Morador antissocial no condomínio: das multas à expulsão
Entenda também a definição, quais práticas são consideradas antissociais e o passo passo para expulsão
Quem escolhe morar em condomínio tem o dever de respeitar os direitos da vizinhança, colaborando para que o local tenha uma convivência pacífica e harmoniosa. É um estado de plenitude que todas as pessoas querem para a vida, não é verdade?
Porém, nem todos têm essa capacidade e é aqui que os moradores antissociais se enquadram, pois perturbam os vizinhos constantemente.
Nesta matéria, você vai conhecer a definição, quais práticas são consideradas como antissociais, além de aprender a agir extra e judicialmente para combater esse tipo de conduta no condomínio. Vamos lá?
O que se entende por condômino antissocial e quais as práticas comuns
Os artigos 1.335 e 1.336 do Código Civil tratam dos direitos e deveres dos condôminos, respectivamente. O destaque aqui se dá ao inciso IV do art. 1.336 que, em resumo, define que o morador não deve utilizar a unidade de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos demais usuários. Essa é a famosa trinca de “S” que os condôminos antissociais costumam infringir.
Ainda que breve, o artigo 1337 do Código Civil fala sobre o morador antissocial (proprietário ou inquilino) e como punir esse tipo de comportamento:
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.
Isso quer dizer que o condômino que comete infrações pontuais, como barulho em algumas ocasiões, ou cujo cachorro de vez em quando late, não pode ser considerado antissocial.
Para ser caracterizado dessa maneira, o morador precisa ter uma conduta de constante perturbação à vida condominial. Podemos citar algumas:
- Uso da unidade para cometer atos ilícitos (tráfico de drogas, exploração sexual, atentado ao pudor, roubo de itens das áreas comuns e outros crimes);
- Uso da unidade para atividades distintas às do condomínio (Ex: comércio, serviços, pensionatos, etc);
- Brigas, ameaças ou agressões constantes a funcionários e vizinhos;
- Infrações recorrentes às regras internas do condomínio (barulho, objetos jogados pela janela, etc);
- Vandalismo contra o patrimônio do condomínio;
- Acumular lixo na unidade, podendo atrair baratas e ratos;
- Transtornos psicológicos que sobrecarregam o síndico ou tragam riscos aos vizinhos
- Morador com muitos animais na unidade, causando mau cheiro ou sujeira excessiva;
- Gemidos sexuais frequentes;
- Entre outros.
De acordo com o advogado especialista em condomínios Inaldo Dantas, para maior respaldo jurídico, seria conveniente que a convenção do condomínio estabelecesse quais os comportamentos considerados antissociais.
Consequências de um morador antissocial no condomínio
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Prejuízos à qualidade de vida e à integridade física dos moradores
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Sobrecarga do síndico ao intermediar conflitos de convivência
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Desvalorização do imóvel
Com o clima hostil criado por um condômino antissocial, é possível que futuros moradores ou atuais ocupantes desistam de morar no condomínio e procurem outro lugar para viver.
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Inadimplência
Muitos moradores antissociais podem discordar das multas aplicadas pelas constantes infrações e passam a não pagar a taxa do condomínio por completo.
Como aconteceu com um recente caso em São Paulo, em que um morador antissocial foi impedido de frequentar as áreas comuns do condomínio. Segundo o advogado da causa, Marcio Rachkorsky, “para ele tanto faz, ele sabe que, um dia, daqui 5 anos ou 10 anos, vai perder o imóvel”, comenta.
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Dificuldades na contratação de funcionários
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Condomínio vulnerável a ações trabalhistas por danos morais
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Gastos com processos judiciais (custas, contratação de advogado, etc)
O papel do síndico diante de condôminos antissociais
É muito importante que o síndico identifique um condômino antissocial e aja rapidamente para evitar que a situação tome grandes proporções.
Em um caso do advogado João Paulo Paschoal, o condomínio teve que lidar com as práticas de um morador antissocial por sete anos. Além das constantes intervenções da administração do condomínio e dos conflitos diários de perturbação aos vizinhos, ainda há o desgaste e a morosidade de um processo judicial.
Então, num ambiente em que a tensão é constante, a função do síndico é não deixar o conflito aumentar, não se envolvendo diretamente nele; e sim, tomando as atitudes necessárias para sua estabilização e, posteriormente, resolução.
Para Carlos Savoy, especialista em mediação de conflitos, é fundamental o gestor preservar a imparcialidade. “É difícil notar quando a coisa sai do controle. O síndico perde o controle quando se sente parte do conflito, e não quando é ameaçado, sofre pressão ou tem uma discussão. Ele começa a confundir sua função de elo com a de parte, uma vez que representa as pessoas que têm domicílio no local”, afirma.
