A legalidade da hospedagem temporária em condomínios residenciais
Para Rodrigo Karpat, a saída é a regulamentação
Por Rodrigo Karpat*
Recentemente, têm surgido no mercado sites especializados em locação de imóveis por diárias, os quais vêm trazendo problemas aos condomínios residenciais.
Se por um lado o condômino tem o direito de dispor de sua unidade conforme melhor lhe convier (por força do art. 1.335 do Código Civil e em função do exercício regular do direito de propriedade descrito na Constituição Federal); por outro lado, existem limitações ao exercício desse direito.
Tal limite é a perturbação ao sossego, saúde, segurança e aos bons costumes daqueles que compartilham a copropriedade, além das limitações impostas pelo Direito de Vizinhança (art. 1.277 e1.336, IV, do CC). E ainda na Teoria da Pluralidade dos Direitos, que é a limitação ao exercício do direito de propriedade em função da supremacia do interesse coletivo daqueles condôminos (em geral) diante do direito individual de cada condômino.
É lícito ao proprietário emprestar a sua unidade, ocupá-la pelo número de pessoas que julgar conveniente, seja a título gratuito ou oneroso, não cabendo ao condomínio regular tal prática, salvo se a mesma estiver interferindo na rotina do prédio, ou seja, causando perturbação ao sossego, à saúde, à segurança, aos bons costumes, ou estiver desviando a finalidade do prédio.
Desta forma, a locação por meio de um site comercial por si só não infringe a lei de locações. O que desobedece a legislação e a Convenção do Condomínio no caso em questão é a mudança de finalidade da edificação.
Vale destacar que é dever de todo condômino dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação (art. 1.336, IV, do CC) e locar o bem por dia, é característica dos meios de hospedagem e depende de enquadramento específico, consoante Decreto 84.910, de 15 de julho de 1980, e fazê-lo desvia a finalidade de um edifício estritamente residencial, além de não cumprir os requisitos descritos na lei que disciplinam a hospedagem.
Na prática, a grande maioria dos casos realizados pelo sistema de diárias perturbam a vida dos prédios residenciais e desviam a finalidade das edificações, que é estritamente residencial.
Temos os defensores desta modalidade de “locação” por sites especializados por diárias, os quais defendem que na lei de locações existe a possibilidade de locação por temporada pelo prazo de até 90 (noventa) dias.
É certo que a locação por temporada, com respaldo na lei de locações e sem desvirtuar a finalidade da edificação, poderia ocorrer por curtos períodos de tempo, porém a prática constante, somada à necessidade de utilização da estrutura do prédio (garagens, salão de festas, piscina) e os serviços adicionais quase sempre oferecidos (mobília, limpeza, serviços em geral), desvirtuam a locação por temporada e se enquadram na hospedagem que é disciplinada em lei específica, a qual não inclui o condomínio edilício no rol de locais aptos a funcionar nessa modalidade.
A Portaria 100/2011, do Ministério do Turismo, o Sistema Brasileiro de Classificação de Meios de Hospedagem (SBClass) e o art. 23, caput, da Lei Federal 11.771/2008, dispõem sobre a Política Nacional de Turismo nos seguintes termos:
“Art. 23. Consideram-se meios de hospedagem os empreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária.’’
Ainda, deve ser observado o disposto no Decreto 84.910, de 15 julho de 1980, que dispõe:
“ Art. 3.º: Somente poderão explorar ou administrar Meios de Hospedagem de Turismo, Restaurantes de Turismo e Acampamentos Turísticos, no País, empresas ou entidades registradas na Empresa Brasileira de Turismo - Embratur.”
Assim, fica claro que a “locação” por diárias é exclusiva de meios de hospedagem e requer que o estabelecimento seja enquadrado como comercial, e ainda, que tenha autorização de funcionamento, pois por ser um prédio residencial, não pode funcionar dessa forma por inúmeros fatores, inclusive sob pena de autuação da Municipalidade.
E no caso em questão, não podemos dizer que a prática realizada seja uma locação por temporada, uma vez que tem características de “hospedagem”.
Há portanto, um misto de contrato de locação de coisa e de locação de serviços, caracterizando, muito mais, o contrato atípico de “hospedagem”, como aduziu Sylvio Capanema de Souza.
A locação por diária, a qual vem ocorrendo por meio de sites especializados, vem representando efetivamente uma concorrência aos apart-hotéis, flats e similares.
Por isso desvia a finalidade do edifício, trazendo encargo extra à portaria, que na maioria das vezes fica responsável por liberar as chaves, cadastrar veículos, liberar acesso a áreas comuns, carrinho de supermercado, entre outras.
