Caso Andrea
Após 1 ano do desabamento em Fortaleza, ocorrências aumentaram mais de 11x
[17/10/2020] Após Edifício Andrea, ocorrências por risco de desabamento cresceram mais de 11 vezes em Fortaleza
Desde outubro de 2019, quando prédio colapsou, quase 3 mil notificações foram registradas pela Defesa Civil e 19 imóveis foram interditados por riscos estruturais
Em outubro, novembro e dezembro de 2019, a Defesa Civil de Fortaleza registrou 1.585 chamados por risco de desabamento. Em igual período de 2018, foram 139 notificações, número 11,5 vezes menor: era a repercussão, em números, do desmoronamento do Edifício Andrea, no dia 15 de outubro do ano passado.
A quantidade de chamados que chegaram ao órgão municipal após a tragédia com o prédio de sete andares saltou de 681, em 2018, para 2.853, no ano do desabamento. Para se ter dimensão do movimento que o episódio causou na cidade, só o mês de outubro, quando ocorreu o colapso do Andrea, teve mais registros do que 2018 inteiro: foram 716 ligações à Defesa Civil pedindo por inspeção da estrutura de imóveis.
O número de visitas realizadas pelo órgão também cresceu expressivamente. Em menos de um mês, entre 16 de outubro e 13 de novembro de 2019, agentes da Defesa Civil de Fortaleza já haviam realizado 500 inspeções. Em nota, o órgão informou que esse quantitativo atual “varia muito, pois algumas ocorrências, de acordo com a tipologia, demandam mais tempo de avaliação in loco da equipe; e um outro fator é a distância, que pode demandar mais tempo para o deslocamento da equipe que está em campo.”
O dever da Defesa é efetuar uma vistoria técnica e elaborar relatório para identificar os danos estruturais visíveis a olho nu. Entre outubro do ano passado e setembro deste ano, 19 imóveis foram interditados por risco de colapso: uma média superior a um por mês.
O primeiro deles foi o Edifício Modigliane, no Bairro de Fátima, interditado na noite do dia 30 de outubro, após chamado dos próprios moradores para denunciar a precariedade da edificação e a escuta de um estalo no segundo andar. Em 6 de novembro, foi a vez do Edifício Ana Cristina Holanda, no bairro Montese, cujos 12 apartamentos foram esvaziados. Doze dias depois, o Edifício Salinas, no Cocó, foi evacuado depois de parte da fachada desabar. São apenas três exemplos da prevenção de possíveis novas tragédias, evitadas pelo Andrea.
Prevenção
Atualmente, as atividades da força-tarefa de inspeções prediais, segundo a Defesa Civil, estão suspensas na Capital desde o início da pandemia. Os chamados, porém, podem ser feitos via Ciops (190). “As equipes trabalham em regime de plantão, 24h, para atender as ocorrências demandadas pela população”, complementa a Defesa Civil.
Em entrevista ao Diário do Nordeste em abril deste ano, o engenheiro José Soares Filho, especialista em engenharia diagnóstica, ressaltou que não efetuar os reparos estruturais imediatos pode significar um risco direto para a vida dos moradores, já que a falha pode se agravar e provocar queda de materiais ou até mesmo o desabamento.
“Isso vai aumentar os custos, os riscos e colocar a vida dos usuários em perigo. Daí a necessidade de chamar alguém que possa resolver, mesmo em período de pandemia”, ressalta. Aos moradores que perceberem que a estrutura do edifício está em situação crítica, Soares orienta que enviem um comunicado para seus vizinhos indicando as áreas que estão com risco e isolem esses espaços.
