09/10/19 12:23 - Atualizado há 5 anos
Por Omar Anauate* e José Roberto Graiche Júnior**
A atuação em meios digitais é uma necessidade imperativa para qualquer empresa competir em mercados cada vez mais disruptivos e tecnológicos. Essa realidade inclui as administradoras de condomínios. Popularizadas no País a partir da década de 1960, acompanhando a verticalização das grandes cidades e se profissionalizando continuamente desde então, hoje lidam com a busca por espaço de startups que vendem a promessa de uma administração 100% digital, mais rápida, mais barata e sem burocracia.
Mas afinal, é possível imaginar a gestão digital de um condomínio, que é cada vez mais complexa e permeada por aspectos multitarefa, consultoria e relacionamento constante?
Antes de entrar no debate, cabe esclarecer que nem tudo vendido hoje como revolucionário é exatamente novidade no mercado de administração condominial. Um exemplo é a oferta de aplicativos para gestão da rotina do condomínio, com recebimento de encomendas, cadastro de moradores, controle de acesso de visitantes e fornecedores e reserva para uso das áreas comuns.
Administradoras tradicionais já disponibilizam esses serviços online, além de consultas à documentação completa do condomínio, como atas de assembleias, 2ª via de boleto, consultas a cotas em atraso e emissão de certidão negativa, demonstrações financeiras, gráficos, enquetes e processos automatizados, todos integrados em um único portal e aplicativo.
Também são acessíveis por qualquer morador habilitado informativos digitalizados, como a prestação de contas e uma réplica digital da prestação de contas mensal, o que refuta o argumento antiético de algumas plataformas digitais sobre a falta de transparência das empresas administradoras.
A verdade é que todas as empresas de administração seguem o modelo de gestão financeira escolhido e aprovado pelo condomínio. As verbas podem ser arrecadadas em conta corrente da administradora ou do empreendimento, que de qualquer forma, sempre pode manter uma conta externa em seu nome para aplicação dos recursos de fundo de reserva e outras provisões, escolhendo a aplicação financeira que melhor convier para o condomínio,
Como sempre há o objetivo de apresentar “outros produtos” no mercado onde atuam, outro serviço incluído no pacote de algumas startups é a consultoria para investir a verba do condomínio, a que alegadamente estaria aplicada em contas poupança, uma assessoria que as administradoras já oferecem.
Atualmente, as administradoras aplicam os recursos de acordo com a orientação do cliente e opções disponíveis no mercado financeiro, como Certificado de Depósito Bancário (CDBs) e fundos de investimento de baixo risco, com possibilidade de resgate antes do prazo, caso necessário.
É importante ressaltar que as aplicações financeiras dos condomínios devem ser conservadoras, pois a verba não pertence ao síndico ou ao corpo diretivo. O objetivo deve ser sempre conservar o valor do dinheiro, e não obter ganhos financeiros com verbas da comunidade.
Saliente-se também que as empresas administradoras já contribuem para manter a saúde financeira dos condomínios estudando e elaborando uma previsão orçamentária adequada, submetida à avaliação do Síndico e do Conselho. Sempre foram responsáveis por acompanhar as despesas e alertar desalinhamentos, a fim de evitar déficits e aprovação de despesas não previstas.
A gestão financeira de um condomínio não permite desleixo com as contas mensais, pois os síndicos e condôminos estão atentos às oscilações de custos, bem como ao custo-benefício dos serviços contratados. A qualidade também influencia a tomada de decisões.
Além de monitorar como o condomínio gerencia o seu dinheiro, startups têm prometido reduções drásticas nos custos de gestão do empreendimento. Para vender o serviço, falam em economia de até 50% nos boletos condominiais – mas sem explicar a mágica.
Sabemos que, em condomínios com quadro de funcionários completo, entre 55 e 65% das despesas são destinadas à equipe. A água consome entre 9% e 10% da arrecadação, e a energia, entre 4 e 5%.
Isso significa que a margem de redução por simples negociação ou conscientização é pequena e, na maioria das vezes, os condomínios e suas administradoras já debateram e avaliaram as mudanças possíveis. Curiosamente, para reforçar esta possibilidade, as startups abordam inclusive o tema da corrupção, acusando de forma vil todos os players de um mercado de praticarem contravenção, generalizando que a despesa condominial nos empreendimentos é onerada por estas práticas.
A transformação digital que remodela o varejo, os transportes e o entretenimento também alcança o mercado de administração condominial. Independentemente do perfil, as administradoras também estudam e se preparam para antever as próximas tendências do segmento. Algumas já estão de olho em soluções de inteligência artificial para portaria remota e câmeras de movimentos, outras investem em IoT (Internet das Coisas) para controle de iluminação e assembleias virtuais.
Claramente, o arrojo tecnológico e as suas novidades são facilitadores no cotidiano atual das pessoas. Porém, há ocasiões em que um modelo puramente tecnológico mostra-se insuficiente para administrar um empreendimento.
Uma situação clássica é a resolução de conflitos interpessoais, tão comuns nos condomínios, onde a intermediação humana é imprescindível, assim como para as habilidades de negociação e o atendimento a questões que fogem aos controles automatizados. Portanto, o know-how, a consultoria em cada atendimento e a bagagem acumulada pelas administradoras e suas equipes são reconhecidos pelo mercado.
Eventualmente, o desconhecimento da complexa estrutura de pessoal e tecnologia, além do aparato legal que envolve a administração condominial pode tornar os moradores vulneráveis a narrativas e ofertas de serviços digitais aparentemente atraentes.
Por sua vez, as administradoras tradicionais já trabalham para trazer mais conveniência para os condôminos e aliam a modernização dos serviços às regras específicas para obras, finanças, fornecedores, cobrança, orientação jurídica, notificações e circulares, além de tudo que envolve o relacionamento interpessoal em sua atuação.
O discurso de ganho de escala e criação de novos serviços digitais, moldado por startups, por vezes, na prática, tende a não priorizar quem de fato interessa – os moradores.
A competição em qualquer área é natural, tanto quanto está sujeita ao uso de estratégias aparentemente milagrosas, como vem ocorrendo com startups que entraram na disputa. Faz parte do jogo. As administradoras tradicionais, porém, continuam trabalhando e evoluindo para atender, com seriedade, às exigências de seus clientes.
(*) Omar Anauate é diretor de Condomínio da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC) e José Roberto Graiche Júnior é presidente(**).