O que fazer com um morador antissocial no condomínio?
Nos primeiros indícios do comportamento antissocial de um morador, é importante o síndico acionar uma assessoria jurídica de advogados para conduzir o processo de maneira segura e extrajudicial, tais como:
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Propor um diálogo amigável com o morador
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Contratação de serviços de Mediação ou Arbitragem
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Advertências e multas por descumprimento das normas internas
Esta etapa segue o mesmo trâmite de uma infração pontual, independente de ser um condômino antissocial ou não, e deve respeitar o que consta na convenção ou regimento interno de cada condomínio. Na maioria das vezes, são enviadas advertências por escrito e, caso elas não surtam efeito, impõe-se a multa.
Tal punição deve ser aplicada somente em último caso e sempre com muito cuidado, principalmente no que diz respeito aos seus trâmites legais.
Quanto ao valor da multa por infração, as regras internas do condomínio devem respeitar o que consta nos artigos 1.336 e 1.337 do Código Civil: não poderá ser superior a 5 vezes a taxa condominial. Se a convenção for omissa quanto ao assunto, uma assembleia deverá ser convocada para aprovação de 2/3 dos condôminos restantes:
Artigo 1.336 do Código Civil:
§ 2o. O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.
Se mesmo após essas medidas ainda houver reincidência, configura-se o comportamento reiterado, ou seja, o antissocial.
Conforme o parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil (citado no começo da matéria), a multa para o morador antissocial não deverá ser maior que 10 vezes o valor da taxa condominial e somente pode ser aplicada após aprovação de ¾ dos demais condôminos em assembleia.
No entanto, as multas a condôminos antissociais podem agravar a situação, já que assim, podem passar a agir mais vezes agora por pirraça.
“O mau condômino pode ser também um devedor. E, para um inadimplente, uma dívida a mais pouco importa”, observa Rachkorsky.
A exemplo, um morador antissocial de MS ficou inadimplente com 37 multas por perturbação de sossego. Numa das festas que costumava realizar, foi preso em flagrante por poluição sonora, desacato e desobediência civil, e multado em R$ 15 mil pela PMA (Polícia Militar Ambiental). No mesmo dia de sua prisão, o infrator pagou fiança de R$ 200 mil e voltou a incomodar os vizinhos com novas farras.
Isso confirma o pior: mexer no bolso de um morador antissocial muitas vezes não soluciona o mal comportamento.
O que fazer quando medidas extrajudiciais contra morador antissocial são esgotadas
Infelizmente há casos raros em que o condômino é considerado tão antissocial que a convivência passa a ser insuportável. Dessa forma, a única saída que resta é entrar com uma ação judicial, solicitando a remoção do morador do convívio social.
Como o Código Civil ainda não dispõe sobre a expulsão do condômino antissocial, prevalecia o Direito de Propriedade, e por isso, os condomínios tinham grande receio em protocolar o pedido.
Nos últimos anos, porém, a jurisprudência tem mudado esse entendimento, preservando o bem estar coletivo em detrimento do individual (Direito de Propriedade).
Hoje, os juízes compreendem que remover o condômino antissocial do condomínio não tira o direito de propriedade dele, mas apenas limita seu direito de usar, gozar e fruir do imóvel.
Sendo proprietário, o antissocial continuará dono do imóvel, podendo alugar ou vendê-lo para terceiros, mas perderá o direito de conviver naquele ambiente.
“O morador não pode perder a propriedade, não é obrigado a vender ou ter a unidade vendida por um leilão judicial. Mas pode ser privado o direito de uso dele, sendo obrigado a locar ou emprestar o bem, e não mais residir nele. Torna-se, assim, uma privação da posse, e não do direito de propriedade. A posse é usar, emprestar, usar diretamente alguma propriedade. Já o Direito de Propriedade é ser o dono, proprietário do bem”, esclarece o advogado especialista em condomínio Rodrigo Karpat.
Quando se trata de inquilino antissocial, o condomínio pode solicitar intervenção junto ao proprietário, cabendo a este decidir qual providência será tomada, seja para rescindir o contrato de locação ou realizar o despejo.
Como expulsar um morador antissocial do condomínio
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Busque apoio da comunidade
Tanto os vizinhos quanto o condomínio podem ajuizar a ação, uma vez que ela mantém como pilares o Direito de Vizinhança e o próprio artigo 1.336 inciso IV do Código Civil. Mas o lema “juntos somos mais fortes” faz toda a diferença.
