Secovi-SP debate proposta da Prefeitura de restringir vagas de garagem
Plano Diretor Estratégico quer incentivar o uso do transporte público, diminuindo a quantidade de vagas nos novos empreendimentos imobiliários. Proposta foi debatida por especialistas do Secovi-SP, poder público e ITDP, de Nova York e do Brasil
No Projeto de Lei 688/2013, que trata do novo Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE) e que está na Câmara de Vereadores para discussões e votação, o prefeito Fernando Haddad quer limitar o número de vagas de garagem nos novos empreendimentos residenciais, como forma de inibir o uso de automóveis e, assim, melhorar o trânsito na cidade.
Para debater se a medida terá eficácia e apresentar alternativas ao problema da falta de mobilidade, o Secovi-SP (Sindicato da Habitação) convidou o norte-americano Michael Kordansky, gerente de Pesquisas Urbanas do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) de Nova York, para falar sobre as melhores práticas urbanas adotadas em diversas cidades do mundo, durante o Encontro Técnico “Plano Diretor: garagens, mobilidade e outras questões urbanas”, realizado dia 28/1, em parceira com o ITDP-Brasil.
“As vagas de garagem dos empreendimentos residenciais se interrelacionam com a cidade, com os seus mecanismos e engrenagens”, disse Hamilton Leite, coordenador de Programas de Sustentabilidade e Eventos Culturais do Secovi-SP, na abertura do evento, com a certeza de quem estuda o tema há anos – ele fez uma apresentação no congresso LARES (Latin America Real Estate Society), em 2011, acerca da evolução do espaço destinado a automóveis em relação à área total construída dos edifícios de São Paulo.
De mocinho a vilão
O pesquisador Michael Kordansky lembrou que as cidades descobriram as ameaças dos carros quando passaram a regularizar o uso do solo. De acordo com ele, as pessoas iam aos centros urbanos para trabalhar e voltavam para o interior. Como alternativa para solucionar os inúmeros deslocamentos motorizados, ocorreu a expansão da estrutura viária. Com isso, as cidades passaram a ser projetadas em função do automóvel.
Copenhague, capital da Dinamarca, foi citada por Kordansky como exemplo positivo de devolução da cidade para as pessoas. “Nos anos 1960, ela abriu mão dos estacionamentos nas ruas para abrigar os pedestres. Foram criados espaços para os ciclistas e abriram o canal, que havia sido fechado, para criar mais vagas”, explicou.
Na opinião de Kordansky, nos prédios residenciais as vagas são espaços que não atendem as crianças, os idosos e as pessoas com deficiência física. Para ele, esses locais deveriam ser destinados a serviços essenciais, como carga e descarga e ambulâncias. “Estacionamentos são espaços mortos. As cidades existem para as pessoas.”
Em Boston, nos Estados Unidos, os empreendedores imobiliários não querem mais construir vagas em áreas valorizadas, conforme Kordansky; e na Cidade do México, foi criado um medidor para taxar os veículos que estacionam nas ruas, o EcoPark. “São seis mil espaços formalizados de estacionamentos e os usuários pagam antecipadamente. O serviço é fiscalizado por um casal, e 100% do valor arrecadado são direcionados para a melhoria do espaço público”, concluiu Kordansky.
São Paulo
De janeiro de 2002 a novembro de 2013, foram construídas mais de 590 mil vagas de garagem na cidade de São Paulo. Considerando que, anualmente, são lançadas, em média, 30 mil novas unidades residenciais no município, chega-se a um volume de 49 mil vagas de estacionamento por ano, ou seja, 1,62 vagas por apartamento. A conta foi apresentada por Eduardo Della Manna, diretor-executivo da vice-presidência de Assuntos Legislativos e Urbanismo Metropolitano do Sindicato. A concentração maior de espaços para estacionar deu-se nos distritos da Vila Andrade, do Itaim Bibi e Tatuapé. No mesmo período de 12 anos, foram entregues 39.992 unidades não residenciais e 58.472 vagas, ou seja, 1,46 vagas por sala de escritório.
Porém, em 10 anos, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita na cidade cresceu 157% - um salto de R$ 13,4 mil para R$ 34,3 mil; o crescimento populacional foi de 8%; o de domicílios, 20%; e da frota de veículos, 61%. A diferença entre o volume de domicílios e o de carros nas ruas chega a 205%.
Crise mundial
Claudio Bernardes, presidente do Secovi-SP, lembrou que a entidade debate o tema “mobilidade urbana” há pelo menos oito anos. “Este problema é sério, pois o transporte público é ineficiente. A adoção de novos modelos de ocupação urbana ao longo dos eixos, conforme proposto no PDE, é parte da solução. No entanto, é preciso ver se o mercado consumidor aceitará a limitação de vagas e quais serão os efeitos colaterais”, questionou o dirigente, completando que não há dúvidas sobre a necessidade de trabalhar rapidamente para que a cidade não pare completamente. “Porém, consideramos imprescindível um período de transição, para que todos possam se ajustar às novas condições.”
