Coliving: você sabe o que é?
Nova onda do mercado imobiliário pede cuidados na aquisição
Por Jaques Bushatsky*
Interessantes lançamentos imobiliários têm privilegiado o coliving, neologismo que significa a conjugação de pequenos apartamentos com áreas comuns fartas em atrativos e equipamentos. Trata-se do modo viável de adquirir imóvel em bairros com melhor localização e infraestrutura. Interessa aos consumidores, igualmente, a praticidade de unidades compactas, a possibilidade de usar verdadeiros clubes e viver em comunidades da maneira mais intensa possível.
Aos benefícios se antepõem os problemas clássicos da vida em condomínio, que talvez estejam sendo vistos de maneira nova e perdendo relevância na visão desses públicos.
Não é demais lembrar: se é verdade que hoje essa vibrante vida condominial é desejada, antigamente, constava Clovis Bevilaqua (redator do projeto do código civil de 1916): “o condomínio é estado anormal da propriedade”. De anormal a ambicionado, portanto, em cerca de 100 anos.
É vital analisar pelo menos dois aspectos nesses empreendimentos. O primeiro consiste em saber com exatidão o que se adquire, pois o termo coliving não tem significado legal (diferentemente de “loteamento” ou “condomínio edilício”, por exemplo) e alguns colivings oferecem de bicicletas a bibliotecas, ao passo que outros oferecem apenas a releitura de tradicionais equipamentos de lazer, como piscinas e salões de festa. É verdade que o material publicitário – e as suas ressalvas – compõe o contrato, mas não será somente na propaganda que se pesquisará a extensão do que está sendo comprado.
O segundo aspecto diz respeito às condições de uso dos equipamentos e das áreas comuns: a qualquer hora? O uso se fará mediante pagamentos específicos? Como será organizado o condomínio, como se farão os rateios de despesas? Quais serão as regras dessa vigorosa convivência em comum?
As respostas deverão estar nas convenções de condomínio (e, quando existirem, nos Regimentos Internos), sendo obrigatória a previsão do fim a que se destinam as unidades, da quota proporcional e do modo de pagamento das contribuições para atender às despesas ordinárias e extraordinárias; a forma de administração; quanto às assembleias, a sua competência, a forma de convocação e o quorum exigido para as deliberações; as sanções a que estão sujeitos os condôminos ou possuidores.
No momento da aquisição: é na documentação oficial que se averiguará o que está sendo comprado, o que será entregue na área comum – onde acontecerá, afinal, o coliving: como será administrado (a gerência deverá ser muito mais sofisticada do que a necessária num condomínio edilício usual)? O que será entregue e o que somente funcionará pay per use? Quais e quantos são, precisamente, os equipamentos? São perguntas básicas que as boas Convenções ou adequados Regimentos responderão.
Se o modo de viver é novo, será que as regras estabelecidas também o são? Deveriam ser. Nestes empreendimentos é de extrema importância analisar as convenções, seja para saber o que se compra, seja para saber como tudo será usado.
A modernização das previsões é condição sine qua non da razoável convivência nesses novos condomínios e não é suficiente relegar-se o tema ao genérico tratamento legal: o Código Civil veja-se, exige que os condôminos atendam “aos bons costumes”. Serão os “bons costumes” hoje esperados – e razoáveis em novas comunidades – iguais aos de antigamente, em casas afastadas umas das outras? Evidente que não.
Como se aquilatará o “sossego” que a lei civil ordena seja preservado? Quem será, realmente, o “condômino antissocial” referido na lei, nessas novas concentrações humanas? Por certo não haverá de ser, rigorosamente, o mesmo que era criticado no tranquilo e pequeno prédio residencial afastado do centro.
Aquelas velhas convenções – preocupadas, por exemplo, em proibir que se batessem tapetes nas janelas ou no silêncio a partir das 20 horas – já não servem: nesse horário esse novo público nem chegou do trabalho!
São necessárias previsões que sirvam aos novos moradores, orientem a utilização compartilhada de instalações e equipamentos, os quais muitos jamais viram ou tiveram e que acabaram de conquistar (quantos usufruíram de boas bibliotecas, compartilharam máquinas de lavar roupa, dividiram horários de faxineiras, conviveram em salas de cinema privadas?).
Por isso, as novas convenções – as bem pensadas - têm se preocupado com a agilidade intrínseca a esses novos empreendimentos; têm declarado – fixando legitimamente as intenções dos instituidores e, lógico, dos adquirentes - as suas características especiais, inovadoras, proclamando os princípios que os regem (um tanto diferentes daqueles tradicionais) e têm procurado evitar que interpretações arcaicas destruam a utilização almejada.
São as cautelas essenciais: averiguar o que se adquire e como funcionará o que se adquiriu, sempre na Convenção, que deve ser moderna para ser eficaz.
(*) Jaques Bushatsky é advogado. Fundador e diretor da Mesa de Debates de Direito Imobiliário (MDDI). Pró-reitor da Universidade Secovi e integrante do Conselho Jurídico do Sindicato da Habitação. É especialista nas áreas de Condomínio e Locação. É sócio da Advocacia Bushatsky.