[18/10/2020] Sobrevivente que fez selfie sob escombros relembra queda de prédio no Ceará: 'Chão abaixo de mim cedeu'
Desabamento de condomínio em Fortaleza deixou nove pessoas mortas. Estudante que ficou preso sob os escombros fez selfie e mandou para amigos e familiares para dizer que estava bem
Um ano após o desabamento do edifício Andrea, em 15 de outubro, o sobrevivente Davi Sampaio, de 23 anos, relembra a tragédia que mudou a sua vida. Ele ficou sob os entulhos da edificação em Fortaleza por várias horas, até ser resgatado pelos bombeiros.
Enquanto aguardava, ele se preocupou em avisar aos familiares que estava fisicamente bem, apesar do estresse emocional. Ele fez uma selfie sorrindo e enviou para amigos e familiares. A imagem foi compartilhada em redes sociais e viralizou.
“A intenção de mandar a foto foi avisar a amigos e familiares que estava tudo bem. Logo depois de o prédio cair, meu celular começou a receber muitas mensagens.”
Apesar do sorriso na foto, Davi lembra que foram horas difíceis. "O local era bem desconfortável, porque tinha muitas pedras pontiagudas me perfurando", lembra.
“Depois que o chão abaixo de mim cedeu, fiquei uma fração de tempo desacordado. Quando meu corpo voltou, minha cabeça tava com muita adrenalina. Foi um mix de muita poeira, entulho, emoção. Chorei bastante. Depois de um leve surto, parei, respirei, e comecei a pegar em mim pra ver se tinha alguma coisa quebrada. Foi quando liguei pros meus pais pra contar que o prédio tinha caído.”
O pai de Davi, Paulo Rômulo Bezerra, estava num banco quando recebeu a imagem. Do caminho de volta até o prédio, ela se lembra do desespero que sofria.
"Aquilo foi a mão de Deus que segurou meu filho. O Davi faz um ano agora no dia 15 de outubro. Os bombeiros disseram pra ele ficar na posição fetal, pra conseguir sair do buraco. E assim ele nasceu de novo."
"Hoje em dia, não dou mais a importância a coisas superficiais que muitas vezes tinham minha atenção antes. Hoje, prefiro meu conforto, estar bem comigo mesmo do que tentar ser o que não sou. Eu gostava muito de consumir, mas hoje sei que isso é descartável", afirma Davi.
103 horas de trabalho
Os trabalhos de resgate duraram mais de 103 horas, com a colaboração de 500 pessoas - dentre elas, 135 bombeiros que se revezavam 24 horas por dia. Além deles, brigadistas, médicos, socorristas, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, policiais, agentes de trânsito e civis participaram ativamente dos trabalhos no quarteirão marcado pela dor e pela esperança.
O coronel Eduardo Holanda, comandante geral do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (CBMCE), tem no Andrea a operação mais complexa da corporação em mais de 90 anos de história. Ele começou a coordenar os trabalhos voltando de uma viagem a Brasília.
“Quem estava lá no dia a dia, na chamada ‘zona quente’, obviamente se sentia cansado mas não queria parar. Era uma dificuldade minha e acho que de todos os bombeiros tentar se desligar por um momento que fosse pra recuperar as energias e retornar. Sem dúvida, o desgaste físico a gente só consegue perceber no final da operação”, comenta ele, que passou as primeiras 40 horas sem dormir.
Os agentes fardados também tinham a colaboração de uma rede de voluntários civis articulada pelas redes sociais. Um dos pontos de apoio foi uma casa cedida pelo dono após uma ligação do funcionário público Daniel Serpa, 43. Ele chegou ao Andrea um dia após o desabamento, e dali só sairia na noite do sábado, 19 de outubro, com o fim da operação.
“A gente queria ajudar quem oficialmente estava encarregado disso. Na nossa ‘casa’, tinha água, quentinha, colchonete, área de descanso, equipamentos de proteção, toda uma estrutura. Era algo que pedia muita gente, muito esforço e muita pressa”, conta. O grupo coordenado por ele chegou a ter 100 pessoas, das quais 30 mantém contato até hoje.
Fonte: https://g1.globo.com e https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/