Fernando de Mello Franco, secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, disse que a maior crise mundial é a de mobilidade urbana, pois o problema não é de ordem econômica ou ideológica, mas Física. “Dois corpos não ocupam o mesmo lugar”, brincou.
Ele citou a Rússia como exemplo. “Lá, há rede de avenidas com 12 faixas e, mesmo assim, o modelo de cidade é difuso e disperso, onde 80% da área urbana não têm restrição ao número de espaços para estacionamento de carros.”
A proposta de diminuir o número de vagas nos novos empreendimentos dentro do Eixo de Estruturação da Transformação Urbana – áreas lindeiras às linhas de transporte público existentes –, contida no PL do PDE, é um primeiro movimento no sentido de solucionar a falta de mobilidade na cidade de São Paulo, de acordo com o secretário. “O projeto do Centro Cultural Moreira Salles, na avenida Paulista, está esperando a aprovação do PL, porque não quer oferecer vagas de garagem.” Porém, é preciso que a prefeitura e o governo do Estado invistam no sistema de transporte, por meio de uma política pública articulada.
Cidade compacta
O vereador Nabil Bonduki, relator do PL, defendeu durante os debates a construção de uma cidade com usos mistos, distâncias menores e misturas de classes sociais. “O amplo acesso aos bens de consumo tende a se expandir ainda mais e atingir todas as parcelas da população. Uma cidade compacta vai reunir mais pessoas, em um volume maior de espaço construído. Temos de lembrar que o número de domicílios é maior do que o crescimento populacional.”
Na opinião de Bonduki, o modelo de uso de automóvel individual funcionou quando se restringia a compra do carro à determinada faixa de consumidor. A ampliação dos financiamentos de automóveis e os benefícios fiscais às montadoras ajudaram a aumentar a quantidade de veículos nas ruas. “Conscientes dessa realidade, queremos estimular o uso racional do carro, razão pela qual estamos propondo a diminuição do número de vagas de garagens. Com um menor crescimento horizontal da cidade e a ampliação dos usos dos empreendimentos, ganharemos em áreas para ofertar transporte público”, defendeu o vereador.
Pedágio urbano
Ricardo Yazbek, vice-presidente de Assuntos Legislativos e Urbanismo Metropolitano do Secovi-SP, disse que em um curto espaço de tempo a prefeitura quer implantar uma nova tendência de vida no município. “Este modelo parece ser o desejado por todos. No entanto, precisamos de um período de transição para que haja a troca do carro pelo transporte coletivo. As vagas nos residenciais são feitas porque há demanda. E, antes da mobilidade, o cidadão quer a segurança que o Estado não provê. Particularmente, sou favorável ao pedágio urbano, com investimento dos recursos arrecadados em transporte urbano”, defendeu o dirigente.
O empreendedor imobiliário, na explicação de Yazbek, detecta o comportamento humano e atende às suas expectativas e necessidades. “Vamos deixar espaço no PDE para mudanças futuras”, propôs.
Segurança e mobilidade urbana podem ser reguladas pelo mercado (empresário e consumidor), na opinião de Basilio Jafet, presidente da Fiabci/Brasil (Federação Internacional das Profissões Imobiliárias) e vice-presidente de Desenvolvimento do Sindicato da Habitação. “O crescimento urbano sustentável de São Paulo é muito inferior se comparado ao das cidades asiáticas, que têm enorme adensamento e rede interligada de transporte público.” Para ele, o pedágio urbano pode ser uma boa alternativa.
Parceria pela mobilidade
Esta não é a primeira vez que o Secovi-SP realiza eventos de grande interesse público em parceria com o ITDP-Brasil. A primeira iniciativa conjunta foi o concurso cultural “A Cidade Somos Nós – Propostas para a São Paulo de 2030”, que contemplou, em 2011, seis trabalhos, dentre 106 inscritos, nos quais foram apresentadas as mais criativas propostas para uma área de intervenção compreendida entre a Praça da Bandeira e suas conexões com o Largo São Francisco, Praça do Patriarca e Câmara Municipal, num total de 500 metros de entorno a partir do terminal de ônibus existente no local, e com base nos “10 Princípios da Mobilidade Urbana Sustentável”.
Em 2012, foi criado um Grupo de Trabalho com representantes do Sindicato e do Instituto voltado ao estudo de uma Política de Estacionamento.
Helena Orenstein, presidente do Conselho Consultivo do ITDP-Brasil, participou dos debates, que foram mediados por Hamilton Leite.
Fonte: http://www.secovi.com.br/