Animais maltratados
Apartamento no ES abrigava mais de 10 pets
Família usava animais maltratados para arrecadar dinheiro para uso próprio, diz polícia
Pai, mãe e filha foram indiciados pela Polícia Civil por estelionato e maus-tratos a animais. Em janeiro, 11 animais foram encontrados mortos em um apartamento
Os três membros de uma mesma família, envolvidos no caso dos animais que foram encontrados mortos e em situação de maus-tratos, em um apartamento de Vila Velha, em janeiro deste ano, foram indiciados por maus-tratos a animais e por estelionato. Além disso, a Polícia Civil solicitou a prisão de Bianca Guimarães, Lívia Guimarães e José Neto.
O inquérito que apurou o caso foi concluído pela Delegacia Especializada de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), da Polícia Civil. As investigações foram conduzidas em conjunto com a CPI dos Maus Tratos, da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales).
De acordo com o titular da DPMA, delegado Eduardo Passamani, além de cometerem o crime de maus-tratos, pai, mãe e filha são suspeitos de utilizarem o dinheiro arrecadado com doações para os animais para uso próprio.
Segundo o delegado, os envolvidos postavam, nas redes sociais, fotos dos animais mais debilitados, justamente para sensibilizarem as pessoas a realizarem doações de valores maiores. No entanto, de acordo com as investigações, as doações não eram revertidas em melhorias para os animais, que eram abandonados no apartamento no centro de Vila Velha.
"Começamos a identificar que várias testemunhas diziam que faziam doações e que essas doações não eram revertidas. A gente começou a perceber que havia um 'modus operandi' de resgatar os animais e, por coincidência, eram resgatados os animais em piores condições, e era feita a divulgação desses animais em redes sociais. Eles causavam um clamor social por uma doação maior, do que um animal que estava um pouco melhor. Então eles pegavam esse animal, faziam o pedido de doação e, coincidentemente, esses animais foram encontrados todos no apartamento", contou o delegado.
"A gente também começou a perceber que, desde 2019, havia reclamação de mau cheiro e que os animais poderiam estar confinados pelos proprietários do apartamento, o que levou a gente a crer que poderia haver um esquema criminoso, onde os animais eram resgatados, usados para divulgação nas redes sociais para recebimento de doação, e o dinheiro não era destinado para aquele fim. E os animais eram encaminhados para o apartamento, onde eles vinham a morrer. Existem informações de que eles retiravam grande quantidade de lixo do apartamento. Então, essa grande quantidade pode indicar que eram animais que já vinham morrendo com o tempo", completou.
Segundo Passamani, uma das testemunhas que prestou depoimento ao longo do inquérito disse que doou uma quantia a um animal que estava morto há cerca de dois anos. Além disso, o dono de um terreno que os suspeitos estariam pleiteando para construírem a sede do abrigo para animais abandonados disse à polícia que não recebeu qualquer dinheiro da família para a compra do bem. Segundo a polícia, eles chegaram a arrecadar, com doações pedidas pela internet, cerca de R$ 25 mil para adquirirem esse terreno.
"A gente conseguiu comprovar que esse dinheiro ficou com eles. Foi expressamente pedido que o dinheiro era para a sede do abrigo, mas não foi repassado para a sede do abrigo", frisou Passamani.
Ameaças
O delegado revelou ainda que algumas testemunhas afirmaram ter sido ameaçadas por José Neto. Segundo Passamani, o homem chegou a postar fotos, nas redes sociais, em que estava armado.
"Começamos a perceber que várias testemunhas que chegavam até a gente não queriam depor oficialmente, porque estavam com medo. E aí começaram a trazer alguns elementos para a gente — e também colhemos da internet — de que eles postavam fotos armados, faziam ameaças na internet a protetores que faziam o recolhimento de animais na mesma área deles", ressaltou.
"Várias testemunhas confirmam as ameaças. As ameaças estão nas redes sociais. O pai da menina posta foto com arma, ele ameaça elas diretamente. Na CPI, várias pessoas se sentem ameaçadas pela conduta dele", acrescentou o delegado.
Ainda de acordo com Passamani, testemunhas também afirmaram que o apartamento onde foram encontrados 11 animais mortos e quatro em situação de maus-tratos, no centro de Vila Velha, foi limpo pelos proprietários, com o objetivo de adulterar o local.
"No local, encontramos indícios de uso de drogas, encontramos indício de uma queimada. E aí foram várias pessoas que vieram depor, dizendo que o local foi adulterado. Logo que foi encontrado o apartamento de Vila Velha, houve um mutirão, para fazer uma limpeza, porque eles ficaram com medo de uma ação da polícia no local. Então eles teriam agido para esconder a verdade dos fatos".
O inquérito finalizado pela Polícia Civil agora será encaminhado para a apreciação do Ministério Público Estadual (MPES). "A gente teve que se ater, num primeiro momento, aos animais que foram encontrados maltratados ou mortos. Mas, devido às informações de que eles podem ter camuflado as informações, de que eles podem estar atrapalhando a Justiça e de que eles podem estar coagindo testemunhas, nós também representamos pelo pedido de prisão dos três. Isso agora está à análise do Ministério Público e do Judiciário, que vai decidir o destino do caso", destacou o delegado.
Depoimento
Pai, mãe e filha haviam sido convocados para prestar depoimento, nesta quarta-feira (24), na CPI dos Maus-Tratos da Ales. No entanto, eles não estiveram na sede do Legislativo capixaba.