E nesse sentido os Tribunais Regionais têm decidido, com base na Teoria da Pluralidade dos Direitos Limitados, que nada mais é do que: Em função das múltiplas propriedades dentro do condomínio, existe limite entre ao exercício do direito de propriedade individual e o interesse coletivo.
De tal modo o que deve prevalecer é a analise do caso concreto, sendo fato notório que empregar o apartamento em sites de locações por diárias, como se fossem apart-hotéis, interfere na finalidade residencial de um condomínio, porém, utilizar o mesmo site e firmar locações mais longínquas pode se enquadrar ao esperado pelo condomínio, que deve prontamente se reunir a fim de estabelecer regras e condições necessárias para o bom funcionamento do condomínio.
Apelação cível. Ação declaratória. Locação de apartamentos para temporada vetada pelo condomínio. Prazo para cessação da locação e multa, para a hipótese de descumprimento da citada regra proibitiva, fixados em assembleia geral extraordinária. Restrição ao direito de propriedade respaldada na teoria da pluralidade dos direitos limitados. Precedente do e. STJ. Alegação de cerceamento de defesa realizado na age. Sentença de improcedência. Irresignação do autor. 1. A Convenção do Condomínio, ora Recorrido, prevê a aplicação de multa para o condômino que destinar o apartamento para finalidade diversa do prédio, que é residencial. 2. O Regulamento Interno estabelece o procedimento que deve ser observado na hipótese de aplicação de multa, o termo inicial de sua incidência e a possibilidade de recurso administrativo. 3. Improcedente a alegação do ora Recorrente de que não há previsão nas regras internas do Condomínio, ora Recorrido, que assegurem o exercício da ampla defesa ou interposição de recurso administrativo. 4. O Autor, ora Apelante, compareceu à AGE de 19/12/2013, na qual a locação dos apartamentos por temporada foi vetada, mesmo depois de expor suas razões, tendo sido anotado prazo para encerramento daquela atividade - 30 dias -, sob pena de multa diária prevista no Regimento Interno -, a incidir a partir de 19/01/2014. 5. Contraditório e ampla defesa respeitados na AGE. 6. Termo inicial da sanção pecuniária fixado na ata da AGE: 19/01/2014. 7. Honorários advocatícios de sucumbência reduzidos para R$ 500,00 (quinhentos reais) tendo em vista a pouca complexidade da causa e o trabalho desenvolvido pelos causídicos no processo. Recurso parcialmente provido. (TJ-RJ - APL: 00750330320148190001 RJ 0075033-03.2014.8.19.0001, Relator: Des. Fernando Cerqueira Chagas, julgamento: 15/04/2015, 11.ª Câmara Cível, Data de Publicação: 17/04/2015)
Ademais, vale ressaltar que, o Projeto de Lei 2.474/2019, de autoria do senador Angelo Coronel, que se encontra desde 17/12/2019 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, traz o texto mais acertado, pois coloca o condomínio como operador das suas necessidades, uma vez que somente com a alteração da Convenção é permitido a locação por aplicativo.
Tal projeto enaltece a possibilidade de controle pelo condomínio, pois visa atender às suas necessidades, bem como suas pretensões, por haver uma exigência expressa na convenção de condomínio para a temporada contratada por meio de aplicativos ou plataformas de intermediação em condomínios.
Insta destacar que há quem pense de forma contrária, como o voto do Ministro Luís Felipe Salomão, decisão monocrática, no REsp 1819075, em 28/05/2019, cujo julgamento encontra-se pendente, com pedido de vista do Ministro Raul Araújo.
Tema bastante controvertido, mas necessário de ser regulamentado o quantos antes, pois a sociedade necessita de uma organização para essa prática que já faz parte do cotidiano das pessoas.
(*) Dr. Rodrigo Karpat é advogado militante na área cível há mais de 10 anos, é sócio-fundador do escritório Karpat Sociedade de Advogados e considerado um dos maiores especialistas em Direito Imobiliário e em questões condominiais do país. Além de ministrar palestras e cursos em todo o Brasil, é colunista da ELEMIDIA, do portal IG, do site SíndicoNet, do Jornal Folha do Síndico, do Condomínio em Ordem e de outros 50 veículos condominiais, além de ser consultor da Rádio Justiça de Brasília e ter aparições em alguns dos principais veículos e programas da TV aberta, como "É de Casa", "Jornal Nacional", "Fantástico", "Programa Mulheres", "Jornal da Record", "Jornal da Band", entre outros. Também é apresentador do programa "Vida em Condomínio", da TV CRECI. É Coordenador de Direito Condominial na Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-SP e integrante do Conselho de Ética e Credenciamento do Programa de Auto-regulamentação da Administração de Condomínios (PROAD).