Atividades comerciais dentro de unidades em condomínios
Advogada discorre sobre o que diz a legislação sobre a utilização de unidades residenciais para atividades comerciais em condomínios
O aumento do trabalho remoto e das novas formas de relações de trabalho trouxe à tona uma prática que vem gerando debates e conflitos em muitos condomínios: a utilização indevida de unidades residenciais para fins comerciais.
Embora muitos condôminos vejam essa prática como uma maneira de otimizar o uso de suas propriedades, ela pode infringir regras condominiais e a legislação vigente, além de impactar negativamente a convivência entre os moradores.
As convenções condominiais, documentos que regulam a vida em condomínio, geralmente estipulam a destinação das unidades, definindo-as como residenciais, comerciais ou, em alguns casos, mistas.
As unidades residenciais devem ser exclusivamente utilizadas para moradia.
Quando um condômino utiliza sua unidade para uma atividade econômica regular, visando lucro, como atendimento de clientes ou prestação de serviços que geram fluxo de pessoas, a unidade deixa de ter o caráter residencial e passa a ser considerada como destinada a fins comerciais.
O que configura atividade comercial em unidades do condomínio?
A definição de atividade comercial, nesse contexto, engloba qualquer operação econômica contínua e sistemática com o objetivo de lucro. I
sso inclui, por exemplo, cuidados de crianças, hospedagem de pets e aluguel por meio de plataformas digitais como o Airbnb. Todos esses casos podem ser considerados comerciais se envolverem remuneração e tráfego frequente de pessoas não residentes no condomínio.
Da mesma forma, atividades como a fabricação de alimentos para venda, serviços de estética ou cuidados pessoais (manicure, massagem) e o atendimento de clientes por profissionais liberais também entram nessa categoria.
Home office se enquadra como atividade comercial?
Todavia, há exceções importantes, como o simples uso de uma unidade para home office, onde o morador realiza seu trabalho remoto sem atendimento ao público ou tráfego de clientes, não configura atividade comercial.
Como da mesma forma, a locação temporária de unidades, prevista na Lei do Inquilinato, não é considerada uma atividade comercial, desde que respeite as normas vigentes.
Implicações para a coletividade do uso das unidades para fins comerciais
A utilização indevida de unidades para fins comerciais gera uma série de implicações para a coletividade condominial. Entre os problemas mais comuns estão:
- aumento do fluxo de pessoas estranhas ao condomínio;
- uso excessivo de áreas comuns e elevadores;
- além de questões de segurança.
Esses fatores podem contribuir para a degradação das áreas comuns, aumentar os custos de manutenção e, em alguns casos, levar à desvalorização do imóvel. A violação da privacidade e o incômodo causado por ruídos e movimentação intensa também são queixas frequentes em casos de uso comercial indevido.
O que diz a legislação sobre uso de unidades privativas para atividades comerciais?
A Convenção do Condomínio, o Código Civil e a Lei de Condomínios são os principais dispositivos legais que regem o uso das unidades.
De acordo com o Código Civil (art. 1.336, IV), é dever do condômino dar à sua unidade a mesma destinação estabelecida para o edifício.
A Lei de Condomínios (art. 10, I) proíbe o condômino de dar à sua unidade um uso diverso da finalidade prevista na convenção.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou diversas vezes sobre o tema, reiterando que a destinação das unidades deve ser mantida conforme definido na convenção do condomínio, independentemente de o proprietário ser favorável a uma utilização distinta.
O que fazer quando há uso de unidades privativas para atividades comerciais?
Diante da constatação de uso comercial irregular, o condomínio pode adotar algumas medidas para cessar a prática:
- A primeira etapa é notificar extrajudicialmente o condômino infrator, pedindo a regularização da situação.
- Caso a notificação não seja suficiente, o condomínio pode aplicar multas com base nas normas condominiais e no Código Civil.
- Se a prática persistir, é possível ingressar com uma ação judicial para obrigar o condômino a cessar a atividade irregular.
- Em casos mais graves, quando a atividade envolve infrações sanitárias ou de segurança, o condomínio pode ainda denunciar o infrator aos órgãos competentes, como a vigilância sanitária ou a prefeitura/administração da cidade.
Qual o papel do síndico quando há atividades comerciais dentro de unidades?
O síndico desempenha um papel fundamental no controle e na fiscalização dessas atividades irregulares. Além de estar atento aos indícios de uso comercial nas unidades, cabe a ele mediar conflitos e buscar resolver as questões de forma amistosa, sempre que possível.
Caso as tentativas de conciliação falhem, o síndico deve aplicar as normas estabelecidas pela convenção e regimento interno, além de prestar contas à assembleia sobre as medidas adotadas.
O sucesso na resolução desses conflitos depende, muitas vezes, da rapidez e firmeza com que o síndico age, evitando que a prática comercial irregular se consolide e crie precedentes.
É importante ressaltar que a questão da utilização de unidades residenciais para fins comerciais envolve não só aspectos legais, mas também questões de convivência e bem-estar da comunidade condominial. Cada caso deve ser analisado individualmente, levando em conta as particularidades do condomínio e as normas estabelecidas.
A atuação preventiva e resolutiva do síndico, juntamente com a colaboração dos moradores, é essencial para manter a harmonia e o bom convívio dentro do condomínio.
Agindo assim, o síndico não só coibe uma infração, como assegura que o condomínio seja um ambiente seguro e que respeita a finalidade original de suas unidades.
(*) Solange de Campos César, advogada e sócia-proprietária do Carvalho & César Advogados Associados, graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais e Tecnológicas (Facitec), graduada em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), pós-graduada em Direito Público e presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB-DF Subseção Taguatinga.