Amanda Accioli

Vício construtivo: E se o síndico não notificar construtora?

Advogada Amanda Accioli comenta caso em que condomínio levou grande prejuízo por síndica não reportar vícios construtivos dentro da garantia

Por Amanda Accioli*

17/01/24 05:43 - Atualizado há 10 meses


No caso da coluna de hoje, a empresa notificada exerceu o cargo de síndica desde a implantação do condomínio, em Assembleia Geral de Instalação permanecendo na gestão por cerca de três anos.

Todos nós já estamos “carecas de saber” o que é dever do síndico: “diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns”, conforme preconiza do artigo 1.348 do Código Civil:

“Art. 1.348 – Compete ao síndico:

V- diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores"

Pois bem, após a extinção do contrato de sindicatura firmado com a notificada, a gestão atual do condomínio consultou diversos documentos do condomínio, principalmente aos ligados aos vícios construtivos existentes na edificação.

A gestão atual verificou a inexistência de acionamento da construtora por parte da notificada no período em que ela exerceu o cargo, não cumprindo com sua obrigação contida no artigo citado acima.

Para confirmar este fato, foi realizado um laudo de vistoria por uma empresa idônea de inspeções prediais que apontou diversos vícios e anomalias construtivas em todo o empreendimento, tais como:

Com base neste extenso laudo, o condomínio notificou a construtora para resolver todos os defeitos construtivos apurados. Porém, a empresa se negou a fazer os reparos sob a alegação que a garantia para os itens apontados já havia sido expirada.

Preciso deixar claro que os defeitos construtivos eram de plena ciência da antiga síndica, pois já exercia o cargo do condomínio desde 30 de agosto de 2016 e não foi localizada qualquer comunicação com a construtora com o objetivo de notificá-la.

Isso nos levou à conclusão de que a síndica deixou transcorrer “in albs” o prazo de garantia, ou seja, sem qualquer manifestação por parte da síndica, já que era responsabilidade desta.

O que são vícios construtivos e vícios ocultos em condomínios

De acordo com a ABNT NBR 13752, vícios construtivos são “anomalias que afetam o desempenho de produtos ou serviços, ou os tornam inadequados aos fins a que se destinam, causando transtornos ou prejuízos materiais ao consumidor.”

Já os vícios ocultos são as falhas construtivas inexistentes no ato da entrega (ou só detectáveis nessa ocasião por técnicos especializados) e que surgem ou só são detectadas algum tempo depois da entrega.

Responsabilidade da ex-síndica em notificar a construtora quanto aos vícios construtivos

Não bastassem as responsabilidades do síndico previstas em lei, a responsabilidade civil do síndico encontra respaldo nos artigos do Código Civil 186 e 927, dos quais dispõem sobre as matérias que dizem respeito à ação ou omissão lesiva, culpa e dano.

Dispõe o artigo 186, do Código Civil:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Quanto ao dever de reparação, o artigo 927, do mesmo dispositivo prevê que:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Devo mencionar ainda que a responsabilização do síndico pode ser de forma objetiva, ou seja, ocorre a obrigação de indenizar pelo simples evento.

E esta responsabilização decorre do não cumprimento da sua obrigação ou em razão do cumprimento de maneira diversa do estabelecido, podendo também sua definição atingir tanto atos comissivos como omissivos, de modo que a omissão também gera responsabilidades ao agente.

Portanto, cabe ao síndico o cumprimento dos encargos que a lei, a convenção e o regimento interno lhe atribuem, em especial os deveres previstos no Código Civil (artigo 1348) e na Lei 4.591/64 (artigo 22, § 1º, letra “a”). A ausência do cumprimento do encargo, por certo ensejará a responsabilização do síndico, caso verificado o prejuízo ao condomínio.

Desfecho do caso

No caso desta notificação, as normas técnicas vigentes definem o modo que o plano de manutenção no condomínio deveria ser executado (ABNT NBR 5674, Manual do Síndico, etc.).

Essa normas técnicas são atreladas às outras regras que definem as garantias e a vida útil do empreendimento e a negligência da sindicatura com relação ao dever de obediência a tais diretrizes, submetendo o condomínio deste caso à um enorme prejuízo, haja vista a negativa da garantia pela construtora.

Não me restou outra saída, e tive que notificar a empresa de sindicatura. À época, foi dado um prazo de 7 dias para a empresa da síndica responder, o que não foi cumprido e infelizmente ela não conseguiu comprovar que agiu com zelo na prestação dos seus serviços.

O caso deu seguimento em nosso departamento contencioso e provavelmente não terá um bom desfecho para esta empresa de síndicos profissionais. 

Lembre-se: O profissional que trabalha como síndico lida com grandes deveres perante o condomínio; ele tem muito mais obrigações do que direitos. Alguns acham que ser síndico é ter grandes poderes, mas reforço que “grandes” poderes trazem, também, enormes responsabilidades para o síndico!

Síndicos devem sempre seguir as regras e atuar com base na transparência e ética, e estar atento a tudo o que acontece dentro deste micro organismo que é o condomínio!

Um forte abraço e até a próxima!

(*) Amanda Accioli é advogada consultiva condominial; Diretora Regional em SP da ANACON (Associação Nacional da Advocacia Condominial); Membro da Comissão de Direito Condominial OAB/SP, “podcaster” no “Síndicas à Beira de um Ataque de Nervos”; Síndica Profissional na Accioli Condominial; articulista e palestrante. Perfil no Instagram @acciolicondominial.