“Essa era uma oportunidade deles esclarecerem os fatos e se defenderem. Essa ausência só mostra a falta de compromisso dos três com a causa animal. Nós já estávamos de posse dos depoimentos que eles prestaram à Polícia Civil e por tudo que ouvimos aqui hoje das testemunhas temos provas de que eles exploravam os animais resgatados para arrecadar dinheiro, por meio de vaquinhas virtuais em redes sociais. Vamos pedir imediata prisão dos envolvidos”, declarou a deputada Janete de Sá, presidente da CPI.
Durante a tarde, um grupo de manifestantes se reuniu na porta da Assembleia, com cartazes e faixas, para protestar contra os três suspeitos e cobrando punição para os envolvidos. Os manifestantes também acompanharam a sessão da CPI nas galerias do plenário. Ao todo, foram convidadas 13 pessoas para prestarem depoimento para a CPI, entre os envolvidos e testemunhas.
O advogado de defesa da família, Jamilson Monteiro, explicou o motivo da ausência dos indiciados. "A CPI notificou a família na quinta-feira pós-Carnaval para estar aqui hoje. Eu, enquanto defesa, protocolei um pedido de vistas e não tivemos vistas dos autos. Como que eles viriam prestar esclarecimentos sem saber ao certo o que estaria sendo apurado aqui hoje?", questionou.
Os primeiros a depor na CPI, nesta quarta, foram dois amigos pessoais de Bianca. Os dois afirmaram que ela nunca usou cocaína, que morava na casa deles e que não deixava ninguém ir no apartamento dela. A informação de que ela seria usuária de drogas foi dada pelos pais dela à imprensa e em depoimentos à polícia.
Quem também depôs foi o ex-síndico do prédio, que lembrou da movimentação dos animais no local. “Eu só via animais entrarem no apartamento, nunca vi sair. O único que saiu foi um cachorro que pulou a janela do segundo andar, desesperado”, relatou.
O ex-síndico disse ainda que o apartamento constantemente ficava sem ninguém e que o mau cheiro era insuportável. “Algumas vezes eles retiravam muito sacos de lixo do local, mas não era possível ver o que tinha neles. Nós procuramos ajuda das autoridades mas não fomos atendidos”, disse.
Já o atual síndico contou que, desde 2019, eles reclamam de mau cheiro vindo do imóvel e que Bianca não morava no local. “Não ouvia os animais latirem e nem Bianca andando com os mesmos. Os animais ficavam abandonados no apartamento e, no início do ano, aconteceu a tragédia que chocou a população capixaba”.
Durante a sessão, também foram exibidas imagens de um pet shop em Vila Velha, que mostram Bianca na noite anterior à data em que os animais foram encontrados. Nas imagens, a dona do apartamento tira fotos das compras e do valor pago no caixa.
A mulher que aparece com Bianca no vídeo também prestou depoimento nesta quarta-feira e confirmou ter ido com a amiga ao Pet na véspera do ocorrido. “Eu fui ao Pet Shop comprar ração para os meus animais. Bianca só comprou um petisco para o cachorro do namorado, mas deixou na minha casa”, alegou.
Ligação entre os envolvidos
O advogado da família contestou o fato de todos os três estarem respondendo pelos mesmos crimes. "A defesa é apurar a conduta, individualizar a conduta de cada um. As acusações estão sendo feitas de forma genérica e colocando todo mundo como se tivessem envolvimento, como se fosse um conluio dessa arrecadação de dinheiro. São vários fatos que acabaram culminando no que aconteceu no apartamento de Vila Velha. Eles unificaram tudo — abrigo e apartamento — como tudo um fato só. São situações distintas", declarou.
O delegado, no entanto, destacou que foram encontrados elementos, ao longo das investigações, que associam as condutas dos familiares. "Quando nós identificamos os animais que foram encontrados no apartamento de Bianca, nós percebemos que os animais sobreviventes foram resgatados pela Lívia, ou um deles resgatado pela CPI e entregue para a Lívia, que é a mãe da principal indiciada. Então, nesse momento, a gente percebeu que realmente haveria um link entre a família e a dona do apartamento", afirmou.
Relembre o caso
O caso veio à tona no dia 8 de janeiro deste ano, quando a Guarda Municipal de Vila Velha encontrou um apartamento, no centro da cidade, cheio de animais vivendo em situação precária. A sujeira e o mau cheiro tomavam conta de todo o apartamento. Além de fezes e urina, os agentes encontraram 11 animais mortos no local — seis cães e cinco gatos.
Outros quatro cachorros foram encontrados vivos. No entanto, imagens registradas por agentes da Guarda mostraram o estado de desnutrição dos animais, que viviam praticamente sem água e comida.
A corporação foi acionada por moradores do prédio. Como a moradora do apartamento não estava no local, no momento da abordagem, e nem foi encontrada, o síndico precisou chamar um chaveiro para que a porta fosse aberta. Segundo informações obtidas pela Guarda na ocasião, havia mais de 15 dias que a moradora não aparecia no local.
Uma equipe da Secretaria Municipal de Meio Ambiente esteve no local, com a presença de uma agente veterinária, para avaliar a situação dos animais. Os animais vivos foram levados para um rancho.
No decorrer das investigações, um abrigo mantido pela mesma família foi interditado no bairro Carapebus, na Serra, no dia 20 de janeiro. Durante a ação, realizada pela Delegacia Especializada de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), CPI dos Maus Tratos da Assembleia Legislativa e Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV), foram resgatados 34 animais.
Segundo os responsáveis pela operação, o local onde os animais estavam aparentava pouca salubridade. Apesar disso, os fiscais do CRMV informaram que os cães não apresentavam sinais de maus-tratos.
A Polícia Civil agora aguarda uma autorização da Justiça para escavar o terreno onde fica o abrigo, para saber se existem restos de animais enterrados no local.
Fonte: https://www.folhavitoria.com.br/