“Como o condomínio fala em nome do coletivo, muito provavelmente o empreendimento terá mais condições de coletar provas com o apoio de mais de um condômino”, aponta André Junqueira.
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Convoque uma assembleia extraordinária
Além de contar com a assessoria jurídica de um advogado, é válido informar os moradores em assembleia sobre a condução do processo de expulsão de morador antissocial do condomínio.
Isso é uma precaução para que não ocorra uma decisão judicial como a de 2020 sobre um caso de morador antissocial no Distrito Federal. A 4ª Turma Cível do TJDFT determinou que o acusado não poderia ser expulso do prédio sem que houvesse uma assembleia para esse fim.
De toda forma, debater o assunto em assembleia é mais uma atitude que vai fortalecer a união da comunidade.
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Reúna provas materiais
O condomínio pode resgatar imagens do CFTV e também contar com a contribuição dos demais moradores.
Além de testemunhas oculares, vizinhos podem:
- Enviar fotos, áudios e vídeos das infrações ou mensagens em aplicativos de conversa;
- Fazer reclamações no livro de ocorrências ou no meio de comunicação oficial do condomínio;
- Registrar ata notarial no cartório de tabelionato de notas através de uma pessoa que possui fé pública para constatar os atos antissociais;
- Registrar um Boletim de Ocorrência (para casos de ameaça, calúnia ou difamação, etc, ou algo que coloque em risco a vida dos outros)
- Acionar autoridades policiais
O deferimento do pedido de expulsão dependerá desse leque de provas materiais. Mas ainda assim, o condomínio também deve comprovar que adotou procedimentos técnicos tentando prevenir, alertar e cessar as condutas antissociais do morador, tais como os mencionados no intertítulo desta matéria “Como coibir práticas antissociais no condomínio”.
Jurisprudências recentes a favor da expulsão de condômino antissocial
Dúvidas frequentes sobre morador antissocial no condomínio
Como ficam os familiares do condômino antissocial expulso?
De acordo com André Junqueira, o foco da ação judicial é pessoal, ou seja, contra a pessoa que está causando o conflito.
“É natural que essa medida traga alguma consequência para o dia a dia dos demais integrantes, mas isso não os afetaria diretamente no condomínio. Eles poderão permanecer no imóvel, a não ser que todos os membros sejam antissociais”, reforça.
O pagamento das despesas condominiais é prejudicado quando o morador é expulso?
Com a remoção de condômino antissocial (aqui falemos de proprietário), o que existe é a perda temporária do direito de uso do imóvel. Sendo assim, a responsabilidade pelo pagamento das cotas mensais continua intacta.
“Mesmo impedido de morar no condomínio, ele continua como proprietário do imóvel, podendo alugar ou vendê-lo. Enquanto isso, tem a obrigação de manter a cota condominial em dia conforme o artigo 1.336 inciso I do Código Civil”, enfatiza André Junqueira.
Qual a duração da pena de exclusão de um condômino antissocial?
Essa é a grande dúvida que perdura sobre o assunto. Mas, independentemente do que se peça na ação, é o juiz da causa que vai avaliar se cabe exclusão, e se assim for, por quanto tempo ela é válida.
Na opinião de André Junqueira, o prazo pode ser estabelecido em caráter definitivo. “O ato jurisdicional de excluir um ocupante não é uma pena ao indivíduo, e sim, a única opção plausível e eficiente para que cesse a perturbação ao coletivo”, destaca.
Inadimplente contumaz pode ser considerado antissocial?
Ainda não existe consenso entre especialistas e Judiciário.
Em uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça em 2015, um condômino inadimplente por mais de dois anos não pôde ser enquadrado como antissocial.
O relator Luis Felipe Salomão entendeu que, para tanto, o condomínio precisaria comprovar o comportamento reiterado e os prejuízos coletivos advindos da falta de pagamento, além de deliberar em assembleia por três quartos dos condôminos restantes e permitir a ampla defesa do condômino.
Se houver um motivo forte para a inadimplência, por exemplo, a perda do emprego, dificilmente o condomínio conseguirá comprovar que o morador é antissocial.
Fontes: Rosely Schwartz (especialista em condomínios e professora na Escola Paulista de Direito), Daphnis Citti de Lauro (advogado especialista na área condominial e colunista SíndicoNet), Rodrigo Karpat (advogado especialista na área condominial e colunista SíndicoNet); André Junqueira (advogado); Marcio Rachkorsky (advogado); João Paulo Paschoal (advogado); Inaldo Dantas (advogado especialista em condomínios) e Carlos Savoy (especialista em Mediação de Conflitos).