A evolução da sociedade e os chatos de plantão
Interpretação da lei deve estar em sintonia com as transformações comportamentais e sociais
Por Marcio Rachkorsky*
Condomínios são organismos vivos, estruturas complexas e dinâmicas, onde vivem e trabalham pessoas, famílias e, naturalmente, as transformações comportamentais e sociais refletem na forma de usar e aproveitar as áreas comuns, especialmente os espaços de lazer.
Cada vez mais, os moradores e usuários querem serviços, facilidades, comodidades e diversão, mas esbarram nos textos retrógrados e mal elaborados da lei (Código Civil) e das convenções de condomínio, que impõem um frustrante engessamento e impedem a implementação das boas ideias, muitas vezes em nome da mera formalidade jurídica!
Claro que as leis devem ser seguidas, mas faz-se necessária a interpretação moderna das normas, em sintonia com a função social da propriedade, usos e costumes.
Exemplo prático
Dias atrás, os moradores de um condomínio residencial com mais de trezentos apartamentos, construído há dez anos, debatiam a completa inutilidade de um espaço chamado “minigolfe”, talvez jamais utilizado por ninguém. Aquele item de lazer é uma infelicidade do projeto, algo pensado para alavancar as vendas, fazendo parecer ser “chic” ter uma minipista para jogar golfe.
Na reunião, surgiram ótimas ideias para a utilização efetiva do espaço, tais como uma área para passear com cachorros e uma pracinha de convivência. Logo um morador, o chato de plantão, sacou de sua pastinha a convenção de condomínio e o Código Civil e alertou a todos que qualquer mudança na destinação de áreas ou do projeto depende do voto favorável de todos os proprietários. Curioso, pois ele mesmo alegou que jamais usara a tal pista de golfe, mas que estava ali para alertar sobre os riscos jurídicos que tal medida traria. Foi um banho de água fria nos vizinhos...
Interpretação moderna da lei
A questão central reside na forma de aplicação das normas, eis que a letra fria e pesada da lei, há que ser interpretada levando em conta o verdadeira e legítimo anseio dos moradores, em consonância com o bom senso, a razoabilidade e os princípios que norteiam a vida em comunidade.
Afinal de contas, no exemplo acima, mudar uma área de lazer sem utilização alguma, para uma nova área de lazer não pode e não deve ser considerado como uma mudança de destinação ou de projeto, mas sim mera adequação do empreendimento às necessidades dos usuários.
Fundamental que os administradores de condomínios e advogados sejam um pouco mais arrojados em seus pareceres, de forma a possibilitar as transformações positivas nos empreendimentos, gerando não apenas maior utilização dos espaços comuns, mas sobretudo, interação entre os moradores e valorização do patrimônio.
Para que qualquer decisão seja revestida de boa segurança jurídica, especialmente quando o tema esbarrar em discussão sobre alteração ou não de destinação de área comum, importante o amplo debate em assembleia, a criação de comissão especial de moradores para estudos e a realização de uma enquete com os moradores, para suprir o baixo quórum nas assembleias gerais.
(*) Marcio Rachkorsky é advogado; membro da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SP e presidente da Assosindicos.