Com menos turistas no RJ
Hotéis planejam transformar quartos em residências
Com menos hóspedes, 11 hotéis do Rio planejam transformar parte dos quartos em residências e escritórios
Primeiro cinco estrelas do país, o quase centenário Hotel Glória não só vai voltar a abrir suas portas, fechadas desde 2013, como vai puxar o fio de um movimento de transformação urbanística. Quem um dia sonhou ser hóspede poderá ser proprietário. A prefeitura, que autorizou na semana passada que o prédio neoclássico seja convertido em residências e escritórios, também analisa outros pedidos semelhantes. O Sindicato dos Meios de Hospedagem do Município do Rio de Janeiro (HotéisRIO) estima que 11 empreendimentos pretendem, em breve, ocupar espaços que antes eram para turistas.
Com a queda do número de visitantes na cidade e a pressão do mercado imobiliário, outros hotéis buscam a mesma saída para a crise agravada pela pandemia do coronavírus. Além do Glória, outros três projetos já estão avançados: dois no Flamengo e um na Barra da Tijuca. O HotéisRIO representa cerca de 300 hotéis na capital, que ofertam mais de 50 mil quartos. O número de vagas no Rio quase duplicou às vésperas da Olimpíada de 2016, mas a expectativa de negócios pujantes não se confirmou. Em maio deste ano, a média de ocupação no setor era de 40%. Desde o ano passado, sete hotéis fecharam.
Área de influência
Embora não seja tombado, o Glória está numa área de influência de outros bens históricos muito importantes, como o Outeiro. O arquiteto Carlos Fernando Andrade, doutor em urbanismo e ex-superintendente do Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (Iphan), celebra a novidade. Segundo ele, diante da inviabilidade de se recuperar o uso hoteleiro do Glória, é importante criar uma alternativa residencial.
"Dar um uso é fundamental, ainda que não seja o original. Fico muito satisfeito em saber que aquele prédio, que já viveu dias de glória, voltará a ter vida. É importante como patrimônio e para o bairro. É péssimo para qualquer lugar ter uma ruína na vizinhança", afirma Andrade, destacando que tudo favorece o projeto, como a proximidade do Centro e o fato de estar de frente para um dos principais parques urbanos do mundo.
Para ele, além da tendência de mercado, a transformação de hotéis em residência é uma solução para a explosão de oferta de vagas na cidade nos últimos anos, o que classificou de “maluquice”, no rastro da euforia que precedeu os Jogos de 2016:
"Como o nome diz, evento é temporário. E, agora, ainda temos a pandemia impedindo a retomada do turismo."
Outros dois hotéis estão em processo de transformação em prédios residenciais: os antigos Flamengo Palace e Payssandu. O primeiro, de 17 andares, se chamará Insight Rio, com lançamento previsto para este mês. São estúdios, de 36 ou 56 metros quadros, com preços de R$ 515 mil a R$ 1,4 milhão. Terão ainda área para coworking, lavanderia, spa, piscina e terraço. As obras, que começam em agosto, devem ficar prontas em março de 2022.
"Acabamos dando vida a um negócio que já estava quebrado. Vai ser bom para quem comprar e para quem quiser investir, porque, como não é grande, consegue comprar apartamento de frente para praia por menos de R$ 1 milhão, o que é difícil na cidade", afirma Daniel Afonso, diretor da D2J Construtora, responsável pelo projeto.
Negócio art déco
Tombado, o Hotel Payssandu teve o novo projeto lançado na virada do ano, e as 48 unidades, que variam de 28 a 80 metros quadrados, já foram vendidas. As obras começaram em abril. A entrega está prevista para o início de 2023.
"A bonita fachada, em art déco, é tombada e será mantida", diz Marcos Saceanu, diretor-presidente da construtora Piimo, que negocia outros hotéis na Zona Sul para reconversão.
No Jardim Oceânico, Barra da Tijuca, o Hotel Praia Linda dará lugar a um prédio com apartamentos de luxo, de 150 a 220 metros quadrados. Diferentemente dos outros, a Itten Incorporadora vai demolir o prédio para construir o novo imóvel, que terá 34 unidades.
Considerando o tamanho do parque hoteleiro da capital, o Rio poderia estar assistindo a mais reconversões. Mas, na opinião de Cláudio Castro, diretor da Sérgio Castro Imóveis, o maior empecilho é a despesa alta dos retrofits, que custariam cerca de R$ 4 mil a R$ 5 mil por metro quadrado. Ele conta que, neste momento, tenta vender dois imóveis, um em Copacabana e o Hotel Aymoré, na Praça da Cruz Vermelha. Presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Claudio Hermolim defende a atualização da legislação, que dificulta investimentos e aumenta os custos dos empreendimentos.
"Hoje ainda temos exemplos tímidos de reconversão, porque a legislação é pouco convidativa. Há bairros em que não se pode ter apartamentos de 24 metros quadrados, que é o tamanho comum de um quarto de hotel. Ou se exige vaga de garagem ou área de lazer", observa.
Secretário municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo destacou que já existem mecanismos para estimular retrofits no Reviver Centro, e no Projeto de Lei 136, que trata de tombamentos:
"Há várias possibilidades de reconversão do parque hoteleiro da cidade. O entendimento é que não há necessidade de nova lei, até porque há benefícios recentes."
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