empreendimento, os moradores fazem atividade física e interagem com outros moradores. Eles enxergam valor, vêm retorno", explica.
Ela vai promover ciclo de palestras sobre cuidados com saúde mental com especialistas para os condôminos para as pessoas saberem como pedir ajudar, priorizando os condomínios onde houve as tentativas e o episódio de suicídio.
Confira abaixo uma série de orientações fornecidas pela terapeuta Luciana Ross que podem ser adotadas por qualquer pessoa e ajudar nos cuidados de sua saúde mental:
O psicólogo e presidente do Instituto Janeiro Branco, Leonardo Abrahão, conversou com o SíndicoNet sobre o tema saúde mental nos condomínios.
O especialista compartilhou orientações e esclarecimentos aos síndicos sobre o seu papel dentro dos empreendimentos e as implicações da sua função do ponto de vista das emoções e das relações interpessoais. Confira!
Leonardo Abrahão - Campanhas já fazem parte do dia a dia da sociedade brasileira. Existe uma abertura cultural para introdução de assuntos por meio de campanhas, como Outubro Rosa, Novembro Azul, campanhas de vacinação.
A campanha Janeiro Branco trabalha com temas universais, como a importância da saúde mental, do equilíbrio, da paz de espírito, do diálogo e da harmonia nas relações humanas.
Tudo isso é bastante sensato e sensível, então começar apostando na comunicação dentro dos condomínios de mensagens universais, como paz, amor, afeto, harmonia, respeito, solidariedade e compreensão nas relações humanas, informando que tudo isso tb é estratégia para se garantir saúde mental. E essas mensagens já estão nos materiais da campanha do instituto, disponíveis para download no site.
O síndico pode afixar cartazes nos murais, nas áreas comuns (academia, banheiros, atrás de bebedouros, guarita de entrada), distribuir um panfleto por unidade na entrega da correspondência.
Leonardo Abrahão - O síndico ocupa um cargo de liderança e é, no fundo, um gestor de relações humanas, às vezes até árbitro, advogado de conciliação, um promotor de justiça.
É muito importante para todo mundo que ocupa cargos de liderança ou de gestão de pessoas ter ciência do seu papel.
disponibilidade emocional necessárias para se colocar à disposição do exercício de alguma profissão.
Um síndico vai ter que usar do máximo da sua disponibilidade, flexibilidade emocional, de entendimento de como ocorrem as relações humanas.
Por ser um gestor de pessoas, o síndico só pode se propor a esse papel se tiver recursos internos para lidar com as dificuldades internas das outras pessoas. Quem se coloca no papel de gerir relações humanas tem que entender que este papel é, na verdade, de administrar questões, sentimentos e conflitos humanos. Faz parte. ter consciência do que o papel exige em termos subjetivos - emocionais e pessoais - e objetivos.cuidar das suas próprias emoções para não deixá-las se misturar com as emoções dos outros. Cuidar dos seus próprios conflitos internos para não deixar os seus conflitos transbordarem e misturarem com os conflitos das pessoas que ele vai administrar no papel de síndico.
precisa estar com a sua saúde mental em dia para poder lidar com os altos e baixos da saúde mental das outras pessoas do condomínio.
Ele precisa estar física e emocionalmente bem, financeiramente equilibrado, precisa ter mecanismos de escape, descarga e de fuga do seu próprio estresse para que possa lidar com os desafios do dia a dia e, principalmente, com os desafios impostos pelas emoções das pessoas sob sua gestão. Exemplos:
Leonardo Abrahão - O síndico que atua de maneira profissional precisa entender que parte das decisões e atitudes que ele tem que tomar devem ser amparadas por recursos externos a ele, como uma assessoria jurídica, por exemplo, legitimando, validando, qualificando decisões que ele tem que tomar para que ele não se sinta isolado e o único responsável por tomar todas as decisões e implementar todas as medidas.
Isso tira o excesso de peso de suas costas em relação a decisões técnicas e o ajuda a preservar a sua saúde mental.
Leonardo Abrahão - Basicamente, existem duas formas para que qualquer pessoa possa ser uma fonte de informações sobre saúde mental para outras pessoas.
Leonardo Abrahão - Separando e defendendo um espaço na agenda para cuidar e investir em uma vida com mais saúde mental. As pessoas podem buscar oportunidades de pausas, de reflexões, de investimento em autoconhecimento, de ter contato com a natureza, de estar com a família, de tomar banho de sol nas áreas de lazer do condomínio, usar a piscina, a pista de caminhada.
Investir em saúde mental, nos tempos atuais, pede atitudes práticas, ativas e positivas. Não pode ser "quando der", "quando for possível".
Assim como abrimos espaço para levar os filhos a escola, para ir ao supermercado, pagar contas, trocar o pneu do carro quando necessário, nós precisamos colocar na agenda de forma consciente, sistemática e como uma decisão em prol da saúde mental pessoal e da própria família. As pessoas devem defender esse espaço e esse tempo, que está cada vez menor na pós-modernidade.
Abaixo, confira 10 dicas para fortalecer a saúde mental, do Instituto Janeiro Branco:
Fontes: Luciana Ross (terapeuta), Juliana Moreira (síndica profissional) e Leonardo Abrahão (Instituto Janeiro Branco).